Falar do actual contexto de tunas, chegados à Queima do Porto, é um exercício altamente complexo dadas as vicissitudes, histórico, ambiente e "politização" do mesmo. Não é - e nunca foi - uma regra de 3 simples.
O actual cenário é uma inevitável consequência de anos a fio, onde a tentativa de instrumentalização das tunas indiciava já o que hoje temos. A ruptura era inevitável por força quer da natural, histórica e genética independência da tuna, quer por força de uma certa tentativa de invasão ocorrida no espaço tuneril, onde se promoveu um misturar, sobrepor e diluir de coisas completamente distintas e separadas entre si, por muito que se insista - ainda - em o fazer aqui e ali. A consciência das tunas e da sua natureza independente existe hoje, de forma mais premente, efectiva e generalizada, levando também ao cenário que hoje conhecemos.
Acontece é que estamos a falar de uma Academia que tem contabilizadas 77 tunas, o que a torna na cidade do mundo, repito, do mundo, que mais tunas tem no activo. E aqui chegados parece inverosímil reduzir tudo a uma mera questão de preto e branco, de uns contra outros. As motivações não são apenas as da subjugação voluntária ou recusa liminar da invasão da identidade tuneril historicamente comprovada e delimitada; há mais causas a subsidiar - e casuisticamente - o actual cenário bipolar - e que desde há muito tenho vindo a referir aqui neste espaço. Tripolar, talvez, melhor dito: A maioria das tunas da Academia não vai a nenhum dos eventos.
Desde a histórica segmentação das escolhas "repetitivas" para o FITA sob critérios altamente duvidosos, passando pela sua alteração de paradigma - desde o inicial até hoje - a cada passo e consoante o andar da procissão, terminando no cenário que o Cartolas originou, parece incontornável que estamos perante algumas conclusões a retirar:
1 - Quando antes o Santo Graal era ir ao FITA, agora o mesmo passou a ser ir ao Cartolas. Merece séria reflexão;
2 - Se somarmos todas as intervenientes em ambos, depressa constatamos que as que sobram ainda assim são muitas mais que as que irão actuar em ambos. Interessante;
3 - Assim sendo, a inflação deste ano no número de intervenientes no debutante Cartolas é sintomática, pois até tem no seu elenco tunas da Academia que nunca tocaram no FITA, entre as clássicas deste último; A adesão é maior porque a abertura à participação - face ao FITA - é maior;
4 - O FITA, por sua vez, despida das clássicas tunas costumeiras, recolhe-se numa procura desenfreada de tunas da Academia que, antes, nem ponderadas foram para constar sequer do seu elenco ou até das famigeradas pré-audições de selecção;
5 - Não basta para explicar o sucesso do Cartolas a sua natureza não-competitiva, aliás, nem sequer é a 10ª causa de opção ou atracção das tunas a este; Como não é causa, hoje, de atracção a ida ao FITA por ser competitivo;
6 - Sendo mais fácil encher uma sala de 1000 e poucos lugares que uma sala de 3000, não deixa de ser relevante a queda abismal de público no FITA e a impossibilidade física de mais gente no Cartolas, o que quase ousaria sugerir uma troca de sala, bem mais adequado aos interesses do público em geral - e não de outros interesses;
7 - A descapitalização do FITA é culpa exclusiva de quem sempre o geriu directa e indirectamente, algo que tenho vindo aliás a alertar ao longo dos anos, mesmos naqueles de deliciosa paz podre. A capitalização do Cartolas também é consequência disso - mas não só;
8 - Somando a inexistência do dom da ubiquidade ao que sobra, o FITA caí assim num colete-de-forças espartano quanto às escolhas a fazer, que são basicamente em torno das que permitem/permitiram sobreposição contra-natura de naturezas distintas;
9 - O Cartolas por sua vez é um claro sintoma de apartar de águas mas também um atractivo ponto de vista da participação tuneril em plena Queima das Fitas, sob uma cartilha ideológica bem mais próxima da Tradição Académica que por sua vez, e dada a força do seu cartaz, está mais próxima dos Estudantes e dos Finalistas em concreto;
10 - Conclui-se, portanto, da inevitável falência do FITA por culpa própria, mormente ter sempre espaço de manobra para compor o seu cartaz; em contraposição a adesão do público diminuiu drasticamente e por culpa própria. Conclui-se que o Cartolas recentrou a génese tuneril e com isso, capitalizou público que nesta altura é mais do que fiel, provocando uma ruptura com o paradigma existente até ao ano anterior, segmentando-se assim num nicho próprio do qual, paradoxalmente, o FITA nunca deveria ter saído, e que hoje paga o custo elevado das suas opções extra-tuneris e extra-artísticas, resumindo-se a escolher entre o muito que sobra, quando o Cartolas tem precisamente o "problema" oposto, gerir o cartaz em função da natureza do espectáculo e sua atractividade que lhe levanta "problemas" de sobrelotação em cima do palco e na plateia.
E assim vão as fitas na cartola. Necessariamente é tempo de conferir razão aos que há muito previam este inevitável cenário.
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