A Aventura de - mais um - Equívoco Histórico





Já por várias vezes escrevi - aqui e noutros fóruns online - sobre o carácter infecto-contagioso que a intitulada de Praxe (e sobre a sua validade histórica e prática já muito se escreveu na internet) teve nas Tunas, então, no boom das mesmas em idos dos anos 80/90 do Século XX.



Essa infecção provocada pela “praxice” – chamemos-lhe assim, dado que a verdadeira Praxe nada tem a ver com tais, digamos, disparates – nas Tunas, criou, entre várias falsas premissas, uma que ainda hoje me faz reflectir, questionar se porventura se manterá: O carácter belicista da Tuna. 




Traduzo: A Tuna como uma espécie de braço armado da sua Academia, face a outras Academias, da sua cidade face a outras cidades, até da sua universidade e/ou faculdade face a outras da mesma Academia e/ou cidade. Sendo que, ao mesmo tempo, comportava-se de forma bipolar, quando chegava à hora de cada Tuna convidar outras para o seu festival - e presumindo-se com tal o reconhecimento tácito das tais outras tunas. Bizarramente bipolar, potenciado, precisamente, por "valores" alheios à Tuna estudantil. Ora, cá está um perverso resultado.



Então, essa noção maniqueísta foi altamente alimentada, não só pelas "praxices" mas também pelas próprias Tunas, no intuito 1º) de mera diferenciação e 2º) o tal embandeirar representativo da sua Academia, Cidade, Universidade, como se de uma invasão a solo inimigo se tratasse, a cada festival, encontro que se ia. O estandarte da tal Representatividade – já aqui dito, auto reclamado e não delegado pela sua universidade e/ou cidade – serviu como uma luva ao tal sentimento mais bélico a que aludi em cima. Se pela simples diferenciação fez/faz/fará sentido – uma Tuna do Porto soa de forma distinta de uma outra de Coimbra, p.ex, e assim sucessivamente – já pelo ponto de vista da ultra-representatividade auto proclamada pelos setes palcos, soa, hoje, a algo não só infantil como, até, quase absurdo.


Note-se, não se deve misturar conceitos distintos como sendo Orgulho - em se ser da cidade X, ou da universidade Y – com uma espécie de bando terrorista armado com bandolins e guitarras, que proclama de forma, até selvagem por vezes, as virtudes "da sua raça", vilipendiando as restantes – as tais que, quando dá jeito, convida depois para sua casa….




Nada contra o orgulho em se ser de uma Tuna de X cidade, até porque há tanto Tuno que não é originário da cidade da sua própria Tuna – o que, vamos convir, torna ainda mais ridícula a tal noção belicista em cima. Aliás, convém nesta ocasião recordar que, regra geral - e excepções existem que confirmam tal regra – uma Tuna é composta por gente que à mesma acede aleatoriamente, isto é,  acede apenas pela coincidência temporal e espacial em ser aluno da faculdade Y. Ou seja, regra geral, a composição de uma Tuna é, à partida, resultado de uma espécie de lotaria que as pautas de admissão nessa universidade/faculdade explicam facilmente – e não resultado de uma escolha criteriosa dos melhores bandolinistas  - que podem ser da faculdade do outro lado da rua - ou dos melhores tenores - que podem estar a estudar na Universidade do lado oposto da mesma cidade - e assim sucessivamente. Facto.



Sim, já sabemos que depois há uma triagem na admissão à Tuna (e resta saber se apenas sob a alçada do mérito artístico e/ou musical). Mas mesmo essa triagem na admissão está condicionada pela lotaria em cima mencionada. O que ocorre depois pode ser – ou não – um processo evolutivo, tirando proveito dos que estão, fazendo deles melhores Tunos/músicos. Mas isso é já outra coisa - coisa essa que explica o mérito ou não de cada tuna assim composta a montante (porque há aquelas, mesmo desde o boom, que se formam mediante preceitos prévios que não serem - na roleta da sorte e do azar... - da mesma Faculdade/Universidade.




Voltando ao tal carácter belicista supra referido, resulta óbvio que a competição em cenário festivaleiro foi um ultra catalisador dessa mesma postura, mesmo que, no final da refrega, muitos se juntassem a "lamber as feridas" e a "contar despojos" no bar do teatro. Certo e ainda bem que assim foi/é/será (?). Mas nada disso invalida a constatação da tal evidência belicista, por muito que custe a muitos - incluindo eu próprio. Essa perspectiva esteve/está/estará(?) embebida na acção quotidiana das tunas quando estas se deparam com congéneres, porque assim foram "educados" - e as aspas aqui assentam como uma luva - no potenciar de uma diferenciação face ao vizinho do lado, da Tuna ao lado. O que é, pelo menos, absurdo, tratando a Tuna de ser, como é, e desde logo, uma expressão Musical.




Já o disse aqui antes. A Tuna foi invadida por "praxices" que, por sua vez, nos legaram, dentro dela, o pior que o Estudante encerra e, mais digo, o oposto do que a Música potencia. Eu próprio caí nesse engodo. Visto à distância, não só soa mal como até é grotesco. A Música deve unir-nos, nunca distanciar-nos. Essa noção belicista é - mais uma, entre outras - "característica" que nunca poderá elevar a Tuna Estudantil a um patamar de maior respeitabilidade geral, pelo oposto. 




É gasolina para a mediocridade. Combustível para a marginalidade cultural -  onde estamos, infelizmente, mesmo ao fim de mais de 30 anos pós boom.




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