A Aventura da falta de Perspectiva

 





Primeira "Aventura" do ano.


Um dos aspectos que sempre me assolou - e cada vez mais, conforme o andar do Tempo - é a total falta de percepção real que detemos, nós, sobre a nossa própria existência enquanto comunidade.


Simplifico com uma simples questão: Como é que os outros, que não são ou foram tunos, vêm a Tuna em Portugal?


Temo que nos temos em demasiada boa conta, excessiva até.


Se, por um lado, sabemos genericamente que a Tuna estudantil é algo que transporta automaticamente qualquer mortal para sensações especificas como alegria, música, estudantes, traje e outras mais ou menos pacificas, por outro sabemos que, para o comum futrica, é periclitante - e pelo menos - a Tuna ser algo mais do que tais noções tão básicas quão simpáticas.


Não somos - mesmo após todo o trabalho em prol da respeitabilidade genérica que alguns poucos vão fazendo desde sempre - objectivamente, grupos focados numa noção maior, superlativa, de comunidade. E, depois, de comunidade respeitável, com grande grau de reconhecimento geral perante a sociedade civil, descrita automaticamente como sendo uma cultura coesa, por isso forte, acima de qualquer suspeita - como p.ex. o Fado granjeou ao longo de décadas. Não é, sequer, comparável, em abono da verdade.


Este deficit de importância deve ser atribuído apenas aos outros - como se os outros fossem uma entidade abstracta qualquer - ou deve-se, sobretudo, à nossa manifesta e genética falta de noção de grupo cultural, de forma universal e abstracta?


Sendo relevante que cada vez que interagimos com a sociedade civil, esta responde positivamente - mesmo com o andar do Tempo - aos nossos inputs mais empáticos, na realidade, tal significa que somos genericamente vistos com condescendência pueril e daí não passa, trocados que somos rapidamente por uma qualquer Maria Leal em noite de romaria de Verão. Seria pertinente analisar porque razão (razões) tal ocorre.


Sendo certo que os festivais nos aproximam ao público genérico - e mesmo assim, sou simpático, dado muitos dos nossos festivais estarem pejados de mães, pais, primos e colegas de estudo, deixando a esmagadora maioria - exceções haverão - de fora o comum mortal, a verdade é que raramente se procura as causas de tal dentro do nosso seio, assacando tal constatação - quando é feita... - a motivos extra o nosso próprio posicionamento.


O folclorismo adoptado amiúde apenas ajuda ao entrincheirar da nossa própria existência, em circuito fechado, descredibilizando - ou por indiferença da sociedade a tais manifestações, ou mesmo por acção negativa própria - o todo do fenómeno tuneril, por revelar mais preocupação - saloia, diga-se - em nós mesmos, do que na nossa imagem genérica perante a sociedade. Aliás, sem colocar em causa o sacrossanto direito em organizar eventos, convenhamos que há alguns que apenas existem por mera teimosia própria, sem qualquer relevância de facto.


A noção de comunidade não se compagina com cerrar fileiras, é ao contrário, até.


Deveríamos, ao fim de algumas décadas, ter maior noção da realidade social onde estamos inseridos - e lembrar que aqui ao lado a tuna já só é atractiva para os mais velhos, saudosos de outros tempos, onde a tuna era algo maior na sua respeitabilidade geral... - e abrir, definitivamente, uma nova página mais inclusiva, mais universal, de uma cultura que teima - e por culpa de muitos... - em estar refém de preconceitos folclóricos tão egoístas quão falsos, por não terem qualquer verdade histórica e factual mas sim, antes, estarem assentes em falsos dogmas que, no final do dia, apenas apartam a Tuna da sociedade civil, deixando-a na trincheira cultural onde, infelizmente, hoje reside.


Por estas e por outras é que clamar por reconhecimento de terceiros a nível mundial (faltando clamorosamente o local, ironicamente) é, como superiormente demonstrado recentemente, uma enorme falácia, sem qualquer hipótese de medrar, antes sim, de merdar - e passo o vernáculo.


Falta de perspectiva. E a subsidiar esta, falta de noção e muita arrogância - a que não é isento o efeito Dunning-Kruger quanto à Tuna estudantil. Aliás, a realidade recente prova-o.


É querer construir uma casa pelo telhado. Vai ruir antes da primeira pedra.


Fica a reflexão.






Comentários