A Aventura "Vicentina"

Não é muito meu apanágio enaltecer e reportar pessoas em concreto, até porque entendo que o tempo - esse grande aliado da Arte de Bem Tunar - é por si só, suficiente "castigo" para alguns e ao mesmo tempo, um hino a quem o mereçe. Mas no caso em concreto, vou abrir uma excepção que, porventura, será posteriormente repetida aqui e ali quando se justificar.

Não, esta aventura "Vicentina" não pretende - para pena dos que apontam o dedo aos "velhos do Restelo" quando em Tunas, são estes o garante e cada vez mais, do normal prosseguir do fenómeno enquanto cultura e não os "vencedores de prémios" sempre focalizados num dado tempo..... - enaltecer nem o Santo nem Gil. Pretende esta aventura reportar-se a uma das mais ilustres figuras tunantes nacionais e que deixou um legado que vai muito para além do tempo presente e passado: António Vicente.

Conhecia o Vicente de "vista" e de ouvir isto e aquilo, muito por força do facto de não sermos contemporâneos - ele "sai" das lides tunantes e eu há pouco por lá andava então, no dealbar dos anos 90 do Século XX - mas essencialmente "conhecia" o Vicente graças ao misticismo que me era relatado então por um natural de Coimbra que militava na "minha" Tuna de então, o "Coimbra" como ficou, naturalmente baptizado no seu seio.

O "Coimbra" falava do Vicente com a mesma "ternura" e respeito com que se fala de um poeta, de um artista consagrado, de uma figura ímpar a todos os titulos. O "Afonso" era uma, então, uma espécie de "hino nacional tunante" entre poucos outros, mesmo na Invicta Academia e olhava-se para António Vicente com a mesma respeitabilidade que se olha uma figura de estado, entre outras - poucas naturalmente - que existiam então e ainda hoje, por deixarem vasto legado ao fenómeno tunante, esteja-se mais ou menos de acordo com as visões de cada um então.

Por várias razões de vária indole nunca tive o previlégio de partilhar uma jantarada ou copos com tão ilustre pessoa e Tuno, devo referir, até que chegado ao ultimo ENT em Viseu, a mesma surgiu e proporcionou-se naturalmente. E foi de facto, marcante a vários titulos. Pessoa frontal e que não manda dizer por ninguém, diz o que pensa de forma directa e sem subterfúgios e acima de tudo, levanta a sua voz perante tanta coisa "engraçada" (adjectivo simpático..) que vai proliferando aqui e ali. Muito poderão dizer que isso é natural até, vindo de uma geração como a dele. Mas por si só, essa "explicação" não configura nada de concreto, apenas e tão só é mais um iten na postura de alguem, porventura. Na sua alocução ao plenário do ENT houve coisas com as quais não concordei até; mas curiosamente mantive uma atenção especial ao discurso tido pelo Vicente que, visto de determinada perspectiva, até me pareceu, mesmo não estando de acordo, clara e pertinente.

É também ele uma "vitima" - salvo seja pois parece-me que ele é tudo menos uma vitima seja do que seja! - de um profile actual no mundo tunante nacional mais preocupado com "paneleirisses" inventivas do que propriamente em Tunar de facto, pois o discurso do Vicente iria a muitos hoje que agora por cá chegam, no limite, deixar as orelhas bem quentes e com alguns problemas estomacais. Disse da forma dele o que alguns pensam e dizem e muitos não ousam dizer sequer porque manifestamente incapazes de perceberem, sequer, o que ele afirmou, numa espécie de "autismo tunante" que nem sequer admite o tentar entender o que outros - e que outros... - dizem. Aliás, a cultura tunante nacional tem este estigma engraçado: Os que muito deram ao fenómeno e sobre ele se debruçam de forma séria e generalizante são vistos como "complexados de Peter Pan" ou coisa que o valha, não percebendo esses muitos sequer o prefácio, que fará o resto deste imenso livro....Entretanto, o tempo - ai o tempo... - começa a dar inequivocamente e expectavelmente razão ao Vicente e a outros "vicentes" que por aqui andam, a ver pelas noticias recentes e pelo actual cenário. O curioso é que certamente o Vicente não queria ter razão neste particular, limitou-se e tão só a "avisar a navegação" mas os bateis navegaram surdos em direcção aos rochedos...

É António Vicente uma - como poucas que há - referência incontornável no fenómeno tunante nacional, pelo muito que produziu e pela sua postura de verdadeiro Tuno independentemente de questões estéticas distintas e de coisas passadas que apenas deram mais sabor e colorido a uma imensa forma de estar unica, a Arte de Bem Tunar nacional. Autor de várias peças sobejamente conhecidas e também ele sócio da S.P.A. com todo o mérito porque graças ao seu esforço e engenho pessoais na criação de temas de sempre, de que "Afonso" é apenas e tão só um dos mesmos. Sempre bem disposto e com uma palavra atenciosa e pertinente no momento certo e mais que isso, sempre disponivel até a pegar numa guitarra e a esgadanhar temas dele, de outros e de outros ainda com a mesma alegria e disposição tunante de sempre.

É-lhe, por tal, esta aventura inteiramente dedicada. Faltam "vicentes" neste nosso Portugal Tunante, isso parece-me claro. Quanto mais não seja para se perceber o que é um Tuno de facto em oposição ao que de Tuno apenas e tão só "rouba" o nome...

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