A Aventura da clarificação

Tive o cuidado de atentamente ler e analisar os Códigos de Praxe das seguintes Academias; Algarve, Coimbra, Madeira, Minho, Porto (em projecto apenas e por tal, não aprovado) e Guarda. Tentei nesta leitura atenta, procurar citações a Tunas Académicas e/ou Universitárias, a fim de melhor se perceber esse relacionamento, quanto a mim, claro.

Mas vamos por partes então nesta dissecação:No Código de Praxe da Universidade do Algarve não existe UMA única menção/citação a Tunas Académicas e/ou Universitárias, o mesmo ocorrendo no Código de Praxe da Universidade da Madeira.

O Código de Praxe da Universidade do Minho dedica um capítulo do mesmo às Tunas e outros grupos musicais ou não, abordando especificamente este capítulo e só a questão do correcto trajar dos mesmos grupos, sendo que estes últimos (tunas, portanto e também) devem pedir Bula ao Cabido de Cardeais para poderem estar na Praxe com os seus trajes, sendo que em caso de a Bula ser afirmativa a mesma terá validade vitalícia. Sintomática é a primeira frase desse capítulo que diz e cito “ sendo os grupos académicos como as Tunas, agrupamentos musicais e outros, funiculares relativamente ao espírito académico, devem ser INCENTIVADOS e RESPEITADOS". (fim de citação). Cabal. Nota de particular destaque para o legislador que neste código APENAS legisla sobre a Tuna pelo ponto de vista meramente estético (o traje) e mais nenhum.

No Código da Praxe da Academia de Coimbra temos no Artigo 20º o seguinte: “Os caloiros que forem elementos de organismos ou grupos académicos tais como o Orfeon, Tuna, TEUC, Coro Misto, Secção de Fado e outros semelhantes constituídos ou que se venham a constituir, não estão sujeitos a qualquer sanção nos trinta minutos anteriores ou seguintes aos respectivos ensaios ou espectáculos, desde que se dirijam para suas casas ou delas venham pelo caminho considerado mais curto” (fim de citação). Note-se que o legislador aqui, salvaguarda a noção de privilégio dada a quem sendo caloiro, é componente dos grupos acima descritos no Artigo 20º do Código da Praxe de da Academia de Coimbra. Se ao caloiro é atribuído tais premissas de privilégio, por força de tal noção, o Tuno que não caloiro estará num patamar de consideração superior. Elucidativo sem dúvida. De resto, nem mais uma citação ou menção a Tunas.

No projecto de código escrito da Academia do Porto (projecto de António Balau e Augusto Soromenho datado de 1983 e que nunca viu a "luz do dia") não existe uma única menção a Tunas. Significativo. O que existe sim é menção a “protecção de instrumento”, sendo certo que basta saber tocar o mesmo e tal não significa necessariamente estar-se na presença de um Tuno, como é óbvio. Em todo o caso, a menção acima protege, ou seja, o legislador praxista atribui uma premissa de privilégio e não punitiva. Cabal, portanto. Lembro que na Academia do Porto a Praxe é transmitida oralmente (não existe Código escrito e aprovado oficialmente pelo Magnum Consilium Veteranorum).

O Código de Praxe da Real Academia da Guarda é deveras elucidativo quanto a Tunas. Possui no seu ponto 5º um capítulo dedicado exclusivamente às Tunas do Instituto Politécnico da Guarda, que nos diz “As Tunas IPG têm um código próprio de conduta vigente em actividades oficiais das mesmas (ensaios e actuações). Os caloiros das Tunas estão assim, durante estes eventos, vedados à Praxe do resto da Academia, devendo manter o respeito formal por todos os Veteranos e Superiores. Terminando a actividade da Tuna, os caloiros voltam a adquirir o estatuto normal dentro da Academia” (fim de citação).
Temos aqui um claro avanço do legislador, quando diz claramente que “as Tunas do IPG têm um código próprio de conduta vigente em actividades oficiais da mesma”, o que não é nada mais nada menos do que o transmitido oralmente desde sempre, por exemplo, na Academia do Porto. Depois salvaguarda o caloiro da Tuna, dando a mesma dimensão ao Tuno que o Código de Coimbra acima citado oferece e que é oralmente transmitido desde sempre na Academia do Porto.

Este exercício serve principalmente para desmistificar alguns relacionamentos perigosos entre as Tunas Académicas e ou Universitárias e os respectivos Códigos de Praxe em razão de localização, confusões essas que, por via de regra, afectam sempre em 1ª e ultima instância a normal prossecução da actividade Tunante. Note-se que não afirmo aqui qualquer "grito do Ipiranga" relativamente a esse relacionamento que se quer bilateral nos deveres e direitos e nunca unilateral, a fim de se evitar promiscuidades e acima de tudo, um imiscuir externo às Tunas que, como disse antes, só as prejudica sobremaneira.

Usando um exercício da autoria do Dr. Eduardo Coelho, para melhor percepção:

"Caso 1."

A" é membro de uma tuna. Está habituado a trajar-se de uma forma especial, fruto do ambiente da tuna. Suponhamos que usa a gravata desapertada e traça a capa segundo o costume da sua tuna. São meras suposições. Ou demos ainda o caso da TUMinho: o tuno continua a usar meias vermelhas e aquela espécie de colete vermelho - que são exclusivos da tuna. Suponhamos ainda que "A" está a assistir à serenata da sua academia trajado "à tuna" e que, por isso, está a cometer uma infracção ao seu código/costume/tradição. Suponhamos que um veterano o interpela. "A" defende-se alegando ser esse o costume na tuna e que, por ser tuno, não pode ser praxado/sancionado.

A meu ver, "A" está errado. Não só pode, como deve, ser sancionado. Está numa situação que não é especificamente a de tuna e, portanto, sob a alçada da praxe - com tudo o de bom e mau que isso possa ter.

Caso 2.

"A" é tuno e está em espectáculo ou sai de casa com essa intenção. Vai praticar uma actividade de tuna: uma serenata, um jantar anual, um baptismo de caloiro, uma ida para o autocarro, seja o que for. Anda, portanto, trajado à tuna. O veterano interpela-o. "A" alega a situação específica para se escusar a sanções.

A meu ver, "A" está perfeitamente correcto. Não só não pode como não deve submeter-se. Estas situações, com tudo o que possam ter de excepção e de abstracto, ilustram bem os limites entre uma coisa e outra. Numa situação específica de praxe, "A" tem de se submeter... Numa situação específica de tuna, "A" está isento. Quando "A" alega a sua pertença à tuna em todas as situações, está a cometer um erro.

Quando o conselho de veteranos invoca que toda e qualquer actividade levada a cabo por estudantes está sob sua alçada em todos os aspectos, está a usurpar competências. São estes limites que de vez em quando se calcam, de parte a parte. É na (falta de uma) delimitação clara - que devia derivar do bom senso - que surgem ou se evitam problemas desnecessários.O estudante "qua" estudante, está - se assim o entender - sujeito à praxe.

O estudante "qua" tuno, está subordinado à praxe da (sua) tuna enquanto estiver numa situação específica de tuna (mais os trajectos de ida e volta), em primeiro lugar e acima da própria praxe comum. Para tanto basta que cada um reflicta, sem sofismas, a qualidade em que se encontra a cada momento.

A condição de tuno, em abstracto, nunca pode servir de escusa ao respeito pela praxe.

A condição de veterano, em abstracto, nunca pode servir de pretexto para ingerência." (fim de citação).

Concluo: as Tunas são portanto, uma espécie de irmã da Praxe e não de filha desta - o contrário até, contextualmente, pode fazer mais sentido, se atentarmos ao facto de que cada vez mais são as Tunas a elevar as boas práticas Praxisticas com o desenvolvimento da sua normal actividade.

Como irmãs que são, obrigadas estão uma à outra em vários aspectos e por isso, auto-regulam-se tacitamente, à luz da boa vizinhança e de um ideal comum, a Praxe em sentido lato. Se reparamos com propriedade, sempre foi assim e quando há a tentativa de predominância de uma sobre a outra, a autoregulação entre elas deixa de ser tácita e passa a beligerante explicitamente, com claros prejuízos para ambas; Não pode um Tuno por ser Tuno passar para lá da linha do académicamente aceitável como não pode um Finalista por ser Finalista praxar um Tuno tout court.

É nesta relação tácita entre irmãs que partilham um ideário comum que as coisas vão correndo - e muito bem - ao longo dos tempos, contra adversidades temporais e circunstanciais, permitindo por um lado, a manutenção da Praxe - onde ambas as irmãs participam em razão de matéria, uns regulam a Praxe, outros tocam e cantam em favor dela também - e permitindo também a manutenção das Tunas tal como as conhecemos hoje - ganhando todas com isso e a própria Praxe também.

Resumindo, é da natural separação de espaço em razão de matéria que sobrevive o fenómeno Tuna e o fenómeno Praxe e não de uma predominância de uma sobre a outra e/ou vice versa. Quando isso acontece, acendem-se os alarmes de alerta e obviamente, desaparece a noção de espaço comum entre elas para cada uma passar a auto-proteger-se por si só, com claros prejuízos para ambas; Nem dará bom resultado um veterano dizer quem toca o quê e onde, como não dará bom resultado um Tuno constituir uma Trupe ad-hoc só porque é Tuno.

Que não se caia na tentação de invadir o natural espaço de cada uma das realidades em causa.

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