A Aventura do (re)ssurgimento Tunante dos anos 90

Nestas coisas, o melhor a fazer é ir à fonte e resumir o melhor possivel, de forma a ficar clara a raíz histórica do fenómeno Tunante em Portugal, que eu considero dividida em duas partes, a 1ª o surgimento e a 2ª o seu ressurgimento.

Assim, deixo extractos dos sites do Orfeão Universitário do Porto e da Secção de Fado da Associação Académica de Coimbra, para lá de outros textos elucidativos:

"Datam do século XIX as primeiras notícias da Tuna Académica do Porto.
Em 1891 a Tuna Académica do Porto, sob a direcção de Raul Laroze Rocha, apresenta-se em Salamanca e Madrid. Mais tarde, no Carnaval de 1897, realiza nova digressão a Espanha, apresentando-se em Santiago de Compostela, sob a regência de Carlos Quilez. Em 1899, participa nas comemorações do primeiro centenário do nascimento de Almeida Garrett, sob direcção de Henrique Carneiro. Passado um ano, em Janeiro de 1900, a Tuna instala-se na rua dos fogueteiros e da regência encarregam-se, sucessivamente, os maestros Sousa Morais e Costa Carregal. Apresenta-se em Março, perante a Academia do Porto, e efectua vários recitais em Lisboa. Em 1902 visita a Galiza, onde mais tarde tornará, em 1909, já sob a direcção de Prazeres Rodrigues. Faziam parte do reportório, entre outros, a "Serenata de Gounod", A Gioconda e Entreacto da "Carmen". Em 1913 a regência passa para Marcos António da Silva. Entretanto é criado a 6 de Março de 1912 o "Orpheon Académico do Porto"."

"Em 1888, após a visita a Coimbra da Tuna de Santiago de Compostela, um grupo de estudantes universitários, que a receberam, teria sido impulsionado a organizar-se como grupo Académico - surgia a Estudantina Académica de Coimbra. "

"A capa da pauta do pasa-calle “Amor da Pátria”, “Brinde aos Académicos do Porto” (referência ao movimento do Ultimatum), de Eduardo da Fonseca, apresenta um desenho com vários estudantes, de Capa e Batina...As fotografias da Tuna de 1897 e 1909 e um desenho de tunos (?) de 1902 mostram os tunos de Capa e Batina." (in Porto Académico )

"Refira-se que Reis Santos foi também regente da Tuna Académica (Porto Académico, n.º único de 1937, pág. 33)"

"... Entre essas homenagens tomaram certo vulto as realizadas na Galiza onde poetas e prosadores vibraram com a apresentação da nossa tuna. Apenas para mostrar o valor destas embaixadas académicas de que Modesto Osório era apaixonado, lerei uma poesia que José Maria de la Fuente, escritor galego, publicou no jornal Diário de Galicia, de 1 de Maio de 1924, sob a epígrafe «GALICIA e PORTUGAL»"

Referir ainda um texto inserto no site da Tuna Académica da Universidade de Coimbra, que nos indica desde logo uma descontinuidade sobre o fenómeno tunante nesta Academia, visto a Estudantina Universitária de Coimbra aquando da sua refundação alega recuperar a "velha Estudantina", referindo-se provavelmente à que o texto abaixo se reporta:

"As raízes das "Tunas" em Portugal remontam apenas aos meados do séc. XIX. Indubitavelmente, foi a visita da Estudantina de Santiago de Compostela, em 1888, que impulsionou em Coimbra à organização de um grupo congénere, a Academia Musical de Coimbra, também conhecida pela comunicação social por "Estudantina", e renomeada em 1896 por "Tuna Académica da Universidade de Coimbra". (fim de citação)

Citar ainda a Tuna Académica de Lisboa, "fundada no dia 13 de Maio de 1895, pelo Dr. Ilídio Amado, nascido em Lisboa a 4 de Dezembro de 1872. Foi, desde sempre uma tuna que se dedicou à reunião de alunos dos vários institutos e faculdades existentes em Lisboa assim como alunos as antigas Escola Comercial e Escola Industrial de Lisboa, que tivessem em comum o gosto pela música e camaradagem académica. Executavam somente música instrumental e faziam-no sentados. Tinham como principal objectivo alegrar as festas dos locais de origem dos seus elementos, uma vez que muitos eram estudantes que vinham de fora, nomeadamente do interior e zonas rurais, pois o ensino superior era ainda reservado às cidades de Lisboa, Coimbra e Porto. (fim de citação).

A Gazeta da Figueira - para lá de outros documentos referenciados no Arquivo Municipal da Figueira da Foz, faz alusão no dia 23 de Junho de 1890 à Estudantina Figueirense, tuna criada por estudantes oriundos da Figueira e que radicados nas cidades universitárias de então, decidiram fundar esta com o intuito de animar os Verões quentes da sua cidade, sendo que a Tuna Compostelhana apadrinhou então esta Tuna numa visita à Figueira, de acordo com o site da Imperial Neptuna da Figueira da Foz.

Referenciar ainda e na I República, bem como no Estado Novo essencialmente, a enorme proliferação de tunas nos Liceus Nacionais espalhados pela nossa geografia, se bem que compostas não por universitários mas sim por liceais, à imagem e semelhança das tunas universitárias de então e antes.


Para lá de outros textos exemplificativos que existem, estes mostram de forma clara que a Tuna é um fenóneno secular, embora mais recente em Portugal do que em Espanha. Fica claro também que há dois períodos distintos na História tunante nacional, aquela que chamei de Surgimento, composto por períodos mais ou menos obscuros de actividade tunante e a que refiro depois como Ressurgimento, de que passo a referir algumas passagens de outros tantos textos:

"Em meados de 80 (Séc. XX) os orfeonistas que interpretavam os "Amores de Estudante" no fim dos saraus do OUP, retomam, sob a inspiração de Tozé Vasconcelos e José Frias, que viria a ser Magister, a Tuna Universitária do Porto. Em 1987 desloca-se a Burgos, Espanha, tendo conquistado o prémio de Tuna Mais Original. Coincidindo com as comemorações dos 75 anos do OUP realiza-se o I FITU, Festival Internacional de Tunas Universitárias "Cidade do Porto". Estes dois acontecimentos são responsáveis pela explosão de tunas e festivais que entretanto se verificou no nosso país. É composto o tema "Ondas do Douro" e a Tuna, sob a direcção de Eduardo Coelho, grava em 1991 o LP "Acordes, Harpejos... Tainadas e Beijos".

"A Tuna Académica da UTAD é uma Tuna mista que surgiu em Maio de 1983, quando alguns jovens alunos desta Universidade (na altura ainda Instituto Politécnico) se reuniram, tendo em comum o gosto pela música e pelo convívio.Desde logo se optou por um reportório de música popular, essencialmente Transmontano, que provinha do Cancioneiro do Rio d'Onor, característica ainda hoje marcante nesta Tuna. A recolha era feita pelos próprios elementos que, para tal, se deslocavam ás aldeias dos vários Concelhos Transmontanos e pediam às pessoas mais idosas que lhes cantassem as musicas da sua terra. Exemplo disso é a famigerada música "Mulher Gorda", que foi recolhida na zona de Alijó. Neste reportório contam-se ainda músicas recolhidas na zona de Miranda do Douro, cantadas em dialecto Mirandês, e ainda músicas típicas da região do Douro. Numa fase posterior começou a conjugar-se as músicas populares com letras de cariz universitário (leia-se, académico), uma vez que o Ambiente Académico começava a fervilhar nesta cidade. Esta mistura do popular e académico resulta numa perfeita simbiose, ainda aliada à cultura, na qual consiste a riqueza desta Tuna.Para além da música (e dos copos), o traje é também vincadamente transmontano, já que é inspirado no traje de gala mirandês. " (in Site da Tuna Académica da UTAD )

"Nasce a 7 de Novembro de 1988. O Rio Douro, os barcos rabelos, os monumentos, as ruas, o ressurgir das Tradições Académicas, fazem com que a Urbe reconheça o seu peso histórico, Berço ideal para que, inspirados pelo romantismo e beleza da Cidade Invicta, se concretize um velho sonho: a Tuna de Engenharia da Universidade do Porto." (in Site da Tuna de Engenharia da Universidade do Porto)

"Corria o ano de 1984 quando a 15 iluminados, entre copos e pevides, ocorreu a lembradura de recuperar o espírito da “velha” Estudantina Académica de Coimbra no seio da Secção de Fado. Foi assim que uns tempos antes do que viria a ser um grande sucesso no Sarau da Queima das Fitas de 1985, subiu ao palco pela primeira vez, em terras de Póvoa do Lanhoso a Estudantina Universitária de Coimbra da Secção de Fado da A.A.C., o primeiro grupo do género a ressurgir em Portugal. " (in Site da Secção de Fado da A.A.Coimbra)

"A Tuna da Universidade Internacional foi fundada em Dezembro de 1988 com a intenção de fomentar a amizade entre colegas de cursos e anos diferentes..." (in Site da Tuna da Universidade Internacional).

Em Lisboa há relatos sobre Tunas no ex-Instituto Superior de Educação Física de Lisboa e actual Faculdade de Motricidade Humana da Universidade Técnica de Lisboa, nomeadamente em Abril de 1986 com a Fundação da Tuna do ISEF (mista, não trajava, mas coreografava o uso das pandeiretas), coordenada por António Jacques e Maria João Gomes, que contou com a participação de pelo menos um ex-tuno da Tuna Académica do Liceu de Évora. Em Abril de 1988 ocorre o Festival de Tunas de Cascais, pela Tuna do ISEF, com a participação de uma tuna espanhola (não se sabe se de mais alguma). Em 1989 dá-se Extinção da Tuna do ISEF e nesse mesmo ano dá-se a Fundação da Tuna Maria com elementos da Tuna do ISEF (feminina, trajava de castanho, com capa), de acordo com informações recolhidas no Portal Portugaltunas.


Conclusões pacíficas a reter desde já; Estamos perante as 4 tunas mais antigas de Portugal, todas elas anteriores à década de 90 do Século passado; Todas elas eram, então, mistas, excepto a Estudantina Universitária de Coimbra, umas assentes num prisma popular, outras num prisma menos popular ou, se quisermos, mais influenciado pelo fenómeno tunante espanhol.

Aqui termina a 1ª fase do Ressurgimento Tunante, sendo que, em meados dos anos Noventa do Século XX, dá-se aquilo a que se chamou de "boom tunante" em Portugal, começando a 2ª fase do Ressurgimento Tunante português, com a fundação de inúmeras Tunas, reformulação da natureza de outras já existentes (de mistas a compostas exclusivamente por um só sexo) e à fundação de raíz de Tunas Femininas e Mistas, um pouco por todo o país. Nesse fim de década de Oitenta, início de Noventa, torna-se clara a existência de duas "vias", duas "linhas" musicais, uma dita "à Porto", influenciada claramente pela postura das tunas espanholas e que a Tuna Universitária do Porto adopta, nomeadamente na postura dos pandeiretas, o "tocar de pé" abanando as suas filas, o Estandarte ondulante e, claro, na musicalidade, aliás, como sempre aconteceu ao longo da história do O.U.P e da Tuna Universitária/Académica/do Orfeão Universitário do Porto, conforme se pode facilmente constatar.
Esta forma de tunar foi claramente "seguida" e adoptada pelas Tunas da Academia que se iam, entretanto, fundando no Porto a um ritmo alucinante.

A 2ª linha é a dita linha "Coimbrã", mais popular portuguesa pela adopção de instrumentos populares portugueses - onde o bombo foi imagem de marca - e não adopção de alguns iténs importados da tuna espanhola, linha essa que influencía claramente as restantes tunas nacionais, no seu começo, exceptuando Porto e Braga, esta última com uma linha musical também ela própria, então, distinta da sonoridade "à Porto" e claramente distinta da sonoridade "Coimbrã". Na componente lírica dos temas de então, eram normais as alusões à vida estudantil quer no Porto quer em Coimbra, bem como as Serenatas e a sua lírica própria, com particular destaque para Coimbra. Por "sofrer"influência espanhola, no Porto a adaptação de temas foi mais preemente, já em Coimbra o original ou tema popular assumiu primazia.

De forma clara e por tudo o atrás escrito, resulta claro que, no Ressurgimento do fenómeno Tunante nacional, quem assumiu papel de destaque pelo sucessão de acontecimentos - e não se pode esquecer o peso das respectivas Academias, em pleno fervôr do restaurar de Tradições Académicas e da Praxe - foram as Academias de Coimbra e Porto, pelas mãos da Estudantina Universitária de Coimbra e Tuna Universitária do Porto, ambas com uma estrutura interna organizativa clara. Em Lisboa, a Tuna da Universidade Internacional marca o pioneirismo da Tuna enquanto fenómeno organizado e devidamente estruturado, agregador e Tradicional, antes de qualquer outra. Marca comum a todas elas e de enorme relevo, são Tunas que surgem fundadas no Academismo e na Praxe, então, e não grupos surgidos por outras motivações.

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