A Aventura da Douta Assembleia dos Capelos

Deixo em tom saudosista mas acima de tudo, profilático, este excerto que se pode encontrar no fantástico site "Porto Académico" - com ligação a partir do "Aventuras".

Deliciem-se.....

"Estoicamente enfrentámos a realidade e resolvemos fundar uma «República». Descobrimos um estupendo colaborador na pessoa do Sr. João Loureiro, galego de origem, dono duma casa de comidas e bebidas num rés-do-chão, na Rua de S. João Novo, em frente do velho Tribunal. Fundou-se assim a «Douta Assembleia dos Capelos», que se manteve durante uns três anos, regida por «Constituição» própria a que todos deviam cega obediência. Os iniciados admitidos eram sujeitos a duras provas.

À volta da «Douta» girava toda a vida académica do Bairro: ruas das Taipas, do Calvário, S. Miguel e Belomonte. A população associava-se às nossas festas, principalmente quando um de nós era feliz no exame feito ou da parvónia chegava, dos pátrios lares, pitéu de respeito. Cada grande festa era seguida de baile. Tudo tinha entrada – pax intrantibus – principalmente as raparigas. E quando a casa não chegava, bailava-se na rua. Lembro-me, duma vez, que entre elas estava a filha do regedor da freguesia que morria de amores por um «douto». De súbito, – no auge da festa, entra o regedor com ar imponente e autoritário e prega uma bofetada na filha.

E enquanto a rapariga, em altos gritos dizia: – «Bata, meu pai, que o amor batidinho é quanto sabe melhor», – armou-se tal zaragata que alvoroçou todo o bairro. Entram na liça alguns «futricas» despeitados, ouvem-se apitos e a polícia dificilmente conseguiu serenar os ânimos. Tudo dispersou, mas pouco depois, um polícia, o «111», quando alguns de nós pretendiam fazer uma serenata ante a casa do regedor, prendeu-nos a todos. Obedientes, lá fomos parar à esquadra da Bolsa. O chefe, uma excelente criatura, deu-nos minutos depois a liberdade. Protestámos. Só a aceitávamos e estávamos decididos a não abandonar a esquadra, mesmo à força, a não ser que o «111» nos pedisse desculpa.

O chefe estava um tanto embaraçado, tanto mais que se estavam juntando, em frente da esquadra, bastantes populares.
O «111», ante a feição que os acontecimentos estavam tomando, pediu-nos desculpa. O chefe fez que não percebeu e deu-nos as boas-noites e conselhos. Alguns dias depois, o «111» foi convidado de honra da «Douta». Comeu-se e bebeu-se bem e a alegria reinou. O «111» apresentou-se à paisana, ficou nosso amigo sincero e pediu que o não metessem em sarilhos quando estivesse de giro no bairro, porque «ordes» são «ordes» para se cumprirem.

A «Douta» também era considerada entre a Academia. A ela pertenciam, em determinado ano, o presidente da Associação dos Estudantes, o director do jornal académico do tempo e um dos dirigentes da Tuna. Por outro lado, a «Douta» sempre se associava a qualquer iniciativa popular das gentes do bairro, nas comissões para as festas do S. João, festas de caridade para socorrer um necessitado ou qualquer outra iniciativa. Por todos era olhado com respeito aquele «grupo de almas gémeas e irmãs», ao qual o primeiro «douto» que dela saiu, o António Fernandes, de Vinhais, ofereceu a sua tese de doutoramento e os seus actos de altruísmo e humanidade muito nos honravam e desvaneciam.

Fiel a estes sentimentos estava no pensamento de todos socorrer os infelizes e infelizes eram os inofensivos animais que a empresa do Palácio de Cristal mantinha em jaulas no seu jardim, para gáudio da pequenada e admiração dos basbaques: uns vinte ou trinta macacos, um porco bravo e dois faisões.

Chegou o momento de actuar. Reuniu-se no restaurante do Palácio um V ano médico, em festa de confraternização e despedida. A «Douta» foi convidada para a festa. O jantar terminou já noite adiantada. Os da «Douta» resolveram discretamente abrir as jaulas dos animais. Estes preferiram, de momento, o sono à liberdade. Porém, de manhã, havia grande alvoroço para os lados do Palácio. Os macacos eram por toda a parte, o povo ria às gargalhadas com as momices dos libertados, vieram os bombeiros e o caso até foi falado nos jornais. O javali mais uma vez provou a pouca inteligência com que são tidos os da sua raça. Não tinha saído da toca. Os faisões, porém, um prateado e outro dourado, nunca mais foram encontrados. Foram libertados de vez do seu martirizante cativeiro.

O espírito de amizade e solidariedade que existia na D. A. C. acompanhou-nos pela vida fora. Alguns já lá vão e o primeiro a partir foi o mais jovem de todos, o João Ribeiro. Enterre-se o passado com piedade e demos à saudade o que é do tempo, como disse o grande Antero." (fim de citação)

Comentários

J.Pierre Silva disse…
Uma delícia!
Obrigado por abrires o teu baú de preciosidades!