A Aventura da rivalidade tunante

Surge a propósito de uma reflexão de um amigo esta aventura.

A rivalidade tunante é algo que é curiosamente composta por factores de vária índole, desde a corporativista, passando pela da representatividade, percorrendo alguma mitologia, roçando alguma "filosofia clubística" e terminando até na própria natureza humana. É quase intrínseco ao ser humano enquanto tal a ideia, a noção de competitividade, que porventura estará intimamente ligada à da rivalidade, embora sejam noções distintas.

Qualquer dicionário afirma que o termo rivalidade tem como sinónimo termos como sendo ciúme, competição. O que a prática nos mostra impiricamente é que será a rivalidade, quando levada de forma saudável, ela mesma um motor, um catalizador de desenvolvimento, de crescimento, de competitividade, logo, de superação geral. Será esta a análise mais ou menos pacífica e que resulta da própria condição humana ao longo dos tempos, parece-me claro.

Acontece é que numa Tradição como a Tunante, os valores de competição só surgem quando a competição surge efectivamente pois de outra maneira não haveria forma de medir, de quantificar entre aspas, essa mesma competitividade. Dou exemplos concretos: Seguramente que haveria rivalidade noutras eras onde Tunas existiam meia dúzia e certames não existiam sequer, por exemplo, em Espanha, que só após a Guerra Civil viu o fenómeno certame competitivo surgir,sendo que muito antes já existiam Tunas. Daqui se concluí que não será a rivalidade per si nefasta mas antes porventura a forma de medição encontrada e da maneira como é entendida - má quanto a mim - a competição que sempre se quis saudável, havendo antes dela uma premissa que é de sempre na Tuna em sentido lato: a partilha, o intercâmbio, a troca de dados culturais, musicais, académicos, estudantis, etc, a expansão de uma cultura enfim.

Por outro lado, a noção de rivalidade em Tunas pode até não surgir por força da competição musical ou outra mas antes por várias razões e de vária ordem. Não me parece absolutamente claro que a figura do certame seja ela só em exclusivo o combustivel da rivalidade até porque o certame não serve - queira-se ou não, não serve - para aferir de facto qual é a melhor tuna ou a 4ª melhor e por aí fora, quanto muito servirá pontual e circunstancialmente para premiar o trabalho e atitude (esta ultima avaliação anda arredada da noção de certame de facto...) de cada interveniente, sendo que no dia seguinte as coisas poderão ter outro desfecho, naturalmente. Mais adianto, se servisse o certame somente para aferir quem é a melhor tuna então qual é o resultado prático dessa medição? A onde leva a mesma? Que conclusão se poderia retirar? Mais ainda, como medir somente isso quando num dado certame as tunas são a X, Y, H e J e no seguinte já são outras quatro diferentes?

Ou seja, a competição em Tunas não serve para medir rigorosamente nada quanto á natureza da lógica Tunante, ou seja, muitas vezes a melhor tuna de um certame X não é seguramente aquela que encerrou em si e de forma natural e objectiva a postura tradicional de Tuna conforme manda a Santa Tradição. O que acontece é que se tomou a Nuvem Por Juno e transformou-se a competição tunante no seu maior expoente - erradamente a meu ver - em detrimento de outros valores e manifestações tão ou mais importantes que o certame, este é só uma das formas das tunas se manifestarem no âmbito da sua cultura muito própria, nada mais que isso. E enquanto não se perceber isso, a competição não passa disso mesmo e por se suceder a si mesma na sua importância altamente inflacionada, não trará nada de novo ao fenómeno. Afinal, após um certame competitivo de Tunas o que resulta é e para a esmagadora maioria das pessoas que assistiram ao mesmo, uma noite de música, alegria, Tradição (quando há Tradição).

Concluí-se assim que a noção de competição tunante associada à rivalidade apenas serve ás intervenientes hipotéticas na contenda, ou seja, a meia dúzia e não aos destinatários do evento que se estão na sua maioria "nas tintas" para quem ganhou ou perdeu seja o que seja, vamos ser objectivamente claros. Concluí-se daqui igualmente que a tradição tunante só pode queixar-se dos seus intervenientes quando estes procuram todos os meios possiveis para alcançar um fim particular, não observando a lógica nuclear do interesse do certame de tunas. Bem sabemos que de tudo há um pouco. Mas também todos sabemos - e se pusermos as mãos na consciência - que os festivais em Portugal se alimentam autofagicamente de si mesmos quando deveriam alimentar a Tradição secular antes de tudo e de qualquer coisa. Daí a emergência de apartar dos eventos exclusivamente Tunantes tudo aquilo que de Tuna nada tem.

Neste cenário poderão alguns alegar que num meio repleto de Tunas serve o certame competitivo para distinguir Tunas de outras, ideia que por si só é ela completamente anti Tradição tunante desde logo. Se for alegado que serve o certame competitivo para de forma saudável distinguir o trabalho que cada Tuna tem ou não tem fora e dentro de palco, aí as coisas parecem-me mais interessantes. Em suma, competição sim mas a todo o custo não e muito menos a custo da própria Tradição como ainda se vai vendo amiúde aqui e ali.

A rivalidade entre Tunas à custa do certame só pode ser importante por quem se alimenta exclusivamente da mesma competição à falta de outras importantes características de ADN que toda e qualquer Tuna deveria ter; concluí-se então que quem observa rivalidades entre Tunas por força dos certames competitivos de Tuna pouco ou nada terá. Pior que isso, esquece-se na rivalidade à custa dos certames do destinatário, o público em geral. Recolocar o certame na sua esfera restrita da Tradição Tunante será a prazo médio um imperativo para aqueles que defendem de facto - não só em palavras mas em actos - a Tradição Tunante.

A rivalidade entre Tunas é tão natural - por outro lado - como a rivalidade noutros âmbitos. Será porventura a observação dessa rivalidade de forma natural e saudável que falta cultivar por contraponto à rivalidade "festivaleira" que manifestamente servirá apenas para polir os egos de alguns dos intervenientes, não passando disso mesmo. Isso só será visivel no futuro e de forma clara, não me atrevendo a ser visionário sequer.

Por outro prisma, a rivalidade entre tunas muitas vezes nem sequer é apercebida ou assumida claramente pelas mesmas, ou seja, uma dada Tuna vê naquela X uma rival e às tantas essa tuna X está nos antípodas dessa noção de rivalidade, outras vezes nem sequer se apercebe disso ou então nem sequer está interessada em alimentar algo que para ela não lhe merece qualquer tempo de antena. Ou seja, muitas alimentam uma rivalidade unilateral que apenas existe na cabeça dos mesmos - e aqui entram outros factores de outra ordem, até psicológico e social. Há rivalidades que mais não são do que espelhos para onde os rivalizantes se olham, mostrando porventura uma postura - ou falta dela - procurando no sucesso de terceiros a explicação para os seus próprios insucessos - e não falo de certames sequer, note-se claramente - coisa que no mínimo não é sequer inteligente e para não ir mais longe.

Em conclusão, a rivalidade por si só não é prejudicial, desde que observada com maturidade, elevação e de forma saudável, com panache e cavalheirismo próprios de um Tuno e de uma Tuna digna desse epiteto. Mais adianto, a rivalidade entre Tunas mais não deverá ser - curiosamente - do que um hino à competência da rival ("quem desdenha...").

Daí prá frente é coisa de mulher ciumenta e despeitada que liga ao marido que vai a conduzir e pergunta-lhe "quem é essa brasileira que vai contigo aí no carro a mandar-te virar na próxima intercepção à esquerda a 200 metros, humm???"....

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