A Aventura Introspectiva

Isidoro Vila Soler publicou em 1994 um estudo antropológico sobre a Tuna - debruçando-se mais especificamente sobre a Tuna de Direito de Alicante nas suas componentes actividades, relações de poder, relações externas, costumes, traje, etc - onde termina o mesmo documento com uma conclusão deveras importante e que mantem toda a sua actualidade e pertinência, mais para mais no actual contexto em que a Tuna é encarada pela maioria dos seus pretensos difusores. Passo a transcrever numa tradução livre:


" São Tunos, o que quer dizer muito mais do que pertencer. Esta é uma das características que diferencia a Tuna de qualquer outro agrupamento estudantil ou não. Neste últimos, pertence-se ou está-se. Na Tuna não se está e não se pertence (os Tunos nunca falam desta maneira); É-se (está-se na esfera da própria personalidade)." (fim de citação).


Parece evidente que esta conclusão se prende intrinsecamente com a forma e vivência da Tuna espanhola desde sempre, onde a picaresca tunante, o viver a Tuna é base, aliçerce, consistência e consciência sociocultural da função primária da Tuna enquanto tal. Foi aliás esta premissa que foi "importada" aquando do ressurgimento tunante dos anos 90 do Século passado em Portugal que aliou à mesma a vertente de representatividade praxistica de cada casa de Altos Estudos Universitários, algo que acontecendo em Espanha é bem menos patente ainda hoje no relacionamento intra-tunas - a Tuna espanhola por via de regra não valoriza tanto a representatividade da sua escola específica como acontece do lado de cá da fronteira - sendo que a Tuna espanhola sempre se viu mais como agrupamento de vivências internas do próprio grupo, mormente orgulhar-se e representar a sua faculdade, universidade ou cidade. Acresce a esta noção o simples facto de que muitas vezes as Tunas espanholas se apresentarem com elementos de outras Tunas - por força de uma noção Tuno versus Tuna - e que deriva de um amplo reportório comum que obviamente facilita essa noção, para lá da forma de estar transversal de cada Tuno espanhol ser regra geral similar e bem menos tribal que a noção que por cá sempre correu e corre.

Esta noção "importada" então pelas Tunas portuguesas - entre muitas outras "importações" de costumes e usos espanhoís que então fizemos, como o tocar de pé, o balançar da Tuna, o baile de pandeiretas e estandarte, entre outros - foi decaíndo ao longo dos tempos, dando lugar a outras premissas cada vez mais afastadas da tradicional noção que nos indica "É-se Tuno" por oposição ao "Estar-se" ou "Pertencer-se" à Tuna. Ou seja, a Tuna portuguesa procurou o seu caminho baseada numa noção deveras caricata que aproveitou o que de melhor a Tuna espanhola poderia oferecer em cima do palco e descartou o que de melhor a Tuna espanhola legou, a sua própria noção de Tuno, numa clivagem que poderá apresentar inúmeras causas mas sobretudo hoje apresenta deste lado muitas mais - graves - consequências.

A Tuna portuguesa abandonando paulatinamente a noção de "Ser-se Tuno" e dando primazia aos outros dois factores catalizadores do ressurgimento tunante - a representatividade abandeirada da sua casa e o cruzamento com a Praxe Académica - acabou por deixar cair o mais importante aliçerce de todos os factores culturalmente identificativos e de distinção entre uma Tuna e um grupo de estudantes universitários vestidos de igual forma e que tocam instrumentos.

É esse "apagar" introspectivo por parte da esmagadora maioria dos que militam nas Tunas nacionais que catalizou e cataliza as rivalidades competitivas, as guerras entre casas, as disputas e a malidicência, ou seja, é esse desconhecimento total da verdadeira essência Tunante que potencia as restantes visões do "estar" e "pertencer" a uma Tuna como se de uma qualquer associação entre individuos de tratasse, quando a Tuna não está de todo nessas esferas como sendo condições primeiras e basilares da sua existência. Neste aspecto continuamos por cá a anos-luz da postura do Tuno espanhol que herda sucessivamente a noção de "Ser" Tuno das gerações anteriores como sendo a mais importante, indispensável e basilar condição para se exercer o Negro Magistério.

É essa falta introspectiva e desvio sociocultural em que a Tuna portuguesa caíu provavelmente a sua mais importante lacuna, com falsas noções e desvios sistemáticos que, em separado ou conjugados, fazem do fenómeno tunante português actualmente uma autêntica "Caixa de Pandora" onde raramente se sabe o que, depois de aberta, de lá sairá.

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