A Aventura da Cooperação

Algo que desde há muito me "intriga" - ou não -
é a noção perfeitamente "bélica" que assola desde o (re)surgimento tunante de finais dos anos 80, inícios dos de 90 do Século passado, o relacionamento inter-tunas nacionais. Curiosamente, alicerçado nessa época então pelo fenómeno do ressurgimento da Praxe Académica, que alavancava com as Tunas essa tal noção "guerreira" derivada da procura de uma maior exposição de cada uma das casas de Altos Estudos Universitários existentes em cada cidade e/ou Academia (onde esta noção existe).

Sendo uma Tuna universitária um dos veículos transmissores de valores culturais únicos - como a praxe, de certa forma a etnografia local, a indumentária e por aí fora - a Tuna universitária em Portugal assumiu desde a sua génese supracitada um quase perfeito papel "musico/belicista", onde a mera representação se foi quedando para 2ºplano face à procura incessante de "melhor armamento musical" para "combater" o suposto "inimigo", necessáriamente e no contexto, as outras Tunas universitárias. Mais "estranho" este belicismo se torna quando é a música - ela por si só uma Arte - a "arma" preferencial utilizada, o que é e no mínimo um paradoxo, para o qual contribuiu - e esse é o pior préstimo do certame competitivo tal como foi e é assumido hoje - ao fenómeno Tunante em geral. Se a mera representação de - e com - um determinado Estandarte bastaria, passou-se e desde a infância tunante a utilizar a Arte que reproduz a Tuna - entre outras - chamada música como sendo uma "arma de arremesso". Aos dias que correm, já nem a música basta para tal arremesso bélico, pois até se utilizam upgrades acessórios de vária ordem para se fazer valer os "direitos" do "Sacro-Santo Império" que é a Tuna XPTO. Antes era com pedras, hoje é com pedras, fisgas, catapultas e/ou com o que mais jeito der ou mais jeito tivermos para. Como dizia o outro "eu não sei com esta escalada com que armas será feita a 3ª Guerra Mundial: mas a 4ª Guerra Mundial será feita seguramente com pedras e paus..."

Cada "derrota" no "campo de batalha" deleita o "opositor", que fica contente por ver o adversário a "lamber as feridas" sendo que na próxima vez, não só troca ou muda o vencedor da refrega como, pior, acaba-se com toda esta lógica por subsidiar o "espírito guerreiro" e não o que realmente importa. Dos consagrados Estandartes que de vitória em vitória passam ao menosprezo e desprezo que culminará na humilhação até, passando pelos Estandarte de moda, que deslumbrados com as vitórias se esquecem que a moda passa, terminando nos Neo-Estandartes que de vitória em vitória à mínima derrota logo se lembram de introduzir "novel armamento" que permita uma espécie de "vantagem estratégica", de tudo um pouco existe. Em suma, uma lógica Iraquiana com laivos Norte-Coreanos e uma ou outra pincelada de HighTeck pelo meio. Uns mais, outros menos mas a verdade é que todos subconsciente ou mesmo conscientemente subsidiamos esta "lógica belicista".

Ora, todo este cenário permite aferir o óbvio: a mais que conhecida falta de cooperação intra-tunas quer para o essencial do fenómeno, quer para situações particulares. Bem sabemos até que por exemplo, as figuras tradicionais do irmanamento e apadrinhamento entre Tunas nem sequer são por sí só garante de cooperação efectiva inter-tunas, que fará na esmagadora maioria dos casos. Curioso é assistir-se a uma sempre simpática deferência face às restantes precisamente quando estas estão no evento que se organiza; aqui sim, todas as presentes são "aliados" mesmo que ocasionais de algo que, francamente, nunca consegui descortinar. É que passada uma semana, a verdade de ontem passa a ser a mentira de amanhã, o que apenas é mais lenha para a fogueira beliscista em questão. Em suma, desde os tempos do Congresso de Viena de 1815 que não se via tanto granel diplomático como aquele a que se assiste nas Tunas nacionais, vamos convir.

Aliás, seria interessante importar-se uma série de conceitos da Diplomacia para o seio das Tunas portuguesas, a começar desde logo por estes:

1º) princípio da não-agressão;
2º) princípio da solução pacífica de controvérsias;
3º) princípio da coexistência pacífica;
4º) princípio da boa fé;
5º) princípio da obrigação de reparar o dano;
) Pacta Sunt Servanda (os acordos devem ser cumpridos);


Dou especial relevo às noções acima, o que permitiria desde logo com que a filosofia beliscista com que os certames são assumidos grosso modo se transfigurasse totalmente. Obviamente que o papel do promotor dos eventos competitivos tem um papel fulcral para a manutenção dos princípios acima anunciados, quase diria de senso comum até. Mas aquilo a que assiste em 99% dos casos é ao proporcionar de um local e hora para o início das "hostilidades" e lava-se as mãos como Pilatos quanto às consequências do que - mal - é feito com meia dúzia de barris de cerveja e a sempre caricata frase "o que interessa é participar", nem que isso signifique andar tudo à chapada. Um certame competitivo é um relacionamento inter-tunas com regras; ora, aplicando-se as regras acima seria bem mais cooperativo, justo, claro e objectivo. Se as Tunas acordam participar, se as Tunas concordam com as regras em questão, então lógico é que os acordos devam ser cumpridos (e não como se já se viu, incumpridos e por tal, com consequências falsas.)

Se por outro lado, quem promove eventos tivesse na sua realização a noção de cooperação, incutindo valores como os supracitados desde logo, provavelmente a noção de certame competititivo seria quase por si só um acto de cooperação entre todos os intervenientes no processo. Mas não, de "refrega" em "refrega" apenas mudam os Estandartes - salvo excepções perfeitamente identificadas e identificáveis. Pior que tudo isto é que quando alguém reclama com obvia razão - e na lógica dos pressupostos acima - é tido como "ressabiado" ou outros "mimos", o que obviamente deita por terra qualquer cooperação possivel e imaginária. Porque razão as Tunas nacionais não encaram o certame baixo os principios acima, por exemplo? Qual o medo por parte das promotoras dos eventos em por exemplo, reparar o dano? ( à Atenção dos clássicos regulamentos de certames, p.ex. e quanto a este ponto em concreto * ). Qual o problema em se promover a solução pacifica de questões preementes? O problema é apenas um: Porque não se quer, dá demasiado trabalho, "o que interessa é participar".

Sem dúvida que participar é por si só um acto cooperativo. Mas não chega. Aqui a cooperação é intra-tuna e/ou com a tuna organizadora; passe o empréstimo do contrabaixo ou do bandolim, cooperar com as restantes está fora de questão, absurdamente fora de questão.

Se pelo exemplo do certame competitivo temos este cenário facilmente se perceberá o rol de maus entendidos, razões objectivas de contestação, injustiças clamorosas e por aí fora existentes. Pior será quando - e numa simples expressão tunante que é o certame - se vê em grande panorâmica e se tenta transpor alguns valores inexistentes para um prisma mais global, mais corporativo, mais representativo de uma cultura única, num patamar superior. Se na montra a cooperação é inexistente, no armazém a coisa é seguramente pior.

Somos hoje resultado do que ontem fomos. Assumo a minha ínfima parte de responsabilidade, certamente. Talvez por isso hoje veja as coisas de outra forma. Talvez por isso a cooperação tunante seja cada vez mais importante e a prazo - com pouca gente a entrar para as Tunas hoje em dia - será a cooperação um factor decisivo, fulcral, basilar.


* Post Scriptum - Experimente-se o seguinte exercício: Se ao invés de se entregar os prémios imediatamente após a actuação da tuna anfitriã se entregasse os prémios no almoço do dia seguinte, regra geral , Domingo, em local aprazivel? Se repararem, matavam-se vários coelhos de uma cajadada só....

Comentários

J.Pierre Silva disse…
Tudo isto resulta numa conclusão a que já chegámos há algum tempo: a necessidade de uma plataforma comum de debate, partilha e criadora de estratégias e compromissos mútuos.
Embora num país pequeno, parece que vivemos, quase todos, distantes anos-luz uns dos outros, a que acresce uma surdez, ou por vezes um certo autismo, umbilical.

O tempo tudo trará, penso eu, quando mais uns quantos passarem a fronteira da maturidade tunante e começarem a pensar mais com a cabeça do que com os fígados.

O problema da formação, da passagem de testemunho, do legado continua a ser, a meu ver, o calcanhar de Aquiles da comunidade
tunante, e todos nós, os mais velhos, temos de bater no peito (uns mais que outros,obviamente).

Abreijo
Boas, Ilustre!

Eu já começo francamente a achar que a tal necessidade de uma plataforma comum de debate peca por insustentabilidade prática. Se cada um não tiver cuidados especiais e não adoptar boas práticas, diferentes, potenciadoras do bem comum, etc, não adianta de nada qualquer plataforma pois será o mesmo que construir uma casa pelo telhado e por tal, esquecendo os alicerces.

Fica o texto e a reflexão. Na certeza - infelizmente - de pouco ou nada servir....

Abraços!