A Aventura "Tunariana"

Novamente um termo novo: Tunariano, misto de Tuno com Ariano. Teorias de Darwinismo Social - que nada têm a ver com Darwin, note-se - procuraram justificar esta ideia.

Arthur de Gobeniau (1816-1882), no seu "Essai sur l'inégalité des races humaines" (Ensaio sobre a desigualdade das raças humanas) de 1853, supôs que a raça indo-européia seria a ancestral de todas as classes dominantes da Europa e da Ásia Ocidental, sobretudo da nobreza francesa da qual ele alegava ser descendente (este moço era esperto, carago!)

Este trabalho, também, aponta para uma análise retrospectiva e pessimista, apontando que o declínio da raça superior devia-se ao contexto democrático que evoluía. Essas idéias cativaram a simpatia em diversos ambientes cultos, sem que ninguém lha contestasse. Segundo cientistas actuais, esta superioridade da raça ariana foi comprovada que é falsa. Ela foi utilizada apenas para induzir a população alemã que realmente eles eram superiores e justificar suas medidas de extermínio.

Para quê este introíto? Nas Tunas nacionais ainda se vive em alguns quadrantes ditos "cultos" em pleno Século IX neste aspecto, há que o dizer frontalmente. Ainda encontramos adeptos de uma "Raça Tunante Ariana", o Tunariano, portanto, nos dias de hoje, uma espécie de Ku Klux Klan tunante mas agora vestidos de preto - o que na confusão cromática tunante nacional é deveras engraçado, deve-se realçar.

O Tunariano português advoga princípios que em nada ficam atrás das noções do Sr. Gobeniau: "superioridade natural", oriunda das mais "remotas castas tradicionais", de "genes limpos" e de "elevada concepção moral", com "capacidades inatas" acima de qualquer outra "raça" existente. Seria lindo se não fosse - para lá de ridículo - um imenso exercíco de idiotice pegada, já para não falar de um claro complexo de inferioridade não assumido que não se percebe, de todo.

O Tunariano português é alto, loiro e de olhos azuis - meninas, calma, vá ... - toma banho todos os dias, lê Proust - "A ambição embriaga mais do que a glória" - e Kierkgaard - desenvolvendo assim o conflito entre o homem estético e o homem ético - nas viagens de autocarro para os espectáculos, toca piano e sabe falar Francês. Um primado, em suma, do Tunarianismo nacional. Um Deus ex Machina das Tunas nacionais, portanto.

Não aceita como hipótese sequer uma corda desafinada, uma voz rouca derivada da fria noite, um reparo sequer à sua condição magnânime de Tunariano, numa moral acima de todas as outras, incapaz por tal de sequer ser colocado à consignação dos reles mortais tunantes a hipótese de com eles ser misturado até, que fará parecido. Porque igual é que não se acha.

É conversa " à Constantino", ou seja, a fama que vem de longe. Estão a ir e já nós os comuns Tunantes estamos a chegar. Desde o dealbar do recomeço da Tradição Tunante nacional que se escuta e vê os Tunarianos, de archote em riste, a querer queimar tudo o que é "raça tunante inferior" e das mais diversas formas. Acabam com tanta mistificação e altivez por ser sim e antes a chacota tunante nacional. São a anedota in vivo a cada passo que vão dando em falso - coisa que não se apercebem como bons Tunarianos que são. Pior, deixaram no passado um legado a actuais gerações de Tunarianos que mais não são que uma pálida fotocópia do original e, por tal, herdam apenas o que de mau havia na herança, não acrescentando nada de bom actualmente, ou seja, muita "cagança" e nenhuma "pujança". É definitivamente um sério caso de saúde pública tunante que apenas penaliza - vá lá - os doentes.

No meio desta imbecilidade toda, temos coisas curiosas. Se bem se recordam Hitler não era propriamente o primado da raça Ariana. Se bem se recordam os nazis chegaram ao poder na Alemanha de 1933 por via democrática. Exemplos que servem como uma luva para atestar a "moralidade " destes "Tunarianos" que não se misturando com os comuns mortais mantêm actividade no seio deles. Ou seja, não se misturam misturando, aliás, um mal cada vez mais generalizado no fenómeno tunante português, o chamado popularmente "uma no cravo outra na ferradura", estar bem com o Diabo e Deus ao mesmo tempo. Sem dúvida, uma prática dúbia que atesta sobremaneira o tipo de "raça" de que estamos a falar. Bem sei que não se pode tomar o todo pela parte e que em alguns ambientes nem mesmo o seu seio é 100% preto ou 100% "tunariano". Mas no âmbito dos reais valores tunantes e estudantis, quer-me parecer - e sem qualquer laivo revolucionário - que o que sobressaí é o anormal, o que ressalta é o imbecil, o que deixa marca registada é a sobranceria inata.

Tunarianos há-os em todo o lado. Uns a uma escala e outros a outra. Seguramente que aqueles que deveriam assumir-se como o primado da igualdade na diversidade, como o exemplo a dar pela responsabilidade histórica, como a imagem clara e objectiva na defesa dos mais rigorosos preceitos estudantis e tunantes no caso muitas vezes dão o exemplo precisamente oposto, tentando de forma néscia ridicularizar o meio onde os mesmos vão não raras vezes comer e beber para saciar a sua pretensa "superioridade moral".

É uma lástima mas só para os próprios, que entre Proust e Kierkgaard vão polindo o seu ego com coisinhas futeís e insignificantes que em nada têm a ver com o Ser-se e Estar-se na Tuna. São os "Senhores da Guerra" que tão bem a Luz&Tuna recriou incomensuravelmente em palco. Quando de senhores nada têm - e com tudo para o ser - e muito menos embarca o mundo Tunante real e normal em tolices deste calibre que apenas se passam - felizmente - nas cabeças de alguns. D. Quixote de La Mancha combateu moínhos de vento. Os manicómios estão repletos de Napoleões. Os Tunarianos são essencialmente, parvinhos. Chavalada a precisar de umas palmadas à antiga Portuguesa, é o que é, mais para exemplo do que por importância....


Post Scriptum - Uma correcção pertinente apenas. O grupo do género mais antigo são os "Terra a Terra" (1977). Fica a reposição dos factos.

Comentários

Daniel Petrucci disse…
Este, é sem dúvida um dos post mais interessantes que já lá nos últimos tempos!

Parabéns, és sem dúvida, a palavra que gosto de ler, o conselho que gosto de ouvir.

Saudações
"Os manicómios estão repletos de Napoleões. Os Tunarianos são essencialmente, parvinhos. Chavalada a precisar de umas palmadas à antiga Portuguesa, é o que é, mais para exemplo do que por importância...."


Lindoooooooooooooo....

Na minha terra, substituiria “Chavalada” por “Canalha”… ou como tão bem Carlos do Carmo imortalizou:

“Parecem bandos de pardais à solta
Os putos, os putos.”
causa nobre disse…
É sem dúvida uma das mais brilhantes "contestações", à soberba evidenciada pelos mensageiros da tradição.
Quando a referência anda de pedestal às costas( ainda que essas costas sejam de quem não tem força para o segurar), é revelador do que se alimenta esta referência:
Do passado brilhante, dos êxitos de meia dúzia e não de 170 e da inovação(pelos vistos a tradição absolveu o pecado dos metais e dos estrangeirismos).
Que saudades referência.
Cumprimentos