A Aventura do Esclarecimento Histórico

A ver se nos entendemos todos de forma definitiva e por partes, como diria Jack The Ripper.

A Tuna em Portugal não teve até meados dos anos 80 inícios dos de 90 do Século XX - que corresponde ao famoso boom tunante português - um paralelismo quer com o fenómeno tunante essencialmente em Espanha mas também com o caso de estudo tunante da América Central e do Sul. São evoluções históricas todas elas distintas entre si e onde curiosamente - ou talvez não por força da proximidade cultural e historica - algumas semelhanças se cruzam entre o caso espanhol e o sul e central americano. Aliás, é notório historicamente constatar-se períodos de maior e/ou menor aproximação entre eles ao longo desse período tão "esquecido" do estudo tunante.

O fenómeno tunante português teve traços muito próprios na sua evolução (!?) ao longo dos ultimos 100 anos e até pelo menos ao boom tunante acima referido e mesmo durante e após a vigência do mesmo boom são apenas alguns os paralelismos encontrados entre o nosso caso e o espanhol, por exemplo. Se o fenómeno perfeitamente delimitado das Estudiantinas espanholas de finais do Século XIX, inícios do Século XX assumiu contornos para além do mundo estritamente universitário (caso prático flagrante da Estudiantina Figaro p.ex. e da sua importância histórica como disseminadora deste conceito na época por vários pontos do mundo ) extravazando o contexto universitário e onde a Tuna do Século de Ouro se desvanece fruto de reformas sociais e políticas ocorridas em Espanha, para lá das evoluções tecnológicas que deixaram de permitir que o Tuno pícaro percorresse a pé trajectos entre localidades universitárias, por exemplo, em troca do uso do então emergente caminho de ferro, no caso nacional o surgimento das Estudantinas teve também contornos localizados muito próprios e que em muitos casos extravazavam também elas as fronteiras estritamente universitárias, com a constância de estudantinas formadas por empregados de comércio local terminando nas de liceu, por exemplo, passando pelas de carácter meramente popular - e daí a diferença conceptual entre Estudantina e Tuna.

Ou seja, existe em Portugal um hiato temporal de quase vazio no que se refere à estudantina composta unicamente por universitários, com excepções devidamente registadas historicamente. Tal deriva igualmente de uma diferença de vulto entre o caso espanhol e o português ao longo dos primeiros 70 anos do Século XX: Espanha teve uma Guerra Civil (onde durante a mesma não existiu actividade Tunante) e um regime posterior que apoiou - a custo político e social como se constata no período Franquista e no advento da influência do Sindicato Espanhol Universitário na regulação da actividade Tunante; Portugal teve um período de Ditadura onde Salazar não permitiu o alimentar da associação entre os estudantes universitários, em contraponto ao caso Espanhol com Franco que o incentivou e usou como forma de propagandear a cultura espanhola.

Chegados à Democracia em ambos os países é natural que a "ponte" entre o final do Século XIX inicio do de XX e a Democracia dos anos 70 exista no caso espanhol e no caso português seja uma imensa "branca" - salvo pontuais casos sobrando dedos de uma mão para a sua contabilidade. Ou seja, há no caso espanhol uma continuidade histórica e evolução desde o Século de Ouro, das Bigornias de estudantes pícaros que percorriam cidades mostrando as suas habilidades (não se falando de Tuna mas antes e sim de Tuno) até aos dias de hoje. No caso português não se processou essa evolução, sendo o mesmo uma manta de retalhos histórica onde aqui e ali se estabelecem paralelismos, troca de experiências, visitas mútuas, influências, etc, aproximando-se e distanciando-se conforme o andar da máquina do tempo em cada lado da fronteira.

Daí que verdadeiramente apenas se poderá falar de Tuna universitária em Portugal reportando-se apenas ao período do boom tunante, podendo-se contudo observar mais atrás (1880 até inícios do Século XX) casos pontuais e isolados de agrupamentos apenas compostos por estudantes universitários e no contexto muito próprio da estudantina de finais do Século XIX, inícios do de XX. A Tuna em Espanha resgata o conceito pícaro do Tuno anterior ao advento das Estudiantinas precisamente para se distanciar destas ultimas e para vincar o "correr a Tuna" estritamente no seio universitário; se quiserem algo paralelo ocorreu com o nosso "boom" sendo que no nosso caso temos um hiato temporal e em tempos distintos (no caso espanhol mais cedo 70 anos).

Este esclarecimento histórico tem como principal razão o desmistificar de muito do que se possa pensar, alvitrar ou deduzir. A estudantina em Portugal é uma espécie de Rainha Isabel II que seguramente irá passar o trono de Inglaterra não ao filho mas ao neto mais velho, saltando por cima do Principe Carlos com olímpica - e justificada, note-se em rodapé... - galhardia. A Tuna portuguesa é pois "neta" da estudantina portuguesa de então que, não sendo a mesma coisa é da mesma família. Esta noção é absolutamente fulcral para 1º) se entender a história da Tuna portuguesa enquanto tal, 2º) para se perceber o que de facto é uma Tuna Universitária e 3º) para se esclarecer hoje - tal como ocorreu no advento das estudiantinas em Espanha na transição entre os Séculos XIX e XX- que alguns por cá são definitivamente mais parecidos ou mesmo semelhantes historicamente a uma estudantina e por tal, longe ou mesmo nos antípodas da Tuna Universitária. Em suma, mais uma prova historicamente delimitada de que a Tuna portuguesa recolhe profunda influência no fenómeno do lado de lá da fronteira.

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