A Aventura da "Tunologia"

Numa 1ª abordagem mais despreocupada, em leve pincelada, o uso do termo Tunologia para classificar o estudo exclusivo da Tuna enquanto cultura secular única pode parecer -e ao fim de todos estes anos, não muitos até face à história da Tuna e desde a sua génese e formas pré-tunantes - algo apropriado. Afinal, defenderão alguns, há folclorismo, etnografia e por aí fora, porque não há tunologia? Assim , à vista desarmada, tudo parece indicar - até no sentido de elevar a outro patamar de respeitabilidade a própria tuna - ser algo natural.


Pois permitam-me Vºs Senhorias que assim não o ache e muito menos assim o entenda, principalmente no caso português, conclusão que deriva precisamente do estudo da tuna em Portugal, algo que por sua vez deriva da própria configuração da mesma. Ao contrário da vizinha Espanha - que nestas matérias possuí vastíssima documentação e referenciada em tempos e circunstâncias várias - bem como embora em menor escala no caso Sul-Americano, em Portugal praticamente nada existe à data de hoje - exceptuando o livro do Dr. João Paulo Sousa, um pequeno livreto do Dr. Dionísio Vila Maior e meia dúzia de escritos mais ou menos crediveis e pontuais em razão de matéria que se podem encontrar na rede ou em outros formatos - quanto a pesquisa e publicação sistémica de dados referentes à Tuna portuguesa, sendo mais do que claro e evidente que muito do material em questão sobre nós está situado, precisamente, em arquivos espanhoís.


Já aqui afirmei e noutro post que a eventual "tunologia" portuguesa até à data de hoje é um misto entre arqueologia e história, que nos leva a pesquisar por entre os mais insuspeitos lugares e fontes coisas que, aparentemente, parecem irrelevantes mas que conjugadas com outras informações se tornam precisamente no oposto. Não há, claramente e até hoje, qualquer grande pesquisa de facto e de fundo - que se tenha conhecimento público de, note-se - sobre a Tuna portuguesa. Daí afirmar com toda a propriedade que não se pode rotular, hoje - o que não significa que não venha a subir a esse patamar - tal pesquisa como sendo uma ciência autónoma rotulada e no caso de "Tunologia". Será um claro e manifesto exagero afirmar tal por várias ordens de razão e desde logo:

- A informação sobre a tuna portuguesa de facto é escassa, muito escassa, nos meios supostamente óbvios para dela se poder retirar claras elações;

- Para lá de escassa, está altamente dispersa como um imenso puzzle de mil peças de onde apenas se tem 200 delas sendo que das restantes 800 peças desconhece-se o paradeiro de pelo menos metade, o que obriga o estudioso a recorrer à tal arqueologia que acima mencionei; Quantos e quantos ex-tunos não possuem, nos seus baús de recordações, material absolutamente único e de uma valia incomensurável para o estudo da tuna portuguesa, material esse que continua "titanicamente" submergido e sem data para ver a luz do dia?

- A relativamente novidade que, no tempo, constitui a tuna portuguesa não permite -e esta razão resulta da própria pesquisa sobre o tema - atribuir a esse estudo a condição de ciência autónoma;

- A falta objectiva de trabalhos anteriores de fundo que abordem de forma genérica a tuna portuguesa - já que os poucos existentes ou abordam um dado grupo em concreto ou são demasiadamente genéricos dada a pouca informação existente;

- O anacronismo que existe quando hoje muitos vêm a tuna de antes como ela é hoje, quando não o é, de todo;

- A tremenda arrogância do comum tuno nacional que achando que por sê-lo tudo sabe sobre o metiér, o que provoca automaticamente o oposto ao saber, ou seja, mais ignorância, dificultando o estudo de facto por ser terreno mais minado que os campos do Kosovo; Não se calcula, hoje, quanta mentira já passou - e passa - por verdade dogmática, já descontando os inúmeros disparates ao abrigo da "teoria neo-tunante" tão em voga por estes tempos.

Configuram todas estas razões evidentes por factuais um imenso deserto quanto à investigação de fundo e de facto sobre a tuna nacional. A acrescentar a tudo isto a relativa jovialidade do fenómeno tuneril português que em muito contribui para este deserto de material de facto sobre a tuna nacional, resultado da pouca propensão e desde o "boom" tunante" por parte das tunas universitárias em compilar e catalogar a sua própria história de facto -que não se basta aos corriqueiros textos insertos em sites e/ou livretos de certames.

Por todas estas razões, não existe -e até prova inequívoca em contrário - a noção de Tunologia. Nem em Portugal haverá, hoje, qualquer Tunólogo - ao contrário de Espanha ou Chile, por exemplo. Mais ainda, o que por cá temos é estudiosos que, por serem precisamente isso, estudiosos, se colocam hoje na carteira de pau, procurando com o seu saber e sem "mestre-escola" algum, saber ainda mais e mais. Não há, objectivamente ninguém em Portugal que possa, do alto do estrado, intitular-se Tunólogo, porque não há Tunologia portuguesa hoje em dia que justifique tal epiteto. Esperemos antes e sim que surja - e ao que sabemos irá surgir - algo que e pela primeira vez, registe, classifique e catalogue todas as informações pertinentes ao fenómeno tuneril nacional desde os tempos mais remotos até, pelo menos a uma data recente que permita - como bem mandam as regras do estudo do historiar - de forma abolutamente isenta e desapaixonada, credibilizar esse mesmo estudo, numa perspectiva temporal que não inferme de erros na tomada de vista a ter-se.

E mesmo após o surgimento de algo que assim o seja, cientificamente correcto e completamente abrangente quanto ao tema no tempo e espaço, mesmo assim haverão vários riscos a correr quanto ao facto de poder-se, eventualmente, intitular-se o estudo da tuna portuguesa como sendo Tunologia. O tempo o dirá e mais, confirmará precisamente isso. Obviamente que quem desbrava caminho recolhe o mérito e reconhecimento disso mesmo. Veremos o que porventura, recolherá precisamente disso o todo do fenómeno, eís a questão de facto.

Da minha parte, sempre sentado na carteira de pau, a estudar a Tuna: caso oposto só ensinaria e nada aprenderia. Partilho na esperança de que essa partilha seja benéfica a alguém. Simples. A melhor forma de combater o paradoxo entre Ser-se Tuno e saber-se algo sobre a Tuna é evitando um imenso fosso entre ambos.

Comentários

Eduardo disse…
Mas, meu bom amigo:

não é exactamente "tunologia" o que estás a fazer aqui?...

ehehehehehehe!

Não resisti à provocação!

Brincadeira à parte, não acredito numa tunologia, até porque o objecto que tal ciência teria está já sob a alçada da (etno)musicologia, da sociologia e da história... Assim, quem quer que estude o fenómeno tuna terá fatalmente de entrar por um desses três territórios.

Quando muito, poder-se-á "cunhar" o termo, mas terá sempre o mesmo ridículo que "fadologia", por exemplo, e a ninguém passa pela cabeça o nascimento de tal "ciência" - digo eu.

Que se estude a tuna a sério, muito bem. Mas há um limite para a seriedade em tuna, que diabo!

Afinal, é só de tunas que se fala!

Aquele abraço!
Não, talvez seja mais pedagogia....!

Abraços!!!!!
J.Pierre Silva disse…
Meus caross,

Não se poderá entende ro termo "tunólogo" como o respeitente àquele que estuda a Tuna e "Tunologia" o processo desse mesmo estudo, a actividade de investigar, catalogar e reflectir o fenómeno em causa?

Pessoalmente, julgo que sim.

O que convirá separar, desde logo (e penso que será esse o sentido que lhe quiseste emprestar, e bem) é a do estatuto, ou seja "Tunólogo" como sendo o tipo que tem alvará e licença para se empoleirar na cadeira tipo douto e spaiente lente.

Tunólogo, assim, a meu ver, é aquele que estuda e faz caminho, não propriamente o ponto de chegada e reconhecimento de qualquer estatuto.

Qvid Juris?
Pierrissimo:

Quanto ao teu 1º parágrafo acho manifestamente exagerado e pelos motivos que aludi; estudioso atento e sério penso que por ora bastará e quanto a mim, até a prever um futuro mais ou menos risonho no que toca a esse mesmo estudo e sua possivel elevação a algo mais específico e concreto.

Quanto ao segundo parágrafo penso que mais que epitetos serve sempre mais e melhor a causa tuneril o que cada um faz, produz e estuda e seu respectivo reconhecimento posterior sempre pelos demais pares tuneris; prefiro de longe deixar legado que "obrigue" a pensar-se a Tuna do que ser meramente reconhecido por isso e depois ninguém ler o resultado do trabalho tido. É quiçá evitar o ocorrido com o livro "Mein Kampf" de Adolf Hitler, p.ex: Um livro que "arde nas mãos" de todos os alemães e poucos o leram efectivamente porque o associam a algo negativo, o autor no caso e o que ele significa.

Porque uma coisa é ler um livro outra será entender o que esse livro contém, enquanto estivermos neste estado de falta de auto-critica tuneril em Portugal não consigo vislumbrar nem Tunologia nem Tunólogos. Sinceramente. Prefiro ir devagar e sempre a subir patamares.

Abraços!
P.S. - E se os alemães nos anos 20 tivessem lido e percebido (essencialmente) o contido no "Mein Kampf" provavelmente Hitler nunca teria sido eleito chanceler alemão e muito menos ter feito o que fez.....
Não te ponhas aí com muitas ideias porque senão ainda se vê nascer neste pais um curso superior dedicado a isso... e como diz o Eduardo... "Afinal, é só de tunas que se fala!" ;)

Abraços
Eduardo disse…
Caro Pierre:

como referi, os termos "Tunologia" e "Tunólogo" são perfeitamente «fabricáveis» em português e respeitam todas as regras de composição erudita.

Já dizia Sartre que «L'enfer c'est les autres»... E o perigo está sempre na abertura de precedências e precedentes, muito mais num meio em que, emprestando tu um dedo, não só te tiram o braço como ainda te sodomizam a sangue frio... e com areia na vaselina.

Pessoalmente, não vejo mal nenhum nas palavras «tunologia» e «tunólogo», mas deixa-me recordar-te Lucas 14:8-10 e Lucas 18:9-14.

Em meu entender, estas passagens não se aplicam à tua forma de ser, como indivíduo, mas a todo aquele que quer, por vezes e sem querer, ter entradas de leão... Já não era o primeiro que acabava deitado numa travessa acompanhado com batata a murro e arroz de forno.

Não há maturidade ainda no nosso país - tão ávido de títulos... - para entender estas coisas com naturalidade.

Por mim, rir-me-ei sempre de quem usar o título de tunólogo. Desejo ardentemente que nunca mo coloquem!

Aquele abraço, grande Pierre!
It makes two of us...

Abraços!
J.Pierre Silva disse…
Estou convicto que há espaço e caminho feito para se falar em "Tunologia" como a área de estudos dedicada às Tunas (e que é um campo pertencente, em partes "iguais", à história, musicologia, etnomusicologia e sociologia).
Um investigador dedicado ao estudo da Tuna é um tunólogo. Não vejo nenhum motivo para se ter receio em usar essa terminologia. Há "ciências" bem menos exactas e credíveis que tem designações aceites (cartomante, tarólogo, omeopata...); por que não quem estuda a Tuna?
Remeter para o genérico "investigador" é remeter para um "nim", porque investigadores há-os em dezenas e dezenas de áreas. Um investigador da Tuna não é um investigador qualquer, mas um investigador com um âmbito um objecto de estudo bem definido. Não estuda ranchos, nem fanfarras, música rock, edifícios góticos, aviões ou minerais.
Creio que "Tunologia" e "Tunólogo" devem ser aceites como linguagem informal para designar aqueles que se dedicam a estudar, investigar e, daí, produzir obra credível resultante desse labor.