A Aventura do (re)pensar do ENT

A pouco mais de um mês e meio da realização do próximo ENT – Encontro Nacional de Tunos – será, porventura, o tempo certo para alguns considerandos gerais e, ao mesmo tempo, relembrar o que é por génese o ENT – algo que me parece esquecido e/ou deturpado aqui e ali.


O ENT é e sempre foi um espaço privilegiado de debate e conhecimento, antes e acima de qualquer outra coisa. O ENT é e sempre foi, pois assim nasceu com essa função, um espaço único onde tunos de várias origens e proveniências debatem a tuna, pensam a tuna, falam sobre a tuna, conhecem mais a tuna. Por tal, nunca foi função primeira do ENT nem é tudo aquilo que não seja o debate, o pensar, o dialogar a tuna. Caso oposto, não estamos perante um ENT mas sim antes perante outra qualquer coisa.

Ao longo destes anos e desde Évora – sua 1ª edição – que o formato, digamos assim, foi mais ou menos o mesmo e que basicamente se resumia a dois momentos gerais, um a dar lugar ao conhecimento – com palestras, mesas redondas e tertúlias – e outro a dar lugar ao que se convencionou chamar de workshop´s – no caso, de instrumentos, regra geral. Casos houve onde foi dada – e muito bem quanto a mim – primazia ao conhecimento, diálogo e debate, outros houve – erradamente quanto a mim – onde foi dada primazia aos workshop´s, em doses excessivas e que na esmagadora maioria dos casos não servem para rigorosamente nada, excepto “encher” tempo.

O que se tem vindo a verificar à medida do decorrer dos anos será um desvirtuar claro do que deve ser por génese o momento máximo, central de qualquer ENT, o diálogo, somando-se a esse desvirtuar o excessivo e até pueril exagero nos workshop´s – iguais uns aos outros de ano para ano, exceptuando um ou outro honroso caso – que também eles estão desvirtuados. Ou seja, urge clarificação quer na componente primeira e central do ENT – o conhecimento – quer na componente acessória e residual – os famosos workshop´s.

É, por isso cada vez mais pertinente a estrutura do ENT ser devidamente repensada. É importante que as palestras sejam mais curtas e feitas com mais interacção com os tunos presentes – interacção e não debate, ou seja, seja quem seja o orador deve este ter a clara sensibilidade e noção de que não pode debitar em monólogo dados atrás de dados, antes sim procurar de forma pró-activa gerir a sua palestra e envolver na mesma os assistentes. Ou seja, deverá haver um claro cuidado na forma de passar a mensagem. É necessário cuidado neste aspecto, alertando as organizações os oradores convidados para a máxima importância que a forma tem, para lá do conteúdo em si. Não se motivam as pessoas com “secas”, é evidente. Há, então, que as motivar da melhor forma, procurando usar-se técnicas amplamente conhecidas que permitem envolver ainda mais o orador com os participantes.

Não me parece correcto e muito menos producente a existência de “não-temas” – chamemos-lhe assim, como já ocorreu em alguns ENT´s. Os “não-temas” são aqueles parlapies colocados a debate entre todos mas que só interessam a uns poucos, residuais portanto, comezinhos até – que interesse tem num Encontro Nacional de Tunos um debate sobre a rivalidade entre a tuna de Cima e a tuna de Baixo, ambas da mesma cidade??? – ou então aqueles “não-temas” que são ocos de conteúdo, contexto e histórico temporal; debater Quarentunas em Portugal num ENT é absurdo quando temos apenas duas ou três e o fenómeno tuneril português, grosso modo, tem 20 anos, será algo como dois paizinhos discutirem para que universidade irá o puto ainda antes da concepção do mesmo.

Este exemplo demonstra perfeitamente que a vertente cimeira, nuclear, principal de um ENT pode ruir como um castelo de cartas numa corrente de ar, não por falta de vontade dos organizadores mas antes por erros que eu considero de palmatória nesta fase do campeonato: Há que ter cuidado com a forma de passar a mensagem e o mesmo cuidado deve existir na escolha dos temas. Devem os organizadores, por força do atrás dito, alertar quem convidam para animar os debates, palestras e afins precisamente para estes dois pontos.

Evidente que quando claudicam os pontos atrás mencionados no mais importante de um qualquer ENT – o diálogo sob vários formatos – é evidente que os workshop´s servem como tábua de salvação a todo o encontro. Aqui, continua-se a errar grosseiramente, com mais do mesmo todos os anos, onde parece ser importante haver muitos workshop´s, desde bandolim até campainhas de porta, esvaziando completamente a lógica do que deve ser um verdadeiro workshop – sim, o que se tem vindo a fazer nada tem a ver com workshop´s a sério, bem estruturados e organizados como deve ser. Aqui dá-se primazia à quantidade e não à qualidade; duvido que muitos aprendam seja o que for neste formato que não se presta a rigorosamente nada de interessante ou produtivo. Exceptuo um ou outro que foram realizados e que sintomaticamente foram bem pensados quer no objectivo final, quer no formato de passagem da informação.


Estive presente na grande maioria dos ENT´s já realizados, em várias funções, indo desde a de orador até à de mero participante e com todo o gosto o fiz, realço desde já. É tão louvável estar atrás da mesa como à frente da mesma, onde regra geral se aprende bastante; mas atrás da mesa também se aprende imenso, afirmo-o claramente. Da experiência retirada das várias edições onde estive presente, fazendo a súmula das mesmas, permitam-me sugerir, modestamente, alguns pontos que quanto a mim, farão toda a diferença num próximo ENT:


1º) Primazia ao conhecimento sobre a Tuna; Há que entender que essa é a função principal do ENT, foi para isso que ele nasceu. Deturpar a mesma génese é matar o ENT e transformar o mesmo num mero fim-de-semana de copos e pouco mais. O “workshop” está para o ENT como o prolongamento está para um jogo de futebol: até pode dar para marcar o golo da vitória se for caso, mas é sempre um tempo extra.


2º) Cuidado extremo na escolha dos oradores mas principalmente na forma como esses irão passar a mensagem; há que ser mais interactivo com quem está sentado, reduzindo os monólogos e potenciando a participação dos assistentes. Pode-se – e há conhecidas técnicas que permitem fazer isso facilmente – envolver o publico palestrando-se sobre a história da tuna p.ex., ou seja, cuidado extremo na forma de passar a mensagem.


3º) Gestão de horários realista: Para quê marcar seja o que seja para as manhãs quando todos sabemos que não funciona? A parte da diversão nocturna – que também gosto e acho muito bem que haja! – provoca necessariamente um pensar racional na gestão de horários. Assim, os trabalhos devem começar o mais tardar pelas 14.00, com tempos limite para todos os diferentes painéis, não permitindo os organizadores mais do que 5 a 10 minutos de atraso, cortando liminarmente se for caso a palavra seja a quem seja, de forma a não se prejudicar o normal andamento dos trabalhos (como ocorreu p.ex. ano passado). Aos oradores mais não lhes resta do que aceitarem/recusarem as regras do jogo.


4º) Gestão dos diferentes painéis: Uma boa palestra, um debate com introdução e contraditório seguinte, uma tertúlia aberta a todos e um único workshop de âmbito generalista bastam a meu ver. Quatro momentos apenas mas todos com tempo suficiente, isto sempre no Sábado de tarde e Domingo de tarde o workshop. Quatro momentos bem produzidos, bem estruturados e bem apresentados são muito mais eficazes e produtivos para todos do que uma sucessão de actos que apenas se atrapalham uns aos outros, potenciando apenas a saturação e desinteresse geral.


5º) Cuidado extremo nos temas a debater bem como no workshop: É cada vez mais pertinente que exista muito cuidado na escolha dos temas, seja em que formato seja – palestra, debate ou tertúlia – escolhendo-se temas realmente pertinentes e universais, não caindo na tentação dos “não-temas”, bem como o mesmíssimo cuidado deve existir na temática do workshop; este ultimo deve ser abrangente e ao mesmo tempo cirúrgico. Exemplo?
Um verdadeiro workshop sobre como organizar um certame de tunas, desde a tomada de decisão em o organizar até ao Domingo do certame, simulando a mesma organização e distribuindo tarefas entre os participantes, obrigando-os a interagir uns com os outros na procura de soluções face aos constrangimentos de uma qualquer organização. Parece-me um workshop interessante, produtivo, pró-activo e proveitoso futuramente a todos.
Banir, pois, os “workshop´s” repetitivos e inócuos de instrumentos isolados é imperativo, porque não servem para rigorosamente nada.


Com estas 5 sugestões, o ENT, a meu ver, ganha maior dimensão e importância, porque potencia o essencial e reduz o acessório ao que ele é. Por outro lado, é uma reforma face ao formato actual, desde logo. Permite assim ser mais cativante e cumprir com a sua função genética, de tunos para tunos e centrando-se apenas e só nestes, naturalmente, como não poderia deixar de ser.


Finalmente uma ultima reflexão: a continuidade do ENT à imagem e semelhança do que ele sempre foi pode estar em causa a prazo, a continuar-se com o actual estado de coisas e de formato. Urge claramente repensar o ENT nessas matérias e elevá-lo a um patamar superior, com mais seriedade e menos amadorismos.


Post Scriptum - Os meus votos de sucesso para a próxima edição do ENT que será em Bragança, cumprindo-se desde logo com uma das suas missões, descentralizar o mesmo.

Comentários

Eduardo disse…
Ilustre:

acho que o ENT tem mais a ganhar com um formato "Frente-a-frente" (a dois, a três, a quatro), com um moderador activo e que saiba tirar nabos da púcara dos intervenientes, abrindo necessariamente espaço para perguntas do "público" - tornando as sessões mais interactivas - para mim, a palavra-chave do teu artigo.

Aquele abraço!
Precisamente, precisamente.

Se for bem pensado e previamente estudado o formato, penso que a palavra interacção poderá e deverá percorrer todo o ENT, sem prejuízo dos vários formatos existentes ao longo do mesmo. Focar no essencial, colocar em 2º plano o que a ele pertence, maximizar um formato mais próximo do utilizador, ou seja, dos presentes, quebrar com uma certa lógica de "aquário" onde de dentro do mesmo o palestrante fala e expõe mas do lado de fora ninguém escuta porque monocórdico.

É necessário mais inteligência e agilização no formato do ENT, sinceramente.

Abraços!