A Aventura do Rótulo…




É outra das coisas que, de facto, não faz qualquer sentido no nosso mundo tuneril, só se explicando através de visões belicistas por puerís e por isso, distorcidas da realidade, por um lado, e, por outro, explica-se pelo enorme medo que o novo – que não “pop” ou travestido de tuna – trás num ambiente tão serodiamente cristalizado no pseudo-conservadorismo de vão de escada, que apenas revela uma coisa aos conservadores militantes: medo. Resta é saber de quê e…porquê.

Ora, quem é, por exemplo, apreciador mediano de vinho tinto das várias Regiões Demarcadas nacionais, sabe que muitas vezes, mesmo muitas, o que o rótulo indica não corresponde, necessariamente, ao seu conteúdo qualitativo e ainda muitas vezes o valor pedido por um determinado rótulo está ora inflacionado, ora deflacionado face a esse mesmo conteúdo. Quantas vezes ao adquirir uma determinada garrafa não nos confrontamos com um rótulo bonito e depois, desilusão das desilusões ou então, quantas vezes não se adquire uma determinada garrafa aparentemente vulgar e que ao degustar se revela em todo o seu esplendor? Ora, uma tuna, como um vinho, mede-se pelo que é e pelos traços que a fazem como sendo o que efectivamente é e não pelo rótulo ou “valor de mercado”, revelando-se – ou não – no momento certo, após a abertura da garrafa e posterior degustação, afinal, do importante aqui, o vinho.

O ambiente tuneril pós boom assentou precisamente numa lógica de rótulos, onde isso foi e é supostamente o mais importante, quando “se esqueceu” – em alguns casos, convenientemente – de que o importante era o sumo, o néctar do que se fazia e faz. E pior, a gestão do rótulo não raras vezes aconteceu fruto precisamente da perfeita inconsciência daquilo que realmente é o mais importante, o que dentro da garrafa está. Claro que alimentado o mito de que o rótulo é o mais importante, garantia suposta de qualidade, facilmente a populaça tuneril nacional caiu no mesmo erro mitigado, demorando a perceber que de facto, o vinho só é bom ou mau depois de degustado. Quase que se poderá dizer que o culto do rótulo foi por um lado, abono de vida longa e, por outro, forma encapotada e indirecta de criar mais um “mito”, quase uma tradição dentro da própria tradição maior, a tuneril: O rótulo diz tudo. Dirá? E porque se valoriza tanto o rótulo tuneril e deprecia em ordem inversa o conteúdo tuneril?

A somar a esta “mitologia” - que tão bem serviu e serve interesses instalados nos seus pomposos tronos - temos uma terceira premissa mais recente, a garrafa dita de vinho que lá dentro tem sumo ou capilé, ou seja, não bate sequer o rótulo com o produto, fazendo quase crer que há Regiões Demarcadas de groselha, ice tea ou mesmo de leite pasteurizado, quiçá. Publicidade enganosa, enfim, a potenciar a confusão e a ajudar à fraca análise daquilo que deve efectivamente ser analisado, o vinho. Evidentemente que há rótulos que batem rigorosamente certo com o vinho e mais, até valorados na sua justa medida; apenas não serão a maioria dos casos, como uma visão desapaixonada e atenta o demonstra. Há rótulos vetustos e respeitáveis que revelam após a abertura da garrafa zurrapa como há rótulos modestos que parecem não ser prenúncio de um vinho de qualidade e que se revela como tal depois de degustado. Alguns escanções tuneris já começam a saber decantar devidamente os néctares e caso a caso, o que vai revelando alguma maturidade, atenção e sobretudo descomplexo; infelizmente, não se trata da maioria, havendo até quem recuse liminarmente rótulos porque provavelmente, quiçá, numa prova cega teria uma agradável - e convenientemente disfarçavel depois… - surpresa.

Não se entenda mal, o rótulo também é importante, obviamente. É a apresentação, se quiserem, o outfit, a montra, daí a sua importância e num mundo cada vez mais em real time como o é hoje. O que não se deve misturar é a montra com o armazém, mesmo que por via de regra a montra prenuncie esse mesmo armazém. Pode prenunciar como não pode. E a única forma de se perceber que se está perante um vinho de qualidade é abrindo a garrafa, mesmo que antes o rótulo não apele a tal ou, pelo contrário, quase que “obrigue” a abrir a dita cuja. Muitos “barretes” se enfiam neste particular, é certo, faz afinal, parte de um percurso de apreciadores de bom vinho – já que os normais consumidores se estão rigorosamente nas tintas para rótulos e conteúdos, cada vez mais se regem pelo preço e só. Mas também nas tunas, aqui, é como nos vinhos: há néctares que custam fortunas e depois se revelam corriqueiros e banais como há vinho com baixo custo que posteriormente se revela de alta qualidade. Por isso mesmo é que o dogma do rótulo é falacioso e serve apenas interesses comezinhos, que não o todo do universo tuneril. Mais, cavalgam-se rótulos por puro receio não se percebendo de quê e porquê. Afinal, quem produz bom vinho e é consciente desse facto não receará em rigor nada. A qualidade geral do vinho deve ser promovida e todos sabemos que para isso ocorrer não pode haver uma postura isolacionista e/ou tendenciosa que apenas diz que o único vinho bom que existe é o meu, desvalorizando assim o bom vinho que outros porventura, produzam.

É de uma infantilidade atroz, ao fim destes anos, que ainda não se tenha percebido que a grandeza de um bom vinho se mede justamente pela grandeza dos outros bons vinhos; nega-se preconceituosamente essa possibilidade, até, como se a produção de vinho fosse monopólio apenas de alguns produtores e houvesse algum Decreto Régio a chancelar tal noção que revela somente medo, preconceito e em alguns casos, inveja, pura inveja.

A mistificação em torno dos rótulos é, em síntese conclusiva, um termómetro do panorama: Há muitos rótulos que nada têm a ver com o vinho que anunciam e há, por isso, muito bom vinho que alguns teimam em não querer beber apenas porque têm medo de que o mesmo lhes passe divinamente pelos seus sacrossantos palatos e, acto continuo, não saberiam (??) como assumir essa delicada evidência. Resta a constatação mais do que evidente: que o bom vinho vinga sempre, haja o que houver, demore o tempo que demorar, "custe" a que palato custar. Por oposição, a zurrapa desaparecerá mesmo que tenha um rótulo desenhado por Nazzoni.

Vai uma prova cega, como fazem as boas mostras de vinhos até???

Comentários

Eduardo disse…
Pois sim, mas falta-te ter em conta um factor: as uvas de que o vinho é feito...

É que no mesmo terreno, de ano para ano, a qualidade da uva varia - e varia muito! - em função do clima, que por sua vez vai influenciar a acidez do solo... varia em função da exposição solar... às vezes basta uma chuvinha uma semana antes da vindima para arruinar a campanha.

É que a mesma quinta uma vez produz vintages, outras vezes carrascão.

É claro que a poda das videiras, a preparação dos terrenos, o enxertio, os pousios, a sulfatação, etc. podem ajudar a melhorar as produções e a minorar os estragos. Mas há "n" imponderáveis que nem os mais experientes conseguem evitar.

Que fazer? Mudar de rótulo para preservar a marca? Comprar uvas em Espanha? Ou assumir que neste ano esta quinta deu vinho assim - esperando que aqueles que percebem do artigo e os "habitués" tenham em conta a qualidade global das safras anteriores - e dêem ao menos o benefício da dúvida para o futuro?...

É fácil ir roubar o "enólogo" da "quinta" ao lado - pagar-lhe mais, por exemplo. Também há quem não se importe de ir comprar as "uvas" a outro "país" e tenha a lata de fazer passar o vinho como sendo o da cooperativa agrícola da terra.

Vale então tudo para se manter o prestígio do rótulo?

«Olhe que não, Sr. Dr.; olhe que não...»

Fora estas "pequenas" ressalvas, concordo a 100% com o resto do artigo: viver à sombra do rótulo é que não pode ser...

Abraço!

Eduardo
Ilustre:

Eu nem pretendi entrar por aí, pela mais minunciosa das minunciosas práticas de produção vinicola, como calcularás. Mas de facto, tem muito que se lhe diga essas nuances, sem dúvida alguma.

Muda de ano para ano e por vezes, até muda de mês a mês, o que só corrobora ainda mais o que disse, note-se com propriedade. Evidentemente que nem os mais experientes enólogos podem prever estas coisas, obviamente.

Claro que é facil levar o enólogo da quinta do lado para a nossa e vice-versa. Claro que sim. Como é fácil também a quinta ao lado espalhar aos sete ventos que o vizinho comprou uvas noutro "país" e fá-las passar como sendo do nosso, quando até é falso. A ignorância e a maledicência andam juntas nestas coisas dos "vinhos", como bem sabemos. Os tais mitos de que falavamos há uns dias em particular, lembras-te? Se alguns enólogos fossem mais competentes procurando saber de facto e não emprenhassem pelos ouvidos iriam facilmente perceber que, afinal, não é bem assim, não é?

Claro que não vale tudo para manter o prestígio do rótulo; há até uns rótulos que dispenso liminarmente porque já lhes conheço muito bem o vinho. Lá está, provei o mesmo de várias colheitas ao longo dos anos e até hoje, nada a assinalar de jeito.

A verdade, de facto, haja as nuances, truques, colheitas, contratações e campanhas anti-produtor da quinta do lado, que houver, a verdade é só uma: Um bom vinho é sempre um bom vinho.

Abraços!
Ahh, e ainda tens aqueles enólogos que para poder justificar aquela "uva" em concreto conseguem arranjar um "subterfúgio legal" qualquer e assim, conferir-lhe uma chancela de origem que, na prática, nunca teve, mas mantendo a legalidade absoluta. O problema é que o subterfugio legal de uns é o mesmo de outros, só mudando, porventura, a "tábua dos mandamentos" de cada produtor, porque na prática, é rigorosamente a mesma coisa; não há nestas matérias "Leis legais" e "Leis Ilegais", como bem sabes....
Eduardo disse…
Olarila, meu caro Aventuras.

Há quem vá ainda mais longe:

- há "quintas" que chegam ao ridículo de proibir ao pólen que flutue livremente no ar à procura da "quinta" que lhes possa interessar mais... que terão eles a esconder?...

- há quem aconselhe "Eh, pá, não vás para esses lados, porque ali só aceitam uvas já maduras e de castas superiores" - admissão implícita de que o "vinho" que produzem é um carrascão intolerável - e, pior ainda, que aquela "uva" não pode dar vinho que preste... com amigos destes...

- há quem avise: "Eh pá, não te metas nisso, que ali levas sulfato todos os dias..."

Enfim: é só amigos...

E venham mais cinco, compadre!

Abraço!