A Aventura do fim de ciclo....

Também não será tema novo. Aliás, ainda ontem, em "missão especial" e juntamente com outro ilustre pensador destas coisas das tunas, abordou-se essa mesma perspectiva: Estamos em final de ciclo.

Que não de paradigma, note-se, mas de ciclo. Assistimos hoje a uma espécie de "melhoras da morte" de um ciclo temporal onde, por imposições de vária ordem, impõe a breve trecho uma nova abordagem, um novo ciclo, mais formatado aos tempos que vamos atravessando, porque quase inevitável que assim venha a ser. Tal como em Espanha - e esta mais habituada a mudanças de ciclo ao longo dos tempos, encarando-os assim, de forma mais tranquila e resignada - estamos a fechar um ciclo e na ante-camera de um novo. Qual?

Claramente um desinvestimento do estudante na tuna, agora que é obrigado, como dizia ontem esse meu ilustre amigo Dr. Eduardo Coelho, a completar o curso de 3 anos rapidamente e em força, porque lá em casa cada vez mais não há margem de manobra para dispender com chumbos e propinas a mais; sim, a ditadura do rating internacional também vai tocar aos papás dos estudantes que cada vez mais têm menos dinheiro, porque a taxa de juro é cada vez maior, porque o emprego rareia e é um bem precioso, porque não estamos em tempo para "brincadeiras". A somar a isto - como se pouco fosse - o ciclo que agora se vai encerrando carrega em si mesmo um pressuposto inadequado aos tempos de hoje: o formato intitucional que a tuna grosso modo ainda tem, hoje, tem 20, 25 anos, ou seja, é um formato de ontem que hoje tenta sobreviver sem alterar uma vírgula ao mesmo; ou ligado intimamente à Praxe e sem qualquer autonomia organizacional dentro da sua instituição que não uma mera presença mais acentuada ou ligada a associações de estudantes, dependendo assim das mesmas (e estas não fogem hoje à crise generalizada num tempo em que as próprias universidades não possuem sequer recursos para as suas funções primárias, que fará para as acessórias). Cientes todos de uma certeza: a rapidez com que as cartas hoje são colocadas na mesa obrigam necessáriamente a uma adaptação ao meio actual; ora, tunas organizadas hoje como o eram exactamente há 20 anos atrás correm sérios riscos de "insolvência", parece claro, porque desajustadas à actual realidade que vivemos e que muda tão rapidamente como as taxas de juro.

Os sintomas são evidentes, estão aí, à vista desarmada: cada vez maior dificuldade de captação de novos elementos, muitas tunas hoje o são meramente de "nome" entrincheiradas que estão pela falta de gente activa e em permanência, as prioridades pessoais mudaram em função das necessidades pessoais, em suma, o cerco aperta à disponibilidade fisica e mental de cada estudante que, porventura, possa querer ingressar numa tuna, por muito apelativa que a mesma seja.

Outro sintoma é - por ora timido mas concreto - o surgimento de quarentunas e/ou tunas de veteranos, compostas por aqueles que, já com as suas vidas estabilizadas a vários niveis, podem de alguma forma recriar a tuna, libertos agora das pressões atrás mencionadas que assaltam o estudante de hoje, fundando agrupamentos desta índole isentos do tal formato das tunas de há vinte anos atrás, criando de raiz uma organização cultural que está vinculada exclusivamente aos interesses da própria tuna e somente, não querendo percorrer todos os patamares porque já percorridos antes, evitando assim complicar o que é fácil: uma tuna institucionalmente criada para tratar de si mesma e dos interesses dos seus componentes, salvaguardando os valores que cada uma representa mas desvinculada de outros organismos que, então, "acasalaram" com a tuna - e lembro que a tuna em Portugal nasce FORA do seio universitário, este importa-a, e não o oposto, como é mitologica e erradamente propagado e desde o "boom" tunante de fins anos 80/inícios de 90 do Século XX. Parece ser uma tendência a despontar e que terá nos próximos anos maior e mais expressão.

Tudo isto para concluir o que me parece evidente a curto prazo:

A tuna terá necessáriamente de se adaptar aos tempos que vivemos. A sua estrutura organizacional terá de evoluir para uma organização mais autónoma e, ao mesmo tempo, mais responsabilizadora dos seus próprios elementos na procura, afinal, dos seus próprios interesses: casos há de claro sucesso de tunas que optaram por esta configuração organizacional, pois obriga os seus componentes a procurarem formas de financiamento próprios - desde quotização, espectáculos remunerados, parcerias, etc - evitando assim a dependência face a universidades e associações de estudantes, p.ex. Uma tuna nascida nos anos 90 terá, caso não se adapte rapida e sabiamente, sérias dificuldades em se manter face ao panorama actual; já não há reitores nem associações a pagarem festivais de tunas. E estes sofrerão, por consequência do desinvestimento e da crise, uma retracção quer em número quer em qualidade do que oferecem e face ao passado. Já vemos casos onde se transitou de uma grande sala de espectáculos para o gratuito auditório da sua instituição "mãe".

Não haverá muito a fazer, excepto agir a tempo ou então ignorar os tempos, esperando por melhores dias. E quem se adaptar rapidamente ao cenário mais e melhores perspectivas de sucesso terá. No caso das tunas, o modelo de associação cultural é - não sendo o perfeito - o mais adequado à sobrevivência. Por oposição, tunas que assentam em modelos que hoje não funcionam porque antes funcionaram em contexto distinto, estão a prazo condenadas caso não se adaptem. Já vemos isso a acontecer amiúde.

Urge, portanto, pensar com lucidez, dentro de cada tuna, sobre o que por aí vem, com toda a segurança. Desafiar Bolonha, a crise, as taxas de juro, os ordenados dos papás, as propinas, é duelo perdido à partida caso as tunas não escolham as "armas" certas para contrariar este ciclo que, seguramente, está aí à porta.

Comentários

Gostei muito deste teu tópico. De facto estamos em fim de ciclo. Digo-o por experiência própria, como bem sabes. O facto de andar em duas tunas, uma de gente jovem ;) e outra de gente mais jovem :), permite-me ter uma visão ampla sobre o fenómeno tunante. Se por um lado, a gente jovem (como eu e tu) quer perpetuar, dignificar e acima de tudo, melhorar o fenómeno tunante, a gente mais jovem (miúdos com 18, 19 e 20 anos) estão-se positivamente a c$g%r pró assunto. Não direi que são todos mas uma grande maioria. E porquê? Simples... A tuna é mais uma cena para eles. Não é nada mais do que isso... é uma cena. Curtem, é fixe e tal e pronto. Querem lá saber da tradição secular da tuna. Querem lá saber do ser boémio. Querem lá saber do "ficar sempre estudante e eternizar a ilusão dum instante". O que eles querem é show-off (para isso nada melhor que uma tuna), beber uns copos (até nisso são fraquinhos) e fumar umas ganzas (nisso os catraios são prós)... ah e se der jeito conhecer umas miúdas... para depois conversarem no facebook (até nisso são burros!). É uma geração de miúdos que cresceu a ter de tudo. As melhores roupas, os melhores brinquedos, as últimas novidades, a sairem à noite desde os 14 anos com os pais a irem busca-los à disco (sim, porque quando eu comecei a sair bem me f$d#a que ia a pé ou de autocarro e quando havia dinheiro de táxi). Por isso é uma geração que nunca teve de se esforçar a sério. Sempre teve tudo e a tuna é mais uma coisa. É mais uma cena... como disseste e bem é um tásse bem!

Serão eles a perpetuar o fenómeno tunante?

Não sei... mas tenho medo só em pensar...
Eheheheheh!!!!! Mordaz mas eloquente, meu caro Yacaré, como é teu apanágio aliás!

Voltando ao tema, eu medo não tenho - o medo pressupõe uma série de estados de alma e sentimentos que, no caso, não me assaltam previamente. Tenho sim é pena. Aquela pena que se sente pelos jovens suecos que, por tudo terem ao alcance deles fácil e rapidamente, não percebem por isso mesmo o valor intrínseco do que é realmente especial, único, até simples. Depois os miudos suecos, que aos 16 têm dois Volvos, três Saab e uma casa nos fiordes, acabam invariavelmente por, aos vinte e poucos, atirarem-se de uma ponte abaixo, contribuíndo assim em larga escala para a alta taxa de suicidios que este país escandinávio com superhavit de conforto material apresenta....é nestas alturas que dou graças por ser latino, no limite....

O problema não é ter as coisas, é saber viver com elas e também sem elas. Basicamente, é perceber o valor intrínseco das mesmas e não o facial, monetário ou circunstancial. Têm tudo? Terão? Os miudos das tunas de hoje? Provavelmente, mormente a crise de hoje começar a proceder a cortes orçamentais a todos os titulos. Agora, até podem ter tudo mas se estão na tuna apenas, não têm nem nunca terão o mais importante: O Ser tuno.E isso não se compra na loja nem se consegue por via de prémios.

Abraços!!!!!!
Eduardo disse…
Dizia José Régio:

«Se ao que busco saber nenhum de vós responde, / por que me repetis "Vem por aqui"?»

Que procura a nova geração "saber"? E que "resposta" lhe dá a tuna?

Dizes - e bem - que a tuna tem de se adaptar organizacionalmente aos novos tempos. E será só a nível de organização interna?

Se a tuna não tem nada a dizer, os indivíduos irão naturalmente bater a outras portas.

Estaremos nós (os antigos) aptos a entrar no novo ciclo - se é que realmente estamos no fim de um? Estaremos dispostos a criar novas condições e a acompanhar os novos tempos? Perguntavas-me se eu ainda «reconhecia a minha rua». E sabes que mais? Dei por mim a perguntar a mim próprio se a minha rua ainda me reconhecia...

Ainda estou à espera da resposta :)

Aquele abraço!
Sir Giga disse…
Amigos, vou-vos ser sincero. Também eu temi que as novas circunstâncias levassem a um decréscimo no número de novos elementos nas tunas, mas por todo o lado vejo exemplos do contrário. Nos últimos anos, e não obstante a conhecida saturação de tunas, vi surgir novos projectos, alguns dos quais bastante promissores, quer de tunas de gente mais novita (a Vibratuna, de Vila Real, por exemplo) quer de gente mais experiente, como a a Estudantina de Braga, que está a fazer um percurso interessante.

Numa das tunas a que pertenço, nomeadamente aquela que vive mais da formação de base de novos tunos, os últimos cinco anos foram muito mais profícuos ao nível da entrada de novos elementos que anteiormente, não obstante haver na Academia mais três tunas, uma masculina e duas mistas (uma delas antiga e a outra mais recente). A pressão dos mercados de trabalho fazem com que os alunos prossigam para mestrado após a licenciatura, permanecendo assim nas tunas de origem, pelo que não vejo razão para atribuir a Bolonha a culpa da falta de sangue novo que dizem haver (reitero, eu não a sinto). Há mais pressão da parte dos pais e sociedade para terminar um curso a tempo? Não creio que seja mais do que a que havia no meu tempo. Sempre cresci em crise, nunca houvi falar de outra coisa desde que nasci. Não é hoje diferente. na minha tuna de origem, a taxa de sucesso escolar ronda os 95% (no país, a taxa de insucesso aproxima-se perigosamente dos 50%, e a desistência dos 12%). Três de nós temos duas licenciaturas pré-bolonhesas. A tuna serve como motivação para estudar, não vão os pais fazer dela bode espiatório do insucesso. Os percurso dos tunos mais velhos servem de exemplo para os mais novos, e de garantia para os pais dos mais novos (quantas vezes falei com mãezinhas apreensivas...)

Quanto ao que disse o meu amigo Yacaré, concordo em absoluto que há uma maior crise de cultura tunante e académica em geral, mas é nosso dever trabalhar no sentido de cultivar a Tuna dentro dos mais novos, de os fazer perceber a história, as tradições, o imaginário, a estética, para que não seja apenas "mais uma cena". Se não souberem mais, não farão melhor, e é culpa das gerações anteriores este défice cultural e emocional pelo academismo e mundo tunante. Por isso procuro cultivar isto nos novos tunos, algo pelo qual agradecem , acabando por ser dinamizadores da Praxe ("lato sensu") nos seus respectivos cursos. Não culpemos Bolonha. A culpa é inteiramente nossa (não dos intervenientes nesta casa, claro está, mas no geral), que muitas vezes falhamos em cativar os mais novos, mas também ao não dignificarmos a Tuna, e o Academismo, não os tornando assim atractivos. Se não nos levamos a sério, não seremos levados a sério. Seremos apenas "mais uma cena fixe".
Caro Giga:

Obviamente que estamos num plano geral de análise e não especifico ou circunscrito a um determinado meio em concreto que, até, rema em contra-ciclo, uma espécie de excepção a confirmar a regra. Não se trata tanto de fundar tunas mas sim de as MANTER enquanto tal e face ao espirito que preside à fundação de uma qualquer tuna que, no limite, exerça esse Negro Magistério. De que serve haver 350 tunas se dois terços delas praticamente estão confinadas aos saraus dentro de portas, jantares e pouco mais? Já nem questiono - que até pode ser, nessas, maior e mais preemente , até - a serenata, a boémia e afins mais "académicos". Se assim for, então a pretensa "crise" será mais aparente do que efectiva.

Depois, de certa forma, os teus 1ºs dois parágrafos entram quase, quase em contradição com o conteúdo do 3º, que obviamente é o que realmente interessa aferir como sendo uma verdade praticmente incontornável.

Abraço!
Eduardo disse…
Caro Giga:

fico feliz por saber que assim é.

Teria a minha geração de facto mais valores do que a actual? Não quero crer que assim seja. O que penso é que há falta de orientação. Penso que na maioria dos grupos há uma tremenda falta de bom-senso da geração "antiga" que, a somar-se à (eventual) displicência da "actual" poderá ter efeitos devastadores.

A "culpa" talvez não seja dos novos, mas de quem não sabe orientá-los.

Abraço!
Eduardo disse…
Creio interpretar bem se disser que o "fim de ciclo" a que o Aventuras se refere é o da formação desenfreada de tunas, não ao fim das tunas em si.

Passámos o "ciclo da estabilização" e o da "estabilização" e estamos a entrar num "ciclo de depuração" - não de extinção em massa, acho eu: ficará quem tiver de ficar ou quem souber antecipar as condições para tal.

Infelizmente, mas compreensivelmente, muitas tunas (a esmagadora maioria?) fundou-se e sobrevive numa dependência total dos caprichos de outras instituições - assoc. de estudantes, reitorias, etc.

Basta que mudem as políticas, basta que o número de alunos baixe drasticamente, basta que tenha de haver uma "contenção de custos" para que o fim se aproxime rapidamente.

Se as tunas dependerem menos de outros e forem capazes de viver como instituições independentes, talvez seja uma forma de assegurarem melhor o seu futuro, mesmo que os eventuais apoios venham a faltar. Penso eu "de que"...

Abraço!

Eduardo
Precisamente, caro Eduardo, nem mais, nem menos.

Outra questão de não menor importância e que tem directamente a ver com os tempos que vivemos: a subsidio-dependência está definitivamente em extinção; nas tunas também. Felizmente já vi os dois lados da moeda e quanto a estas questões em concreto. Uma coisa posso garantir, é possivel uma tuna no formato associação cultural sobreviver, isso vos garanto pessoalmente; basta que persiga de forma correcta, organizada, efectiva e sobretudo eficaz os objectivos a que se propôs. Não podendo - por questões estatutárias - dizer muito mais, posso no entanto afirmar que faço parte hoje de uma instituição que só tem os "vicios" que o seu dinheiro lhe permite. Mais, NUNCA teve UM CÊNTIMO seja de quem seja a não ser do seu esforço próprio. E orgulhamo-nos precisamente disso. O que nos tempos que correm, penso ser, no minimo, fora do normal no que respeita a esta matérias e com tunas.

A "subsidio-depêndencia" tuneril face às suas casas-mãe e associações de estudantes terminou. Agora, é esgravatar e ponto final. Os resultados do que passava antes e do que se passa hoje em dia estão aí, claros como água - e só não vê quem não quer ver.

Hoje, fazer uma digressão, gravar um CD ou montar um espectáculo próprio à custa do suor e esforço dos tunos de uma tuna e sem qualquer subsidio-dependência prova desde logo duas coisas: a 1ª que é possivel e a 2ª que quem quer chega lá e à sua própria custa.

Estranho antes é ver quem sempre viveu da subsidio-dependência e hoje se vê sem ela nada faça para manter o que sempre fez, preferindo baixar os braços definitivamente. Bom, pelo menos não têm "vicios"....

Abraços!