A Aventura do Carrocel......

Penso em tempos ter abordado - não precisando se aqui também o terei feito - esta questão muito peculiar e que se resume - e sem qualquer tipo de constrangimento - a uma forma específica de fazer convites para eventos: tu convidas-me a mim, logo, eu convido-te a ti.

Antes de tudo o mais, devo dizer claramente que acho em absoluto rigor, algo absolutamente natural; afinal, trata-se de uma forma de agir perfeitamente legítima e que, até, no nosso dia-a-dia social acaba por ser prática comum (jantares, visitas, etc). Portanto, nada de estranho ou fantástico sequer. Trata-se apenas - e falando de tunas agora - de uma forma, como outra qualquer, de convidar X ou Y. Perfeitamente natural.

No entanto, essa naturalidade mais do que legitima, até, pode ser algo perniciosa pelo simples facto de - inconscientemente ou conscientemente, sempre casuístico - tornar refens os seus intervenientes de uma dada lógica, retirando a dado passo a noção de cortesia e retribuição e substituíndo-a por outra, que se pode resumir a uma espécie de "obrigação" ou "inevitabilidade"; regra geral, a cortesia da retribuição é perfeitamente sustentável, explicável e até facilitadora na organização de um evento; a prazo pode-se assistir a autênticos casos de "Sindrome de Estocolmo mas-ao-contrário" ou, se preferirem, a uma espécie de conforto mútuo: é sempre mais "quentinho" saber que se conta com os habituais A, B e C do costume do que "arriscar" a mudar, de ano para ano, cerca de 90% das tunas presentes. Já nem sequer abordo a legitima e tradicional clausula regulamentar que nos indica, em N eventos, que "a Tuna vencedora desta edição está automaticamente convidada para a próxima".

Nem só se suporta esta noção em razões meramente de cortesia ou conforto, casos há que até por razões económicas e/ou outras até, se assiste a este carrocel; aí, caberá aos intervenientes a explicação para tal e caso a caso, seguramente. Não menos certa será a noção - derivada da anterior - que, em muitos eventos, se repetem ano após ano, o grosso da coluna dos participantes, mudando-se uma ou duas aqui e ali e pouco mais.

Certo, certo é que, e pela óptica do utilizador, a repetição constante de cartazes ano após ano é, no minimo, estranha e até, em alguns casos, caricata. Provavelmente para uma qualquer pessoa que, fugazmente, assiste a um dado certame, nem se apercebe de tal. Outros haverão que, espectadores regulares, apercebem-se disso mesmo, ainda que no final todos saiam contentes - espera-se - com o espectáculo. Não menos errada será a noção de que, para os aficionados que conhecem o meio e vêm vários eventos, já lhes bastará a não renovação de reportórios, que fará serem sempre as mesmas ano após ano. Bom, dirá o organizador: "desde que a casa encha....". Perspectiva legitima. Tão legitima quanto a constatação da repetição, vamos convir. Ás tantas, concluí-se que a legitimidade e direito inalienável do organizador poderá ser, a prazo, uma das causas para que 1º) outros eventos ganhem maior destaque e interesse face ao seu e 2º) uma das causas principais para a emergência do desinteresse em torno do seu próprio evento por parte do público, mesmo sendo o "seu" público.

Que não seja mal interpretado: Em casa de cada um mandam os seus, como é óbvio e desejável que assim ocorra. Nem sequer se trata de beliscar esse direito inalienável. De todo. Acho muito bem que assim seja, eu próprio assim procedi quando fiz parte de várias organizações. Acontece que também sei e por experiência própria que muitas vezes escolher pode ser algo tão fácil - basta repetir - quanto dramático - basta variar. E variar implica escolhas, não inevitabilidades. Variar implica noção de timing, noção maior de evento, de espectáculo, de risco até, de alguma imprevisibilidade que só o conforto do óbvio e repetido retira - retirará, pergunto??? - ainda assim. Também sei - sabemos - que muito do óbvio ocorre por razões variadas, algumas até que nos levariam a outra "Aventura" bem mais picante e/ou polémica. Mas no que respeita ao essencial da questão, à base da mesma, aqui só há uma coisa a reflectir sobre: o evento de tunas é feito para público ver ou para tunas se espelharem entre si?

Repito, percebo, entendo e acho natural a cortesia da retribuição. Que fique bem claro. Mas depois de retribuida a cortesia, dever-se-ia - questiono - dar por finalizada a obrigação social ou, então, concluir que de cortesia em cortesia só muda a data e o local, constatando-se quase haver, ao fim e ao cabo, um mesmo certame mas várias vezes ao ano e rodando por vários locais? Bem sei que muitos dirão que quem organiza - pois há quem não o faça por variadas questões que também darão uma outra "Aventura" a seu tempo - tem um ascendente precisamente por força dessa disponibilidade, investimento e risco até. Entendo, também já fui, como disse antes, organizador. Mas curiosamente, constata-se que nem esse preceito é linear, muito pelo contrário, se repararem bem e olhando com olhos de ver. Ou seja, por aí, não se acha uma pretensa lógica, sequer; tunas há que não conseguem retribuir essa cortesia, sequer, mas mesmo assim, estão lá, por outras razões, a começar desde logo pela validade dos seus trabalhos. Qvid Jvris?

Não me alongarei mais sobre isto, termino dizendo o que francamente entendo sobre a questão nuclear: Falta clara e objectiva de certame de tunas enquanto noção de espectáculo, de evento com E grande, virado para o interesse maior do público. Por oposição, excesso de situacionismo, prevalência de facilitismo, medo do risco que organizar grande eventos de facto implica sempre, numa noção pouco ambiciosa de capelinha, de quinta, de coutada particular para caça associativa no deleite do proprietário só e apenas. Ou seja, a diferença simétrica entre uma Gala de Natal da TVI e os Óscares.

O carrocel está prestes a reiniciar-se, como todos sabemos. Legitimo, repito novamente. Mas também estão prestes a iniciar-se outros eventos, com clara noção de espectáculo, de evento, para o público essencialmente. Curioso, todos falam no público no final dos certames; poucos são os que se preocupam com o público de facto antes de ocorrerem. Cada um saberá, seguramente, de si. Sempre fui um acérrimo defensor da segmentação de mercado, logo, basta tal noção para que se perceba a questão de fundo.....

Comentários

Unknown disse…
Perfeitamente de acordo, caríssimo.
Percebo o que queres dizer.
Também gosto de convidar tunas que simultaneamente tenham valor musical e me digam algo, fora de palco.
No entanto, o público só vê o espectáculo em cima de palco e geralmente, em todos os certames, é um público fiel que, anos após ano, se senta no teatro à espera de ver um espectáculo bom e refrescante. O problema é quando se paga para ver o mesmo filmes duas vezes...
Se todos fizéssemos a nossa parte em nos renovarmos constantemente, para nosso bem e do público, talvez não fosse tão preocupante o carrossel de que falas.
Mas nestas coisas, cada um come do que gosta...
Um abraço e continuação de bom trabalho,

Adémia (TMUC)
Nuno Thyrs disse…
Concordo com todo o texto. Falta apenas dar uma ou outra "bicada" para apimentar ainda mais a mensagem (atenção que eu também concordo que os Organizadores convidam quem no seu entender enriquecerá o espectáculo e se quiserem convidar sempre os mesmos estão nesse direito)
Passa-se que há certas Tunas que apenas Convidam Tunas para os seus Festivais que possuam elas proprias grandes festivais. Não é uma regra geral, mas acontece e todos sabemos. E depois acontece o que disseste, o mesmo "espectáculo" está em exibição em várias salas do País ao longo do calendário festivaleiro, mudando apenas o anfitrião. Outra coisa que acontece muito, é as Tunas ditas de primeira linha (não gosto de tratar assim mas há que diferenciar a qualidade de alguma forma) não aceitarem o Convite para um Festival de uma Tuna digamos mais fraca (a não ser que se levasse o referido "espectáculo" completo). Estão no seu direito, concerteza, mesmo quando o festival em causa tem as mesmas ou melhores condições que os que eles frequentam. Fica a ideia de que só sabem tocar num determinado alinhamento de Tunas, e que se a tuna x ou y não estiver presente estarão a "descer de divisão"... No meu entender, as Tunas são livres (e ainda bem) de convidar quem querem, e de aceitar os convites que entenderem... Mas transparece do Mundo Tunae (para quem tem cada vez menos tempo, mas está cada vez mais atento) a ideia de que os bons Festivais de Tunas estão vedados a um determinado grupo de Participantes. Eu ainda gostava de ver alguém conseguir Organizar um Campeonato Nacional de Tunas :) Já que a ideia é competir... Realizar vários eventos (jornadas) com 2 ou 3 Tunas em que o mesmo Júri (ou vários Júris baseados em critérios comuns) iam pontunando, e no final ter 6 ou 7 Tunas para fazer uma "Champions League" Nacional. Ou grande final (tipo ídolos)... Que dizem? Se calhar a Final teria algumas Tunas que ninguém conhece :)