A Aventura da Troika Avaliativa....

Há em Portugal três tipos de certames e no que toca à parte avaliativa, conclusão que deriva da prática, do modus faciendi a que se assiste e no que toca aos últimos anos: Modelo 1, o certame que pura e simplesmente não tem nada que o sustente a esse nível, i.é, não tem itens avaliativos sequer e onde tudo acontece pelo livre arbítrio dos que compoem o jurado – traduzido para “tunolês” é o famoso “meia bola e siga prá frentex!”; modelo 2 e no pólo oposto os – poucos – que têm critérios avaliativos e os aplicam de facto seja com que composição de jurado seja e finalmente um 3º modelo que nos indica os que têm os tais critérios avaliativos de facto mas que depois não os aplicam no terreno no momento de, supostamente, os deverem aplicar. Dos 3 tipos, aquele que realmente será o mais pernicioso e por tal, totalmente desprovido de qualquer lógica causa/efeito será o 3º.

E é este 3º tipo que causa inevitavelmente maior confusão/alarido/contestação porque enferma de dois vícios processuais: Está à partida escudado numa pretensa seriedade – a existência dos tais critérios avaliativos – e depois ao não aplica-los de facto, chegados ao final o resultado prático consegue ser pior que no supra citado modelo “meia bola e siga prá frentex!”, onde obviamente tudo pode acontecer, como aliás, é “mato” ver-se. Ou seja, é este 3º tipo uma espécie de “concurso público à portuguesa” com a única diferença de que, aqui e chegados ao final, não haverá – vamos supor – resultados antecipados, antes uma espécie de “ao calhas” confinado ao facto de os critérios avaliativos ficarem debaixo do banco e se aplicar, pois, no final, os critérios de cada um, ou seja, o seu livre arbítrio/gosto pessoal/etc, não se regendo ninguém por coisa alguma excepto a sua vontade.

Os dois 1ºs modelos, nesse aspecto, note-se, são de uma brutal coerência, quer um quer outro, pois resultam de uma postura clara e nada ambígua logo à partida; Ora, sujeitam-se a ambos quem assim quer, pois assim eles são, completamente opostos entre si mas ambos coerentes no que toca ao tal modus faciendi: o 1º “está-se nas tintas” e o 2º é rigoroso, ambos desde o princípio até ao fim, o 1º no “nacional-porreirismo” o 2º na seriedade. Já o 3º modelo é precisamente o contrário, uma espécie de Porche Panamera mas com motor de 4L, potente por fora mas fraquinho por dentro. O que engana. Obviamente. Então se engana, que lógica é esta?

Parece, por tal, evidente, que não basta ter-se os tais critérios/itens avaliativos à priori, sendo que a não aplicação dos mesmos anteriormente propagados aos sete ventos resulta, na prática, em pura e simplesmente não os ter, ou seja, no resultado comummente visto no 1º modelo, com a diferença de, na aparência exterior, começar pela base do 2º modelo, ou seja, indiciar competência avaliativa e suas concretas consequências, quando no final ocorre precisamente o oposto.

Poder-se-á dizer que a coisa é levada muito a sério no 2º modelo. Até admito essa carga de seriedade. Mas tal só resulta pelo facto simples de que essa mesma seriedade avaliativa parte de quem quer passar essa mesmíssima imagem/conotação/prestigio ao evento e não de mais ninguém. Ora, assim sendo – porque a opção é de quem a toma, não dos destinatários da mesma – mais estranho se torna a existência do tal 3º modelo. Mal por mal, não se querendo dar uma excessiva carga de seriedade ao formato, então opte-se pelo 1º modelo: pelo menos está tudo claro antes, durante e depois.


Como nota prévia a toda esta questão: Não há modelos avaliativos 100% eficazes, nenhum o é e no que toca a tunas portuguesas – todas diferentes entre si – então, muito menos. Um jurado português tem pelo menos o dobro do trabalho (sendo um evento sério) que um jurado de certames só com tunas espanholas – muito mais homogéneas entre si do que no nosso caso. Bastaria só essa constatação para que todos optassem ou pelo 1º modelo ou pelo 2º. Estranho é quando se assiste, antes, à “aplicação” (entre aspas pois não acredito que quando tal ocorre seja premeditado sequer..) do tal 3º modelo. Parece-me este 3º modelo fruto muito mais de época, de circunstância pontual, de contexto, de laxismo puro e duro, do que propriamente de outra coisa qualquer. O que não invalida o resultado sempre pernicioso de tal “lógica”. Este 3º modelo é um efectivo perigo em si mesmo porque não é assumido, levado a cabo de forma assumida, antes o resultado de – e usando o “tunolês” – algo entre o “deixar andar” e o “que se lixe!”, sempre muito “académico” mas nada justo, sério ou até – e para quem o leva a cabo – prestigiante. Este 3º modelo é aquele que “enterra” um certame, tanto ou mais do que o 1º modelo (espécie de lotaria, basicamente, que por o ser, até pode andar anos a fio a correr lindamente, até ao dia em que deixa de correr bem, claro está.).

Repito: nenhum modelo avaliativo é 100% fiável, quem disser isso nada percebe do que estamos a tratar, sequer. Agora, que os há uns mais do que outros, lá isso há. Que os há uns mais coerentes que outros, também há. Que os há, uns, mais justo que outros, também haverá. Que os há, uns, que são modelos avaliativos de facto e outros que não são nada porque não existem sequer, há, claro que há. No meio disto tudo a malta vai é divertir-se e divertir os outros, claros que sim, sempre. Mas como nunca estigmatizei a saudável competição, no limite, espero que a existir a mesma ela seja coerente, sistémica, organizada, previamente publicitada, consequente, com uma lógica de causa/efeito, perfeitamente razoável e atendendo à especificidade quer de quem organiza quer de quem participa. Será, pois, o mínimo que se exige, havendo saudável competição. Aliás, essa salubridade competitiva só é suportada por força da inequívoca e lógica interpretação do que será o dito 2º modelo, que eu advogo, independentemente de qual seja (e há alguns até que são diferentes na forma mas iguais no conteúdo, criar efeito causa/consequência de forma sistémica, acima das cabeças das pessoas).

Recorda-se aqui alguns factos e sobre este tema em concreto: O modelo de certame que temos é importado do modelo espanhol dos anos 70, adaptado aqui e ali consoante os casos. A tipologia de prémios que temos é a mesma dos espanhóis, tirando um ou outro e acrescentando mais um ou dois, no geral, é a mesmíssima. Este nosso modelo tem tantos anos quantos os que decorrem do “boom” até hoje, ou seja, apanhou o comboio espanhol nesta matéria já ele tinha dado 10 voltas a Espanha com passagem por Ceuta e Melilla incluídos. Mais uma vez, por cá, não inventamos rigorosamente nada, importamos de lá para cá num copy/paste que apenas pontualmente teve e tem ligeiras alterações. Mais, já o modelo avaliativo espanhol de certames foi ele mesmo evoluindo ao longo dos tempos; o que era usado nos anos 70 foi já uma evolução do que era usado nos tempos das tunas espanholas do Franquismo, modelo muito mais rigoroso e que não admitia muitas das liberdades que mais tarde, nos anos 70, passaram a existir – e muito bem.

Outra coisa: O jurado deve potenciar o positivo e não amplificar o negativo, desde que este ultimo não seja para lá dos limites claros e impostos pelos critérios avaliativos, claro está. Procurar o bem feito e não “andar à caça” do mal executado. Tomar notas de tudo e mais alguma coisa pode não significar por si só uma avaliação correcta porque aí escapa-se a tomada de vista geral em favor do detalhe pontual. O jurado não pode vestir a pele do público pois não está nessa função; por outro lado, o jurado é jurado e não polícia. Deve o jurado imbuir-se num misto de espírito aberto com rigor avaliativo, sendo que espírito aberto não é “fechar os olhos” nem rigor avaliativo será estar com eles demasiado abertos. Deve perceber que lá em cima está gente que com trabalho, dedicação e esforço, tudo faz para agradar a quem o vê e escuta, sendo certo que a parte que cabe ao jurado é que “tudo” foi esse, como se insere no previamente pretendido e como é coerente ou não, para lá da execução em si mesma, obviamente. Note-se que falo aqui do que pretensamente é oferecido como sendo normal, aceitável e com propósito: já fui, enquanto jurado, “forçado” a fechar o livro porque manifestamente em nada adiantava ou atrasava mantê-lo aberto, sequer – e digo-o essencialmente com pena - precisamente porque à luz dos tais critérios avaliativos mais não me restou fazer.

A melhor forma de diminuir riscos e potenciar efeitos será sistematizar com lógica, sem excessos mas com regras claras e objectivas, todo o processo. Disse diminuir, note-se, não desaparecer. Uma das coisas mais ingratas da vida será um ser humano avaliar outro, por génese. Então, para quê complicar ainda mais, não se fazendo as coisas bem feitas, a tempo e horas?

Comentários

Eduardo disse…
Sem espinhas, caro Mestre.

De coisas que parecem sem ser estamos nós cheios - e a coisa também me toca cá por casa, com muita pena minha.

Pode ser que um dia estas belas adormecidas acordem. Esperemos é que não sejam precisos 100 anos...

Aquele abraço!