A Aventura da Distância Temporal...

Uma das questões mais complexas de gerir aquando do estudo do fenómeno prende-se naturalmente com a distância temporal,  seus constrangimentos, agruras, perda de visão ou pelo oposto vivência na 1ª pessoa, em suma, prende-se com o necessário e sensato ponto de vista isento, apurado e correcto que deve ter o mesmo estudo. Os Historiadores consideram que 30 anos será uma distância a verificar face ao labor, sensatez e resposta coerentemente objectiva que esse estudo deve capitalizar, sob pena de não o ser, de todo.

Assim sendo, o resultado prático aplicado directamente ao ressurgimento da tuna estudantil em Portugal estará ainda a alguns anos desse objectivo distanciamento, com tudo o que isso importa e significa no que se refere ao compilar documental, de vivências, comportamentos, tradições, etc, do fenómeno da tuna estudantil derivado desse dito "boom" de finais dos anos 80, inícios dos de 90 do Século passado. Estaremos quase a lá chegar pelo andar do calendário. Mas resta uma questão essencial: E pelo andar do devido e pretendido estudo objectivo da mesma época? Receio bem que não, por ora.

Os resquícios dessa gloriosa época estão, grosso modo, ainda vivos. As traves mestras da mesma estão ainda aí, na sua continuidade tão típica e tradicional de tuna, fomentando muitos dos preceitos de então, embora aqui e ali com roupagens novas ou distintas até. Alguns de então ainda por cá andam, de uma forma ou de outra, e já várias gerações se sucederam entretanto a si mesmas. Ou seja, os pontos de tomada de vista são necessariamente distintos, apesar de tudo. O contexto do "boom" - social, universitário, etc - já não é o mesmo, de todo e por si só explicaria grande parte do caminho percorrido de lá para cá.

A verdade é que - e no que se refere a estes 25 anos grosso modo - a noção de distanciamento temporal é extremamente interessante de ser analisada, até pelo advento - entretanto e dentro deste lapso de tempo percorrido - das ferramentas online, redes sociais e afins - que tornam o tempo em algo - principalmente nos últimos anos - muito mais denso a nivelo informativo, seja de boa informação seja de lixo informativo, aliás, a esmagadora maioria do que nos é dado hoje a ler em doses industriais, pelos PDA´s, PC´s , Tablets, Telemóveis e afins é basicamente, lixo, que contribui sobremaneira, para essa mesma densidade informativa, tornando tudo mais "vivido" em tempo real se for caso. No início do "boom", recordo, telemóveis eram um raro luxo e Internet uma coisa ainda mais rara; a informação tuneril era muito mais lenta, não em tempo real, muito menos densa e por tal, muito mais objectiva quer quanto à forma mas essencialmente no que toca aos conteúdos. Hoje, em qualquer rede social um jantar de uma tuna é acontecimento para 50 "like´s"; antes, um jantar de uma tuna era um mero jantar dessa mesma tuna, só dele sabiam os seus comensais. Antes, então, os resultados dos festivais de fim de semana eram conhecidos pela rádio ao Domingo à noite, aumentando a expectativa; hoje, está o speaker em palco a anuncia-los e estão online no mesmo momento, "chapados" via PDA....

Não estranha, por isso, a ideia de que a noção de tempo hoje é algo distinto da noção de tempo de então; outros tempos, dir-se-ia. Contudo, quando é o número de "like´s" e visualizações de determinada "notícia" a dominar as atenções em catadupa, a essência daquilo que deve ser notícia de facto perde-se nesta imensa densidade e quantidade de "informação" que nos é debitada a todo o instante. Antes, a notícia sobre tunas dos anos 90 estava, por essa razão, muito mais próxima daquilo que é realmente NOTÍCIA do que a imensidade de coisas que são postadas online hoje; Nesse aspecto, há 25 anos atrás estávamos muito mais perto da Notícia tipo 1900 ou 1888 do que da "notícia" de hoje no Facebook onde a Tuna XPTO anuncia ao mundo virtual, com pompa e circunstância, que adquiriu uns ferrinhos para incorporar no seu património.

E é dessa mediatização que decorre a constatação de distancia temporal hoje e a que havia antes; necessariamente, com tanta dose informativa por dá-cá-aquela-palha, actualmente um ano equivale a cinco no que toca a este aspecto. Nada de critica, apenas de constatação de facto.Assim, o tal distanciamento temporal que o estudo objectivo necessita torna-se, curiosa e sintomaticamente, mais complexo, difícil e por conseguinte, mais moroso, como será bom de ver. Se antes a dificuldade seria achar fontes documentais credíveis por falta delas, hoje - e fazendo uma antecipação - será difícil encontra-las mas pelo motivo oposto,demasiada informação e mais ainda, demasiada dita informação que dela pouco ou nada tem.

Restará, a quem daqui a uns anos, se predispuser a estudar esta época em concreto, um trabalho árduo mas agora de seriação e escolha minuciosa entre o que realmente é importante e o que não o será de todo, no que toca à caracterização, documentação e tratamento de facto de tudo o que esta época em concreto abarca(rá). A ver vamos.

Outro facto curioso: Se a distância temporal, quanto a esta época, "obriga" a espera sob pena de sair asneira, não deixa de ser curioso que muitas vezes, a quente - e por força dos meios electrónicos que hoje estão disponíveis - se perca e pelo menos durante uma semana essa mesma noção: quantas vezes, após o evento X ou Y não se dá uma catadupa de informações de todo o tipo e feitio, onde das mesmas o historiador previsível daqui a uns quantos anos nada ou muito pouco irá retirar de efectivamente pertinente. Passada essa semana, o tema morre, caí, até ao próximo.....

Finalmente: Alguns pensam ter "feito História" ainda no decorrer da vida da mesma; provavelmente estarão redondamente enganados...

Comentários

Eduardo disse…
É só um problema de perspectiva ou de seriação das coisas.

Como hoje tudo pode ser registado sem que faça muitas cócegas ao computador, tudo fica registado como se não houvesse amanhã.

"In illo tempore", em que não havia tantos meios de registo - e os que havia eram caros e limitados -, tinha de se fazer uma triagem do que era realmente importante e do que o não era. Naturalmente, muitas vezes essa triagem acabava por deitar fora o bebé com a água do banho, como se costuma dizer.

No entanto, actualmente o que é importante acaba por ficar afogado num mar de banalidades. Como acontece, aliás, com a própria Internet: há tanta, tanta, tanta informação que acaba por ser contraproducente.

Bem vistas as coisas, se calhar a "ditadura dos 400 caracteres" até nem é um mal.
Marta disse…
O Eduardo já focou o essencial.
O "tempo" tem uma simples diferença: enquanto que os registos, anteriormente, eram poucos (tanto por força da separação entre trigo e joio, como pela dificuldade de acesso às teconologias), actualmente são demasiados.
Os 420 caracteres, a que já te referiste e bem por este espaço, vieram trazer um acesso rápido e quase in loco à informação, mas também vieram trazer a dispersão da mesma. Prós e contras, como aliás, sempre houve!
A quem se dedicar ao estudo das tunas daqui por uns... sei lá... 100 anos, provavelmente terá dificuldade em chegar ao cerne das questões e à versão "fidedigna" dos acontecimentos, se esta efectivamente existir. Distinguir notícia de opinião será, quiçá, um dos maiores desafios com que os futuros historiadores se confrontarão.
Beijokas!
Eduardo disse…
"Distinguir notícia de opinião será, quiçá, um dos maiores desafios com que os futuros historiadores se confrontarão."

Nem mais, Marta.