A Aventura Orwelliana.....

George Orwell várias vezes me assalta as ideias em certas ocasiões, devo confessar. A famosa “Revolta dos Porcos” é uma obra soberba e sob vários pontos de vista. Mais engraçada se torna a recordação quando nos damos conta que estamos no “meio da revolução”. Sabemos que este livro narra uma história de corrupção e traição e recorre a figuras de animais para retratar as fraquezas humanas. Não vou tão longe na analogia, resumir-me-ei ao essencial da ideia.

Há situações que, pela sua alta dose de indecoro provocam – aparentemente – uma sensação de vergonha, daquela que faz corar a mais casta das virgens ao ver o moço da Coca Cola ás 4 da tarde pela janela do seu trabalho. Há coisas que são efectivamente surreais, o twillingth zone no seu esplendor e digno da imaginação fértil de Hitchcock, o postulado da javardice, a balda elevada à condição de ciência, a tentativa absurda de justificar o injustificável. Bem sei que só alinha “nisto” quem quer. Nem sequer contesto tal. O que não invalida a análise da situação em si, como se calculará. Mas voltemos ao assunto substantivo.


Pior será quando essa suposta “vergonha” é-nos induzida – na forma tentada - por terceiros que, ou com manifesto dolo ou desprovido dele mas com néscia participação opinativa – porque definitivamente não habilitados à função que lhes foi confiada – acabam por tornar evidente o óbvio, dado o disparate e nonsense em que caem, provocando, assim, o efeito oposto ao supostamente pretendido. Por aqui, nada a dizer-se, até. Já se viu este filme noutros sítios e em outras ocasiões.


Poder-se-á sempre perguntar “então e porque foste se já sabias ao que ias?”, certamente. Ora, a pergunta pressupõe desde logo que tenho razão, caso oposto, não se colocaria a mesma por despropositada: Ou seja, existe clara e real incompetência latente e até inocente, no limite o perigo é sempre real por essa mesma razão – e mil vezes a incompetência inocente do que a maledicente. O facto de se ir ainda assim apenas pressupõe que haja uma mera e simples vontade em tocar e cantar, conviver, contribuir para um espectáculo apenas e só, por nos ser útil até – “rodar” gente nova e por aí fora: caso assim não fosse estaríamos perante um case study sadomasoquista e felizmente, tal não se coloca por desnecessário: foi consciente. Afinal, o que realmente importa nunca é posto em causa, felizmente. E não foi, de todo (e muito menos neste caso em concreto). Mas o facto do essencial não ser colocado em causa, tal não anula, escamoteia ou disfarça o resto, tenha sido o resto… o que tenha sido.


Dito isto:

Ainda antes da “Revolta dos Porcos” se iniciar já se prognosticava o que iria acontecer. Aqui, uma questão surge logo: Porquê? Mania da perseguição? Vitimização? Tentativa de auto-absolvição? Poderes supra naturais? Não. Simples constatação de jure: Já nos vimos nestes preparos antes – algumas, poucas vezes – e sabíamos que poderia acontecer; não faz muito tempo tentaram atirar-nos para um cais cheio de lodo. Inútil.
Já devíamos saber, dirão Vªs Mercedes. E sabemos. Sabíamos. Mas o que nos move é saudável, que fazer? Fomos, mais uma vez, cientes sim dos riscos, mas dentro da mais cordial e saudável postura, tranquilamente, com aquela tranquilidade só possível a quem está seguro do que é, do que faz, como o faz e porque o faz. Afinal, que de pernicioso tem tal postura? Até dizem por aí que alguns têm medo “de baixar dos seus pedestais” (citei) mas volta e meia, lá acontece. Pronto. Porreiro. E daí?

Mas depois do sucedido, ainda assim, fiquei com a convicção clara de que é dar pérolas a porcos, aos tais da Revolta de Orwell, porque de facto – e com muita pena constato – há dentro deste mundinho, pequenos outros mundinhos, quintas, coutadas mais pequeninas ainda, onde quem chega a elas e delas não é, dificilmente é sequer compreendido, que fará o resto. Deve ter sido por isso que a dada altura em palco senti estar numa jaula de zoológico. Aquilo que fazemos de facto – afortunadamente – nada tem a ver com a “Revolta dos Porcos”. Há que o dizer. Mas também vi e senti quem gostasse dos animais que estavam a ver e a escutar. Talvez porque não fossem da costumeira e conhecida Quinta tão bem retratada por Orwell….

Coroando em beleza tudo isto, eis a prova inequívoca de quem tem tranquila e objectiva razão: Somos premiados precisamente no único apartado possível onde nunca poderíamos ser objectivamente premiados porque tal é fisicamente impossível – dado não termos e desde sempre qualquer peça instrumental. Touché. K.O. Técnico. Duas orelhas cortadas ao bicho – porco, certamente – e duas voltas à santíssima arena com direito a grunhidos e tudo, de fazer corar o grande Silvério Perez.

Há de facto, divisões nas tunas, dois mundos tuneris completamente distintos e até antagónicos: o da competência tranquila mas com voz firme e o da bandalheira do garrafão de tinto, dos confetis disparados e do malho a arrebimbar. Mais, conclui-se – e não sendo nada pessoal contra ninguém, nem contra nós sequer, admitimos – tratar-se claramente e acima de tudo de uma divisão de formas de estar, uma clivagem ideológica tremendamente abismal, que obviamente por um lado penaliza – e penalizará, não tenhamos dúvidas – sempre a competência musical que regra geral é acompanhada do saber Ser-se e Estar-se, por oposição a uma outra forma de estar que eleva o banal, o fácil por escandaloso, o circense por inaudito misturando a alegria da juventude com a boçalidade do liceal, patrocinando o chocante e bizarro porque é “académico” (sic) e tuna que é tuna diz asneiras ao micro, solta uns veryligths e leva uma galinha para palco que isso é que é de valor, cara**o! São esta “casta” a malta que ataca livros que nunca leu, p.ex. e que mede a sua tuneril actividade pelo número de barris que esvazia no menor espaço de tempo possível. Um Clássico, portantossssss…!!!


Apesar de tudo, gostei. Gostei do que fiz, que fizemos. E do que ouvimos das pessoas também, as anónimas, aquelas que lá vão ver sem grandes pruridos estéticos e apenas e só pelo gozo e fruição musical. Aquelas que vão de ouvidos limpos, vá. E o que o que nos disseram, algumas delas, é elucidativo e atesta da razão. É o que faz valer a pena, apesar de tudo. Ia lá outra vez. E fazia-se rigorosamente o mesmo que se fez. 100 Vezes seguidas. Não troco as minhas convicções e certezas por presunto algum, mesmo que seja de um dos Porcos da Revolta. E se fosse eu a mandar – felizmente não sou….. – tinha devolvido o toco que nos deram e que veio apelidado de presunto; motivo: Erro no destinatário. A chatice é que provavelmente não iriam perceber a mensagem…


Por falar em presunto, deixo-vos com os mandamentos dos “inteligentes e letrados porcos” da fazenda romanceada por George Orwell e perceberão, com mais propriedade, a tal clivagem estética que falo acima. De facto, é impossível conciliar o inconciliável. Lendo abaixo só não concordo com o ponto 5 e não entendo o ponto 7, fora esses….


1. Qualquer coisa que ande sobre duas pernas é inimigo.
2. Qualquer coisa que ande sobre quatro pernas, ou tenha asas, é amigo.
3. Nenhum animal usará roupas.
4. Nenhum animal dormirá em cama.
5. Nenhum animal beberá álcool.
6. Nenhum animal matará outro animal.
7. Todos os animais são iguais.


Para os mais atentos, estas “cenas” são sempre estranhas mas explicam-se com muita facilidade. Obviamente. Porquê? Porque sabem o que a casa gasta. Logo, percebem à 1ª o sucedido. Para os maledicentes do costume fico grato por constatar – mais uma vez – que povoamos tão doentias mentes. Aos mais desprevenidos, bem aventurados sejam na sua leviandade: é que mais tarde vai saber muito melhor.




Comentários

Eduardo disse…
E só falta o acrescento que os Porcos fizeram ao 7.º mandamento, assim que se instalaram no poder:

"Todos os animais são iguais... mas alguns são mais iguais do que os outros."

"Animal Farm" - "O Triunfo dos Porcos". E o ainda mais elucidativo "Mil novecentos e oitenta e quatro", do mesmo mestre. O paraíso onde o Ministério da Verdade se entretinha a reescrever constantemente a história, para que esta batesse certo com a realidade vivida em cada momento.

Ele há tunas em que o Grande Irmão é uma realidade e o Ministério da Verdade reina em todo o esplendor.

A memória "is a bitch", como expressivamente dizem os gringos. E incomoda mais que um empalamento a sangue-frio.

Abraço!
Eduardo