A Aventura do P.R.E.T. - Adagietto

Adagietto.


Tuna Medicina do Porto


"A Tuna portuguesa passou por vários estádios condensados em "modas" tão efémeras quão interessantes (umas mais, outras menos) bem como por vários pontos de vista (musical, estético, etc) que a enriqueceram e/ou empobreceram/agrediram".



Tome-se - à laia de introito - como referência a segunda metade dos anos 80, principalmente o seu final e passagem para os 1ºs anos da década de 90. Como hoje parece evidente, a diferença para os dias de hoje e a vários títulos é gritante; musicalidade, estética musical, influências externas, trajar, instrumentos apresentados e por aí fora. Mas como se chegou até hoje e desde então?


Parece evidente que, dando-se o "boom", a mimetização e/ou imitação foi o fio de prumo seguido por quem ia timidamente surgindo - e à falta de outros faróis - (verifique-se o nº de tunas fundadas entre 1989 e 1992, p.ex.). Mimetizaram sobretudo estéticas, comportamentos, rituais quase tribais no funcionamento interno e também no relacionamento com e entre as congéneres - o que faz concluir que muito de bom e de mau feito foi por imitação e não por convicção ou autoanálise comportamental; aliás, nesse tempo pensava-se a tuna uns 5% deixando aos restantes 95% a parte mais engraçada: a da experimentação no terreno.


Quem imitou só poderia fazer tal de acordo com o que já existia então. O que já existia então, por sua vez, foi recolher - como demostra p.ex. o "Qvid Tvnae" - as suas bases genéticas essencialmente ao único modelo que conhecia - e mal - que era o da tuna espanhola (já largamente dissecado em "Aventura" anterior). Ora, se quem imitou foi imitado só se pode concluir que, de imitação em imitação, se foi alterando, adaptando, aqui e acolá algo, seguramente mas deixando sempre a matriz e paradigma intactos, mesmo não o sabendo: a tuna espanhola.


As adaptações de temas espanhóis com letras em português então em voga, principalmente nas tunas do Porto, provam tal cabalmente. O que, sendo adaptações, pressupunha desde logo a consciência nítida, clara e pacificamente aceite da influência da tuna espanhola. O que não acontecia com aquelas que seguiram a inflexão errónea - igualmente por ignorância - de que "tuna que é tuna só toca musica popular portuguesa" (nada de mais errado....), pressupondo tal a rejeição liminar da tuna espanhola, pensando-se quiçá que tal inflexão seria um exercício de patriotismo imperioso, quando não se colocava então essa questão (nesses anos já se podia atravessar as fronteiras sem grandes complicações e o relacionamento Ibérico era grosso modo igual ao de hoje). Por outro lado, já então a procura obstinada de uma qualquer identidade nacional - ou parecida a - levou a erros colossais na interpretação geral e na panorâmica global do fenómeno. Foi por força dessa procura do descolar dos outros que se caiu no disparate; então, recordo novamente, fazia-se muito e pensava-se pouco sobre a tuna, que fará procurar traços nossos na História que só hoje, em pleno Século XXI, vê a luz do dia naquilo que é o seu grosso da coluna.


Depois os polimentos dos egos e bairrismos fizeram o resto. Para somar a todo este cenário temos a Praxe a intrometer-se na tuna portuguesa, através dos seus ditos "organismos de regulação (!?) e representação", coisas tão novas de 20 anos quão sinistraso que ocorre primeiramente por duas ordens de razão: contexto sociocultural da época (ler "Aventuras" anteriores) e sobreposição de actores - quem funda tunas nas universidades então são os mesmos que estiveram na recuperação das Tradições Académicas. O que configura aquilo a que se chama um acidente, uma coincidência e não uma fatalidade obrigacionista mutua.


Os pins, os emblemas na Capa, a disposição erecta em cenário, o Festival de tunas e os prémios a atribuir, o pasacalles (e aqui uma palavra de destaque pois o pasacalles está para a tuna portuguesa como Gibraltar está para os espanhóis; não é nosso mas fazemos de conta que é - nosso entenda-se "tuga" porque de tuna é tão nosso como dos espanhóis, como a tuna o é, aliás), o tocar na rua e subsequente peditório = parche, a organização interna da tuna, o instinto migratório da tuna (algo geneticamente da tuna e que se manteve virgem a todo o tipo de influências exteriores como sendo a Praxe, p,ex,), os apadrinhamentos e irmanamentos entre tunas (aqui, ao contrário do pasacalles, não vingou esta tradição da tuna espanhola no seio da nacional), etc etc. Ora, conclui-se que o que sobra é francamente pouco no todo, na generalidade do que é a tuna.


A Praxe, por muito que custe a muitos, pouco ou nada tem a ver com a tuna nacional; como disse antes - e largamente provado pela análise da história da tuna e da Praxe portuguesa - uma coincidência temporal não é, de todo, uma inevitabilidade e muito menos será algo interdependente: A tuna em Portugal é muito mais antiga que a Praxe. Ponto. Está cabalmente provado. Logo, nada que é anterior ou mesmo externo a pode estar dependente/subjugada a algo que apenas partilha os seus actores. E a partilha dos seus actores não obriga a nada: Um bombeiro pode ser tuno e por força disso não pode deixar de apagar fogos pelo simples facto de ser estudante (???) universitário. Mais, pelo simples facto de ser tuno. Mais: que tem uma coisa a ver com a outra?


Regressemos atrás: da adaptação do tema espanhol passou-se ao tema clássico como moda, ou na voga - e então poucos saberiam porque razão é legitimo e historicamente provável que a tuna estudantil interpretasse temas da musica clássica, sempre presente na historia da tuna, seja onde seja, por força da influência quase que diria magnânima da Estudiantina Figaro - onde quem sabia tal voltou a tocar os mesmos; logo, as existentes tunas - quase todas - então começam a tocar temas clássicos. Foi fatal como o destino, diria até. As outras que foram atrás do errôneo modelo M.P.P.T. (musica popular portuguesa tuneril) continuaram; curiosamente (ou não, quanto a mim, não, de todo) são hoje as mesmas que inflectiram, quase todas, para o modelo a que chamo "normalizadamente tuneril". Os reportórios foram-se refinando, alterando, mutando. As posturas também em determinados pontos; noutros ainda hoje, de todo, estão inexplicavelmente cristalizados. Começam a ver-se as 1ªs Capas de tunos a despirem-se da panóplia de emblemas e pins, por ridiculamente ostensivo, e começa a fazer alguma escola essa postura: o símbolo da tuna apenso na Capa de forma isolada começa a ganhar terreno face aos corriqueiros "exames de Código" que não deixavam ver a o negro da Capa, mesmo quando o seu portador se encontra trajado fora do âmbito tuneril, revelando 1º) orgulho na sua instituição e 2º) alheamento e/ou distanciamento face à "manada estudantil praxista". Inconscientemente, uma postura adoptada mais próxima da génese tuneril do que qualquer outra estética/movimento adjacente e/ou coincidente no tempo e espaço.


Da musica clássica - tão de tuna - passou-se a sonoridades mais quentes como sendo o Bolero, a Bossa Nova, musica africana (Cesária Évora, etc), tendência que acompanhou a moda da "sul-americanitis" nas tunas espanholas de então, que por cá se fez também sentir - é evidente que tunas com carisma forte e qualidade elevada então como Medicina Múrcia ("La Banda" como exemplo paradigmático), Deusto Bilbao, Universitária Oviedo e outras deixaram e deixam ainda hoje marcas consideráveis nas tunas portuguesas) - marcando uma sub-época do "boom" que deixou as suas marcas. Tunas portuguesas houveram que produziram boleros originais (letra e musica) por exemplo ("Sonhos" - anTUNia, um dos mais conhecidos exemplos). A par desta abolerada moda também a dos temas para solistas e potenciando vozes de tenor que marcaram uma época (Zé Costa - TUP; David -TUM, Mário Fernandes - TUIST, Luís Marques - AnTUNiA, entre outros). Os temas exclusivamente instrumentais marcaram esta época também e mais uma vez por força do modelo espanhol ("Dança Húngara nº 5" - TUM; "Marcha Turca" - TUP, "Eine Klein Nachtmusik 1º andamento" - AnTUNiA; "Carrascosa" - TAULP e TEUP, entre outras).


A par de tal movimento acima surge também o da recuperação de temas - eternizados por vozes únicas como Tomás de Alcaide, Luis Piçarra, Loubet Bravo, Tony de Matos, Alberto Ribeiro ou Francisco José, p.ex. - portugueses dos anos 30/40/50 e 60, clássicos de sempre que fizeram fulgor nas radiotelefonias primeiro e, depois, no advento da televisão em Portugal, muitos deles nascidos na cinematografia nacional ("Azul" do filme "A Menina da Rádio" pela TUP, "Tudo acabou entre nós" ou "Á Beira-Mar" pela TMUP, "Ai como é Bom Gostar de Alguém" pela Oportuna, "Cartas de Amor" pela TAULP ou ainda "Fado do Estudante" levado à nausea por várias tunas nacionais, então, etc, entre outros temas). Esta recuperação destes temas clássicos portugueses da musica ligeira, perdidos muitos deles no baú dos tempos, revela-se ainda hoje importante na influência exercida na composição e até (a pouca) criação musical original que vai havendo, hoje. Foi este um dos legados maiores desta época dado à tuna e depois devolvido pela mesma.


Obviamente que se produziram temas originais neste lapso temporal - desde logo os ditos "Hinos" da tuna, alguns deles reptos em resultado de apadrinhamentos, p.ex. - TAULP e Tuna de Letras da U.P. cujos "hinos" são resultado directo das provas de apadrinhamento feitas às mesmas - e outros tipos de originais, entre temas para solistas, instrumentais, os atrás citados boleros e por aí fora. Os que seguiram a linha mais M.P.P.T. criaram também eles os seus originais nessa mesmíssima linha, também desdobrados em específicos para solistas, instrumentais, etc e que criaram uma escola e deixaram raízes profundas no dito reportório nacional (algo que carece de estudo mais aprofundado) como sendo "Aguas do Dão" - Infantuna; inúmeros da EUC (dispensando enumera-los por sobejamente conhecidos), FanFarra de Coimbra idem e só para citar alguns.


Não se pretende renegar e muito menos desvalorizar seja quem seja; contudo, no mérito da criação artistica que tivemos nesta época - agora nem de perto, nem de longe temos algo parecido, sequer - não se pode descurar as motivações que estão na base da mesma criação. E nesta época que se analisa, claramente se pode afirmar que algumas dessas motivações são baseadas em falsidades/erros históricos/aproveitamentos bairristas. O resto será de fácil aferição: Basta ver quem tocava o quê, ontem e o que toca hoje e a prova dos nove está naturalmente feita: A vertente mais universal e logo, mais tunerilmente fiel aos preceitos históricos vingou, claramente. A vertente M.P.P.T. ficou relegada para 2º plano na sua intenção primeira, que seria impor esse modelo á tuna nacional no seu todo como sendo o único modelo a seguir para nos, pretensamente, distinguirmos dos espanhóis. Nada de mais falso por absurdo e até desnecessário; Hoje, está claro.


Ainda nesta fase concreta em apreço começamos a assistir ao advento de fenómenos que, após 1995, se mostraram mais agressivos e que são, quanto a mim, resultado directo de uma terrível insatisfação estético/musical que pressupôs a procura incessante de alternativas musicais face às congéneres, por força do apelo festivaleiro/competitivo. Se nos trouxe tal desiderato muito de bom, seguramente, também nos legou o pernicioso efeito que se resume a uma ultrapassagem do paradigma Tuna feito de forma descarada e com apenas um objectivo, a premiação; Se assim não tivesse sido, essas ultrapassagens já há muito que teriam feito efectivamente escola e deixando legado forte, duradouro e eficazmente real. Ora, tal não sucede, deixando esses fenómenos no patamar que realmente ocupam: modas temporalmente definíveis e balizadas que, como tal, desaparecem como aparecem.


Não é possível - dada a proximidade temporal - aferir da verdadeira, real e efectiva importância deste período entre 1985-1995. O que se pode, claramente dizer é que foram dez anos onde cada seis meses valeram por uma década no que toca à sua intensidade, vivência, produção e processo de "tentativa»erro»tentativa»", condensando toda a vivência dos universitários de então a ponto de nem sequer se permitirem, hoje, qualquer um deles, tunos de então inclusive, a um simples exercício: admitir que antes havia tunas em Portugal e o que se viveu foi tão pejado de erros quão vivido anacronicamente. É hoje facilmente comprovável que o período do "boom" foi tão único quão fantasioso. Terminou tal viagem a Nárnia com o "Effe-Erre-Yá", sintomaticamente: Nada voltou a ser como foi, para o bem e para o mal.


Por essa mesma razão se explica a imensa dificuldade em se dizer aos Tunos de hoje que, afinal, o Pai Natal não existe. Carece de mais abertura de espirito critico que, manifestamente, não existe. A começar pelos tunos de então, que fará os de hoje. Não, Tuna nada tem a ver com a Praxe; apenas um dia se cruzaram, algures. Coincidências, não factos.

Comentários