A Aventura do P.R.E.T. - Andante

Andante







"A Tuna nacional foi paulatina e lentamente ignorando neste período a influência da tuna espanhola na sua própria cultura, o que, na procura sedenta da sua própria identidade, 1º aceitou-a timidamente, depois olvidou-a e mais tarde, em certos meios, hostilizou e/ou ridicularizou a mesma"




"La Hechicera en Palácio", 1950. Celia Gamez, então figura de proa do music-hall espanhol, interpretou um magistral fado-marchiña do maestro José Padila que fez furor e tremendo sucesso na Espanha Franquista de então. Esse tema começava assim:



"Somos Cantores de la tierra Lusitana, traemos canciones de los aires e del mar….."




Sim, é aquele tema que todos conhecem e que sempre tomaram como sendo "nosso", português, do mais genuinamente lusitano quiçá, até como popular "tuga" foi anunciado Urbi & Orbi. Este é um paradigma de que como um mentira repetida vezes sem conta pode vir a configurar uma "verdade" quase na antecâmera de um dogma inquestionável, incontornável e incontestável. 1950. Portanto, 35 anos - mais ano menos ano - antes do "boom". Referencio igualmente os discos em vinil da Tuna do O.U.P. onde, nos idos de 60 e 70 (reedições) se poderia escutar temas clássicos da tuna espanhola como "Clavelitos" ou "Fonseca".




Usemos a timeline - tão em voga - para ilustrar a realidade dos factos e , ao mesmo tempo, arrasar mitos: Nos anos do Franquismo, Tunas havia em Espanha com actividade intensa, mesmo que controlada pelo S.E.U. da Falange. Após a queda de Franco (1975) a tuna espanhola saiu do espartilho ditatorial anterior e torna-se mais democrática, formando então muitas mais tunas, agora livres para fazerem o que bem entendiam sem terem de dar satisfações superiormente (como hoje é, felizmente, cá e lá). O primado da Democracia trouxe os "Grandes Certamenes" (vide "Qvid Tvnae") e, claro, a expansão do fenómeno aquém e além fronteiras espanholas. Sendo nós vizinhos torna-se fácil perceber que, olhando na timeline, ainda aqui estávamos fossilizados e já eles tunavam a bom tunar, com tudo o que isso implica. O "Gente Joven" emitido em sinal aberto pela T.V.E. ia sendo captado do lado de cá, uma novidade, dado o aumento de potência dos retransmissores espanhóis. Captado e assimilado por cá, não somente visto; muitos portugueses viram uma tuna - fosse qual fosse - pela 1º vez na vida neste concurso televisivo espanhol.



Ora, o atrás mencionado - factos, portanto - contextualiza claramente o "boom" ou ressurgimento da tuna portuguesa. Desta vez, fomos buscar o único modelo que conhecíamos - e mal - de tuna, não percebendo então, sequer, que tínhamos um modelo português de tuna, por assim dizer - transição Século XIX/XX - ao qual muito pouco ou quase nada fomos beber, por mais prático mimetizar o que estava á mão, vivo, á nossa frente, modelo apelativo, cromaticamente alegre, musicalmente extasiante, fácil de reproduzir porque portátil, efusivamente alegre por subsidiar a jovialidade, o balsamo da Liberdade elevada ao cubo onde quase tudo nos era permitido porque tocávamos, cantávamos e fazíamos cantar e dançar os outros. No "boom" copiou-se isto e não o modelo de tuna português por tradição, desconhecido, no baú enterrado, bafiento e tão "morto" quão o Latim está. Objectivamente, nem poderia ser de outra forma, vamos convir.


Por todas as razões, factos, atrás apresentados, resulta néscio dizer-se que a Tuna espanhola não nos influenciou nem em nada tem a ver connosco. Não só é néscio como desonesto, conforme se pode facilmente verificar. A Tuna do "boom" vai, pois, beber influências e estéticas à tuna espanhola, cruzando com isso a coincidência descrita no Adagietto - os que fundam tunas são os mesmos que estão, então, na lógica da Praxe e seus supostos "organismos". Praticamente todas as tunas portuguesas então tinham sido influenciadas pelas congéneres espanholas, umas conscientemente, outras veladamente ou mesmo sem o saberem, sequer: tocar de pé é algo eminentemente da tuna espanhola pós Guerra Civil, da tuna Franquista. Logo, se no "boom" todas as tunas nacionais tocavam de pé foram todas - directa, consciente ou inconscientemente - influenciadas pela postura do único modelo vivo que conheciam, então, o da tuna espanhola.



O facto de que, então, determinada linha houve a afirmar, querendo ir mais longe tentando provar aquilo que não é possível provar - que "tuna que é tuna, portuguesa, só canta em português" - outra houve que se foi socorrer no dealbar do único exemplo de tuna que se conhecia. As adaptações de temas espanhóis foram um facto incontornável no dealbar do "boom" fazendo uma ponte curiosa entre o que éramos (ou tentávamos procurar ser, melhor dito) e a tuna espanhola, ficando num meio termo sempre discutível - "Cielito Tuno" - TUP; "Imagens d´Outrora" - TAULP ou o acima mencionado "Estudantina Portuguesa" - EUC, entre outros exemplos e estaríamos aqui vários parágrafos a mencionar os mesmos.



A afirmação de uma corrente mais nacionalista - a que defendia que apenas cabe à tuna portuguesa cantar exclusivamente em português - teve por sua vez duas subcorrentes: uma mais moderada, que se limitou a seguir essa forma de estar, tão respeitável quão o é cantar em espanhol, seguramente; e uma outra profundamente radical que - e ainda hoje a mesma existe - afirma claramente que "só quem canta em português é Tuna", o que para lá do radicalismo em si (sempre perigoso) apenas demonstra falta de cultura tuneril, ignorância atroz sobre o que é a Tuna portuguesa até e mais que isso, um exacerbado exercício de patriotismo caseiro altamente inflamável - que tantas vezes apontamos aos espanhóis, curiosamente - e que facilmente se volta contra, qual "boomerang" cultural: Se assim não fosse então muitas tunas em Portugal, essas perfeitamente antiespanhóis ou estrangeiros em geral teriam resgatado, então, o modelo secularmente português de tuna e tocavam sentados, não de pé, p.ex. entre outros exemplos. Este é um dos problema de 1º) se ser "anti" sem se perceber que defender algo não implica atacar outros e 2º) de se julgar saber algo e desse algo nada se saber de facto: Um bom garfo, pelo mero facto de ser um bom garfo, nada percebe automaticamente de culinária; um bom tuno nada percebe de tunas apenas porque toca bem ou nela milita há 20 anos.



Resulta claro que certos sectores tuneris nacionais nascidos do "boom" e que renegam tudo o que for estrangeiro - mais espanhol, o que por si só é um assumir da diferença entre a tuna espanhola e outra qualquer existente, realçando, afinal, a importância dos espanhóis mas de forma indirecta por velada - assentam numa lógica que 1º) em nada respeita a tradição tuneril e 2º) pretendem ser como soi dizer-se "mais papistas que o Papa" ao pretenderem atribuir á tuna portuguesa um papel que não lhe cabe porque ocupado - e bem - por outros quadrantes culturais populares como os Ranchos Folclóricos, grupos de Musica Popular Portuguesa ou mesmo Tunas Populares ( e quem ler o livro de Alberto Sardinha "Tunas do Marão" provavelmente terá surpresas abismais a este titulo).



Conclui-se , por evidente, que o "boom" teve duas correntes, a que assumiu claramente a influencia espanhola e da sua tuna, obviamente umas mais influenciadas e outras menos mas sem qualquer prurido que à tuna não cabe e curiosamente, cumprindo com a tradição da Tuna de sempre - vejam os reportórios das tunas de finais do Século XIX/XX - na senda de que a tuna é, acima de tudo, uma forma de expressão musical como qualquer outra, universal na latinidade - e desde os 60, já nem isso conforme atestam as tunas holandesas - e outra que não só procurou renegar como diminuir até tudo o que não fosse português e, pior, tentando estigmatizar quem não fosse "como eles", o que é lamentável - e uma tuna portuguesa houve até, então, que truncou uma letra de uma tema brasileiro (??) para na mesma criticar quem não cantava em português, pasme-se; já nem falo no traje que enverga, espanholado quanto baste....


Tunas portuguesas houveram que neste lapso temporal não só cantaram em espanhol como por exemplo em Italiano - "Torna a Sorriento"- TUM - ou até mesmo em Francês - "Belle que Tiens ma Vie" - TUCP . Ora, não constou, então, que alguma reacção anti estrangeirismos existisse e face a estes dois exemplos - entre muitos outros que poderíamos dar com toda a facilidade - o que prova, desde logo, que o "problema" nasce apenas do lado de lá da fronteira, prova cabal do que é dito neste Andante.


Desde sempre a tuna portuguesa cantou em castelhano. Muito antes do "boom" já o fazia, as poucas que existiam assim o faziam. Analise-se os reportórios das tunas entre 1890 e 1920, para não ser maçador. Vejam o que elas tocavam. Vejam o que as tunas populares portuguesas tocavam, nas aldeias; não, não era o "Malhão", era a "Marcha Turca" de Mozart. Que não consta ter nascido em Boticas ou Vidago.


Note-se que de forma alguma se faz a apologia de se tocar assim ou assado, de todo. O que se diz aqui é outra coisa: que se pode, sem prurido algum, tocar na língua que se quiser, desde que tomadas as cautelas de bom senso devido nestas matérias. E diz-se também que de tuna é incluir e não excluir - como foi apanágio de alguns no "boom", numa atitude tão néscia quão tunerilmente errada; se então se perdoaria a ignorância, hoje já não; logo, advogar tal hoje em dia não só é néscio como mal intencionado.


É de tuna cantar em espanhol, como em português o é. Não nos cabe, Tuna, assumir papeis que não são nossos, nem historicamente nos coube tal ou alguma vez o fizemos, muito pelo oposto. Da universalidade da Musica resulta a inclusão - e nunca a exclusão porque apenas "são estrangeiros". "Clavelitos" é de tuna, da tuna e cheira a tuna; pode ser uma seca mas é-o. Não deixa de ser paradoxal ver, no tema "Estudiantina Portuguesa" que referenciei na abertura deste Andante, os espanhóis a cantar positivamente o nosso país….ora vejam a letra; não nos invadiram, que saiba. E sim, há tunas espanholas a cantar em português, não tanto como gostariam eles, vos asseguro - e não por outra qualquer patetica razão.

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