A Aventura da Reposição



Texto elaborado no âmbito do IV ENT.






"A “Tuna-instituição” e a sua evolução histórica. A instituição Tuna, tal qual a conhecemos hoje, com o actual modelo organizativo, é, porventura, resultado de várias modificações que a mesma foi sofrendo ao longo dos séculos, essencialmente nos últimos dois, dentro de contextos sociais, históricos e políticos perfeitamente delineados, bem como enquadrados em razão geográfica.

 Não se julgue, portanto, erroneamente, que a “Tuna-Instituição” actual é similar à de outros tempos ou então se manteve imutável ao longo dos mesmos, antes sofrendo várias modificações de carácter evolutivo. Daqui se retira de imediato uma conclusão evidente, que será a dificuldade em enquadrar historicamente, com datas mais ou menos precisas, a fundação de uma determinada Tuna, por exemplo, especialmente no caso espanhol e no último quartel do Século XIX, derivando desta dificuldade de enquadramento uma polémica “ad eternum” que se arrasta ainda hoje, que se centra na “descoberta” de qual será a mais antiga Tuna espanhola – debate esse que, grosso modo, anda repartido por Compostela, Salamanca e Alcalá de Henares com as suas Tunas Universitárias a “reclamar” - umas mais veementemente, outras menos - esse “estatuto”, para lá ainda da “intromissão” na contenda de outras Tunas, que reclamam créditos na mesma. 

Denota-se claramente por força da mesma polémica, que o foco da mesma se cinge a uma falsa questão por força da natural dificuldade em definir, ainda anterior à própria polémica em si, do que é de facto, uma Tuna-Instituição, uma organização com hierarquia definida, estatutos fundacionais e regras subjacentes, cargos com direitos e deveres dos seus componentes, etc. Tomemos então como exemplo a histórica Santiago de Compostela. Em 1996, escrevia no jornal “O Correo Galego” num artigo datado de 9 de Julho e a este propósito o jornalista e investigador Baldomero Cores, num trabalho de pesquisa onde podemos encontrar vários dados que nos permitem perceber a fragilidade dos dados para um correcto e exacto situar da fundação de uma dada Tuna, seja ela qual seja, a dado momento.

Diz o mesmo artigo e desde logo que a codificação das actividades da Tuna de Santiago em formas estáveis de organização constitui ao longo do tempo um tipo de participação extracurricular e extramuros dos escolares, inserido numa posição intermédia entre a Universidade e a sociedade Santiaguesa – e não somente na Universidade e sua particular vivência. É curioso que no dealbar do Século XXI se assista precisamente – e não pelas mesmas razões – à justaposição no surgimento de algumas tunas nacionais, que se colocam precisamente no ponto intermédio entre a Universidade e a sociedade em que se inserem e não somente resumidas à esfera universitária como ocorreu esmagadoramente no final dos anos 80, inícios dos de 90 do Século XX em Portugal e até mesmo em Espanha.

Mais adianta o autor e cito “ a actividade espontânea e informal, integrada por grupos primários de carácter efémero e circunstancial, dentro de formas de cumprimento de ócio, não sempre com a complacência das autoridades académicas e civis pelo menos quanto aos seus excessos, foi-se consolidando em formas mais estáveis e duradouras de organização social”. Mais diz Baldomero Cores e passo a citar “com o andar do tempo, a Tuna emerge como um grupo organizado para dar nascimento à Tuna-Organização, com alguns fins que exigiam uma ordenação interna capaz de constituir um grupo secundário, formal e organizado”. Para completar a noção atrás, refere ainda o citado jornalista que “como grupos de pares de idade e de formação ocupacional, a Estudantina estava vinculada por alguns mesmos interesses, sendo o lazer um dos móveis mais destacados.

Como grupo escolar universitário, pelo geral, a Tuna estava composta por alunos das faculdades da Universidade de Santiago, se bem que com excepções pois formavam também parte dela gente alheia ao estabelecimento, sobretudo membros precedentes dos últimos cursos do instituto, assim como algum que outro musico ou cómico, recrutados com o fim de reforçar a rondalla ou o espectáculo” (fim de citação). Curioso será denotar que – e também não pelos mesmos motivos ou intuitos – que o atrás descrito também se passa hoje em dia, pontual e devidamente identificável.

Diz o autor que “eram pares por razões biológicas e por partilharem os mesmos interesses de lazer”. Quando Afonso XII visita Santiago em Julho de 1877, a Tuna Santiaguesa apresenta-se pela 1ª vez com uma organização mínima, enquadrada com a importância do acto, transcendendo do puro lazer para cumprir com objectivos representativos e ainda políticos, o que era então uma novidade absoluta face ao passado, nomeadamente face à Estudantina do Entrudo de 1873, então somente uma comparsa estudantil, por tal, despida de preceitos organizacionais e fins claros e concretos na sua forma de representatividade social. 

Trata-se evidentemente de olhar os efeitos da organização, tanto da Tuna sobre a organização como ao contrário e é nesta altura que começa, noutras cidades universitárias, a surgir este preciso modelo formal de actuação, a “Tuna-organização”, com particular ênfase ao vínculo das Tunas do Porto e Coimbra ao modelo Compostelhano sobretudo na década de noventa do Século XIX, conforme afirma Baldomero Cores no citado artigo. Comprova-se assim, a forte influência dos escolares de Compostela na formação e criação de, pelo menos, pré disposição à formação de agrupamentos similares quer no Porto, quer em Coimbra, certamente derivado de dois fortes factores importantes que se complementam no espaço e no tempo: a proximidade geográfica acrescida de várias correntes migratórias derivadas do Caminho Português para Santiago.

Em suma, concluí-se que a influência espanhola nas Tunas nacionais não ocorreu somente nos finais do anos Oitenta, inícios de Noventa do Século XX mas também se situa em finais do Século XIX, inícios do de XX, embora aqui com traços mais ténues e não tão prementes, fruto de contextos históricos e sociais distintos a determinado momento (como por exemplo, o Luto Académico em Portugal). De referir de igual forma, que o conceito de Tuna-Instituição foi ele mesmo evoluindo, de acordo com as necessidades de enquadramento da própria noção de Tuna enquanto organização estudantil, bem como de acordo com o contexto social e histórico específico da Tuna enquanto fenómeno corporativista estudantil e de acordo com cada momento específico no contexto mais amplo do próprio movimento universitário nacional.

A “Tuna-Instituição” tomou em Portugal, na época do seu ressurgimento ou como ficou conhecido, na época do seu “boom” – finais dos anos Oitenta, inícios de Noventa do Século XX – o modelo espanhol de Tuna-Instituição misturando com esta outra noção, a hierárquica e simbólica derivada da Praxe Académica, que então ressurgia, tendo as Tunas sido uma das suas mais fortes expressões então. Ou seja, por um lado adopta um modelo organizativamente tradicionalista numa tuna escolar mas ao mesmo tempo, insere um prisma único que se desenvolve a partir da Praxe Académica portuguesa. Actualmente em Portugal assiste-se a um refinar pormenorizado dessa noção de Tuna-Instituição, por um lado, com agrupamentos assentes em lógicas organizacionais similares a associações juvenis e/ou culturais mas também a lógicas organizacionais assentes na manutenção da prática hierárquica tunante e tradicional, com regras derivadas de um contexto de vinte anos e que, em alguns casos, se mantém com sucesso.

Já em outros casos revela essa noção derivada da Praxe e importada para o seio da Tuna, revela dizia uma desadequação organizacional face aos tempos actuais – e cada Tuna é um caso específico – que o fenómeno vive, hoje, em Portugal. Esta noção Praxista de organização tunante, com vinte anos, deriva em realidades distintas; se por um lado é ela mesma e por si só o garante organizativo de uma determinada Tuna que não conhece e/ou reconhece qualquer outra forma organizacional no seu seio (ou por hábito, ou por tradição ou até por manifesta desnecessidade em o alterar), por outro lado assiste-se ainda que de forma ténue a uma alteração ou evolução mais consentânea com os actuais tempos (que não são os mesmos de há dez ou vinte anos atrás) na organização interna dos agrupamentos tunantes, sendo até vital esta matéria, hoje em dia, para a própria sobrevivência de uma qualquer Tuna.

As Universidades, Faculdades, Institutos, etc, hoje não apresentam a mesma disposição e abertura face ao que ocorria há cerca de dez ou vinte anos atrás, isto é claro. A importância que as instituições universitárias atribuem, hoje, às suas Tunas não é a mesma e tal reflete-se nos apoios (não) concedidos; logo, a estrutura organizacional de uma Tuna habituada desde sempre a apoios da sua “casa-mãe” terá forçosamente e face à nova realidade, de se adaptar também a nível da sua organização interna. Derivam de todas estas realidades outras tantas conclusões ou realidades actuais, que provocam uma espécie de adaptação ao meio dos agrupamentos tunantes de hoje.

Actualmente há tunas que definham claramente face à sua própria incapacidade de adaptação organizativa recorrente da realidade actual. Mas também deriva destas constatações, num cenário onde há cada vez menos Tunos de forma activa, uma espécie de “reciclagem organizativa” que acaba inclusivamente por fomentar o surgimento de agrupamentos tunantes não vinculados a qualquer instituição universitária e, por tal, com uma estrutura organizacional distinta do modelo com vinte anos, estrutura mais aberta, menos vinculada institucionalmente, mais próxima do modelo associativo juvenil e/ou cultural e por tal mais liberal e extensa, levando quase cem anos depois, paradoxalmente, a Tuna à noção organizacional entre a Universidade como conceito lato e o meio social em que se insere, a cidade que a acolhe e não “refém” - como ocorre na noção de vinte anos derivada da Praxe Académica – de uma qualquer instituição universitária (com todos os riscos daí derivados, como os tempos actuais comprovam inequivocamente) que se insere regra geral e salvo excepções, unicamente na esfera universitária e raramente entrando na esfera social do meio que a abraça e acolhe.

Deduz-se, assim, que os ciclos históricos reforçam a noção de “circuito-fechado” do conceito de Tuna-Organização ao longo dos tempos, consoante o momento, ambiente social e universitário que se vive a determinado contexto específico. Se a Tuna de Compostela de 1877 se inseria na noção de Tuna entre a Universidade e a sociedade Santiaguesa de então, hoje a mesma não possui claramente esse perfil e hoje outras estão nesse plano intermédio, como resultado de práticas de natural subsistência e sobrevivência da Tuna enquanto organização.

Em Portugal temos a observância de Tunas que organizativamente, estão no plano intermédio, não sujeitas portanto a qualquer instituição universitária ou similar – e logo, sem apoios de qualquer uma – mas com clara noção organizativa juvenil e cultural, ocupando assim um espaço que se encontrava há dez, vinte anos atrás, vazio – com raras e honrosas excepções que sintomaticamente, nenhuma delas definhou com o passar do tempo – precisamente o lugar intermédio entre a vivência universitária – que este modelo não renega, antes sim reforça – e a vivência no seio da sua sociedade, onde a mesma se insere. Em conclusão, reafirmar algumas realidades de hoje do fenómeno tunante nacional que contribuem para uma urgência necessária na redefinição do modelo organizacional tunante como forma essencialmente de combate a uma possível “desertificação tunante”:

 - Muitas Tunas e poucos Tunos; - Processo de Bolonha e suas consequências no modelo tipicamente tunante de organização interna derivado da restauração da Praxe Académica em finais dos anos 80, inícios de 90 do Século XX;

 - Cada vez menor apoio ou mesmo inexistente dos responsáveis universitários às suas – supostas - tunas;

 - Uma cada vez maior desarticulação e não reflexo entre a comunidade tunante e a comunidade estudantil;

 - Uma sociedade cada vez mais exigente e que procura qualidade e não quantidade, procura o produto original e não a contrafacção, recusando liminarmente a falta de civismo, educação e postura das tunas que (ainda) se encontram nesse estágio.

Todos estes factores – separados ou de forma articulada – indicam uma necessidade premente, por parte das tunas de hoje, de clara adaptação dos seus modelos organizacionais, transformando-os ou então, reciclando até as tunas que derivam de uma realidade com vinte anos, tal como ocorreu aquando da mudança de noção anárquica de tuna para a noção associativa/organizativa da Tuna de Santiago em 1877. Concluí-se e com visão de futuro, que a noção de “Tuna-Organização” terá forçosamente que evoluir – e sem prejuízo dos seus traços tradicionais certamente – para uma matriz mais aberta, liberal (que não libertina) e mais condizente com as premissas de hoje que são distintas das de há dez ou vinte anos atrás.

Já se assiste hoje ao nascimento de Tunas com noção organizativa não fundamentalista ou não tribalista, fundamentalismos que hoje são notoriamente perigosos até para a sobrevivência de quem os perfilha, numa espécie de “pré-história” do modelo organizativo de Tuna que pode trazer – e já trás a algumas – custos directos. O futuro para a organização da Tuna será sempre condizente com o momento e respeitando os traços do passado e não assente no modelo anterior com laivos de modernidade organizativa. A sociedade evolui a cada instante, logo, no modelo de estrutura organizacional, a Tuna que melhor e mais depressa se adaptar ao meio em que vive é aquela que fornece a si mesma mais e melhores condições de manutenção da sua actividade. Quem não o fizer o devido upgrade terá, a prazo curto, médio ou longo, o custo inerente a pagar."


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