A Aventura da Revolta da Simplicidade



Escrevi isto, a meio da noite de hoje, no rescaldo da vitória de Salvador em Kiev.

Serve que nem uma luva para as nossas Tunas: Para as Tunas, para os Jurados e organizações de certames. Espero e desejo que percebam o essencial.

Tuna é Música. O resto é “fireworks”.



“ A revolta da simplicidade e a eterna dificuldade cognitiva do kitch pimba.



Quando se ouve o Salvador percebe-se - entre outras percepções sensoriais que exala - que nunca cantou aquela "masterpiece" duas vezes exactamente da mesma forma. As acentuações, notas distintas, as sílabas, colocam-no num patamar de raridade onde poucos cabem. É, aliás, precisamente essa, uma das razões porque gosto de Morrisey, entre outras. Se a isso juntarmos a genialidade das notas escolhidas e da letra belíssima, a harmonia que resulta é incomensurável na sua densa simplicidade. 


Talvez seja por isso que as minhas músicas preferidas de sempre, as que fazem a minha banda sonora, sejam precisamente temas com esta conjugação de ligações, com este denso mas ao mesmo tempo simples DNA. "Some Girls Are Bigger than Others", dos Smiths ou "Asleep", p.ex. A música simples não é, por ser simples, menor. Não, é ao contrário, precisamente ao contrário. O que a música simples mostra é a essência, o que tem de ser apenas, o condensar das emoções todas em 2 minutos e pico, elevando para outro plano o que sentimos, ouvimos, projectamos. É essa a função da música, elevar-nos por momentos enquanto seres humanos, racionais e, por isso, exigentes. 


O que aconteceu em Kiev é o resultado da emulação do simples num mundo de pessoas que, por tamanha toxicidade que resultou da procura de tudo menos do importante - tipo a Conchita - percebeu, com o Salvador, que afinal a Música é muito "menos-que-é-mais" do que a Suzy e o "Quero ser Tua" de 2014 com os seus tambores, anões e cavalos em palco. É como perceber, como dizia Enzo Ferrari, que isso da aerodinâmica é para gente que não sabe fazer bons motores. 


O kitch Pimba da tugalândia, dos camiões-palco das comissões de festas e dos programas das deprimentes tardes domingueiras não percebeu o que aconteceu ontem, sequer. Vão por isso bater palmas e fazer versões de gosto duvidoso do "Amar pelos Dois" já neste Verão, se não antes. Não dá para mais. Não vão perceber o oceano que existe entre o País do Salvador e o paízinho deles, o mesmo que andou a mandar à Eurovisão a Suzy - que, coitada, não tem culpa nenhuma, limitou-se a cantar pelos dois. Porém, não basta só cantar. É preciso mais. Que por acaso, é menos. Foi isso que o Salvador provou, lá em Kiev.


Gostos não se discutem. Certo. Vá, comentam-se. Ok. Mas o que o Salvador provou - e a Luísa, já agora - é que a música portuguesa a sério existe, está cá, viva, tem história rica e continuação hoje de facto. Provou que vale a pena ouvir as preces de quem gosta de música simples, bem feita, densa, rica, mas ao mesmo tempo despida de tretas que nada têm a ver com a essência, que apenas servem para distrair os incautos do que realmente conta: Música. Com M grande. 


O kitch Pimba Tuga levou uma valente chapada de luva Branca, ontem. O paízinho que tanto abomino idem aspas. E, sintomaticamente, nem deu sequer conta de tal. Mesmo assim, foi do caraças. Nem foi tanto por ganhar na Eurovisão - ela própria do mais kitch que há - foi mesmo principalmente para tornar claro que somos capazes de ser bons sem aldrabar, dar a volta, camuflar, tentar enganar o lorpa, improvisar. Bons, não: Melhores que os outros. 


Foi uma lição de vida, mais do que ganhar, até. Restará saber quem a percebeu de facto. Salvador. Nome providência, até. "

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