A Aventura do Reportório

Da importância de um bom Reportório.





Não é um tema muito abordado. Aliás, raramente o é. Entre os vários itens que compõem aquilo a que se pode chamar de "uma boa Tuna", o reportório é, seguramente, um deles e, até, dos mais importantes entre vários - bons executantes, variedade de instrumentação, bom trabalho vocal e instrumental, etc.


É, ao fim destes anos todos e olhando cirurgicamente para o panorama tuneril nacional de hoje, um factor cada vez mais crucial. Ao invés do caso espanhol, em Portugal procurou-se desde cedo uma diferenciação face às congéneres no que toca ao reportório escolhido. Longe vão os tempos onde duas tunas portuguesas se cruzavam num mesmo certame e repetiam o mesmo tema. Sempre foi, digamos, ponto de honra, a criação de um reportório que, para lá de próprio (não necessariamente temas originais), identificasse a própria Tuna, distinguindo-a assim das restantes, vincando assim uma identidade muito própria. Em Portugal associam-se determinados temas automaticamente à Tuna X ou Y - resultado directo dessa "politica". Em Espanha, salvo raras excepções, isso é impossivel.



Significa tal que o reportório passou a ser, na tuna nacional, parte integrante do DNA de cada uma das Tunas - e não algo fruto do acaso, momento ou outro qualquer factor aleatório. Independentemente do pior ou melhor momento de cada tuna - que também condiciona escolhas a este nivel, naturalmente - sempre houve a preocupação, na tuna nacional e nomeadamente, nas de topo, com a escolha dos reportórios. Talvez por isso mesmo muitas hoje não arrisquem mudar os reportórios de antes porque, justamente, os mesmos funcionavam, cumpriam, eram bons. Arriscar obriga a nova gestão, já se sabe. Pode significar perder terreno.



A verdade, porém, é que, seja como seja, em que cenário seja, a importância dos reportórios na tuna nacional é hoje um dos factores mais relevantes na procura do sucesso de cada Tuna. Logo, não pode ser visto de forma despiciente, alheia ao que se passa em volta, de forma isolada e estanque, apenas a gosto próprio. Quem o faz arrisca autismo tuneril e, consequentemente, uma não evolução ou, se quisermos, estagnação - meio caminho andado para uma putativa queda.



A exigência dos tempos de hoje neste capítulo, conclui-se, não se compadece com más escolhas de reportório. As Tunas de referência têm, todas elas, cuidado extremo na escolha dos temas. Sejam originais, sejam versões, todas as escolhas feitas pelas tunas de referência no panorama são escolhas dificeis, pouco motivadas pela emoção e completamente alinhadas pela razão, lógicas e sensatas - e não extemporâneas e/ou por acaso. Temas que potenciem o reportório, que o elevem, que o melhorem, que coloquem a Tuna no patamar de cima, sem descurar a originalidade que tanto caracteriza a tuna estudantil nacional face às suas congéneres.



Ou seja, evita-se o banal, o batido, o mais que gasto, o fácil e óbvio, o que não potencia de todo o reportório. Porque a ideia será sempre alinhar por cima e não alinhar por baixo. A comparação é evitada principalmente quando colocada face a outra tuna; logo, não se opta, querendo elevar o reportório a outro nivel, por temas que outras já tocam. Daí a procura p.ex. dos originais - havendo quem os faça e bem - ou da sempre dificil procura de versões elevadas que ninguém toque. Não é fácil esta gestão, todos sabemos. Mas também não é impossivel: Ainda há muitos e bons temas a explorar pelas Tunas, com qualidade muito acima da média. Era capaz de deixar aqui uns 10 assim, de imediato.



Basta haver Ambição, Rasgo e Trabalho. Se a tudo isso se aliar Visão - coisa que poucas, algumas Tunas nacionais têm - estão reunidos os ingredientes para o sucesso a prazo. Um bom reportório é equilibrado, cheira a novo, tem um pouco de tudo mas possui, sempre, uma diagonal que o atravessa do 1º ao último tema: É bom genericamente, todos os temas são bons ou muito bons por génese, não há um único fora desse contexto. Tem perfume e sabe a mel. É um prato Michelin, não mais uma refeição. Se for assim, acima da média, e se for bem reproduzido por bem arranjado e melhor ensaiado, a fórmula do sucesso está aí. Já reportórios coxos, desiquilibrados, não, de todo, são isso mesmo, coxos. Reportórios batidos, gastos, "mais-do-mesmo" não trazem qualquer mais valia, podem até prejudicar. Ser humilde também ajuda a procurar o melhor caminho.



Olhe-se para as tunas de panorama. E veja-se o que tocam, tema a tema. Leia-se cada um desses temas com olhar  e ouvido atento. E percebe-se tudo o atrás derramado. Há erros que hoje em dia já não se podem cometer - ao fim de 3 décadas pós boom....- excepto se se quiser. Por falta de aviso é que não pode haver desculpa.....


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