As Aventuras de Um Tuno - I






[As Aventuras de um Tuno]. Obra de ficção algures no Tempo e no Espaço, sem uma ordem cronológica espartana, numa narrativa hipotética de factos que poderiam ter acontecido, ficção baseada na vivência de quase três décadas.




Pré-História.


Caloiro. Um mundo novo a caminho. Tão desconhecido quão supostamente intimidante. Desde o Liceu que me habituara a ver Capas Negras a vaguear pelas ruas perto de casa, mesmo ao lado da Universidade, num movimento contínuo e ciclico que variava consoante o calendario Gregoriano. Não era estranho mas ao mesmo tempo tornara-se usual, natural, ver aquela gente nova a cantar, a berrar, cânticos e frases de ordem mais ou menos simples, apelando a toda uma noção de grupo, de pertença, de identidade. O Negro das vestes confundia-se em meados de Outubro com as t-shirts, os penicos, as colheres de pau. Mais adiante em Maio era toda uma festa policromática de fitas, cartolas e afins. Uma visão a que me habituei mesmo não sabendo o que, realmente, era. O destino e a curiosidade fizeram o resto.


A par do estar na Praxe reparei nuns quantos alunos, mais velhos, que no bar da Universidade cantavam despretenciosamente umas modas que oscilavam entre o Fado e os clássicos do Grupo António Mafra, entre outros temas de época. Música para os meus ouvidos!


Tinha de estar ali. Saco de um cavaquinho perdido lá por casa que o meu pai religiosamente guardara dos tempos do folclore e da música popular e lá fui eu, sujeito a mais Praxe ainda. Nada que intimidasse. Religiosamente, numa liturgía única, uma noite por semana era dedicada a "ensaiar" uns poucos temas, numa anarquia saudavelmente organizada, onde então se guardavam os poucos instrumentos numa sala de arrumos que tinha uma pia a pingar por cima das caixas dos mesmos, dado o exíguo espaço - levando a que alguns invariavelmente se fossem degradando. Entretanto rumo a uma loja da especialidade com a minha mãe a fim de comprar a Capa e Batina, não fosse perder pitada do que por aí viria. Tiradas as medidas lá o vesti mais adiante. Os ensaios, esses, continuam a somar gente no bar, levando a uma consolidação de um pequeno grupo que, já então, se apresentava de forma tímida aos colegas, em espaços pequenos, jantares de curso, festas da Queima, etc. Tudo muito indoor, caseiro, não dava para mais e era o que se pretendia, amenizar convívios dos colegas. Lá estavam o Rudolfo, o Lima, o Eduardo, o Miguel, o Hugo, o Fonseca, o Vasquez e mais uns quantos que a memória não me permite recordar agora. Depois foram-se juntando outros, o Morgado, o Marcos, o Vitor, o Artur, o Arlindo e outros mais de seguida. A coisa começava a ganhar forma, mesmo cantarolando umas modas e rasgando umas cordas de forma tão ingénua quão expontânea. Como tudo o é no início.


Os pequenos espectáculos foram dando lugar a uma maior seriedade no reportório, ainda muito pueril e de fácil execução - nem poderia ser de outra forma - muito à imagem e semelhança do pouco que existia, então, e da natural influência espanhola que as tunas do país vizinho iam disseminando na época - estando nós tão próximos da fronteira com a Galiza e num tempo onde o fax, o telefone, a carta e as - más - estradas eram os meios de comunicação. A par disso a televisão, então com dois canais, ainda permitindo a alguns poder sintonizar a televisão espanhola e o "Gente Joven" onde estiveram as melhores tunas espanholas de então. O FITU "Cidade do Porto" estava nas suas primeiras edições e bebíamos as mesmas de fio a pavio. Lá se escutava um ou outro disco de vinil, muito poucos, que nos iam chegando mais uns quantos singles de tunas espanholas e umas cassetes. Tudo servia para ajudar à progressão, num melting pot de influências que cristalizariam, depois, toda uma filosofia futura. Entretanto iam nascendo tunas na Academia, principalmente nas Universidades e Faculdades mais representivas, no formato masculino, bem como poucas no feminino. Mistas não existiam então - era coisa impensável até, ao tempo. Começam a nascer os primeiros encontros e festivais que iam possibilitando trocas de experiências e muita rivalidade, natural naqueles momentos, por força de uma emulação corporativa que "usava" as tunas como guarda pretoriana de exaltação da sua identidade.




Numa ida a Lisboa resolve-se instituir a data da fundação - à falta de uma outra anterior que postulasse a mesma - de forma oficial, a partir da qual se dava como certa a vida da Tuna. Idas a Lisboa, essas, que se foram sucedendo por muitos e variados motivos, ligados à própria Universidade que, então, nos começava a acarinhar intra portas de forma generosa e maternal, tornando-nos numa espécie de porta estandarte da mesma, exemplo identitário, orgulho no brasão e lema. Nada se fazia, então, que fosse deslocado desse ambiente de união e partilha, onde a Tuna era, ao fim e ao cabo, a voz de todos os colegas. Foi neste contexto que se cimentou a Tuna e onde ela começou a escalar outros patamares futuros de maior destaque, relevância e exposição. Estavam assim criadas as condições para a "internacionalização" intra fronteiras - a internacionalização de facto veio mais tarde. Começavam, assim, as saídas para espectáculos fora da Academia, com cada vez mais gente a somar-se à Tuna que se apresentava, então, já com cerca de 25 elementos.

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