A Aventura da Contrafacção...

Ao fim de alguns anos e após o ressurgimento do fenómeno Tuna em Portugal, muito se pode dizer – e disse – ao longo destes anos, embora sempre tenha sustentado que uma das principais doenças do fenómeno é precisamente tocar-se muito e bem e falar-se pouco e mal (muitas vezes..), a par de outros tipo de situações como sendo a falta da conjugação do verbo fazer no plural, isto é, a minha Tuna faz bem, a tua faz bem mas chegados ao plural aí as coisas mudam liminarmente de conteúdo.

Quem tem culpa? Todos nós, certamente, mas assacar culpas não é solução para nada porque não facilita o entendimento entre todos.Em meados dos anos 80 do século passado (o vinte, claro..) começaram a (re)surgir as primeiras manifestações tunantes em Portugal e que se resumiam ao Porto e Coimbra, passando depois a Braga e outras cidades e/ou Academias de forma progressiva. No início dos anos 90 estávamos na época romântica. Nunca como então se fez tanto com tão pouco, nunca se viu tanta atitude até porque o fenómeno Tuna português assentava não raras vezes no facto se serem as tunas uma manifestação do então ressurgir das Tradições Académicas e da Praxe, após anos de obscurantismo.

Também foi a época das grandes rivalidades aqui e ali mas foi sem dúvida a época em que quem estava na Tuna a assumia quase de forma religiosa e acima de tudo, como sendo uma extensão da sua vivência estudantil. Foi nesta época que muitos lhe chamaram o “boom” das tunas onde se via quase sempre uma Tuna espanhola qualquer chegar, tocar e vencer, à época, os bons exemplos (não se conheciam outros então).

Foi a época onde o Traje de cada Tuna era respeitado por todos incluindo o que o vestia, foi a época onde o repertório das tunas tinha Serenatas sempre, tinha hinos á sua Tuna e Universidade ou faculdade ou cidade, tinha obviamente uma “espanholada” qualquer porque queiramos ou não, fomos beber ás tunas espanholas muito do que somos hoje e agora até os ultrapassamos, pasme-se. Era a época dos “gloriosos malucos das guitarras voadoras” onde as Serenatas ás meninas que queríamos conquistar sucediam-se umas atrás das outras numa mesma madrugada. Foi a época onde se caricaturava a comida da cantina que já nesse tempo era má (lá dizia a Tuna do Minho “ai Santa Tecla, tenho um bicho na barriga, ai Santa tecla, desconfio que é lombriga...”), onde se cantava o “Afonso” numa espécie de exorcisar da vivência estudantil, era a época a que me atrevo a chamar do “produto genuíno”, onde proliferavam os encontros e saraus e escasseavam os certames competitivos.

Depois...depois veio a decadência do império, a descaracterização do fenómeno mas também foi a época onde muito de novo se introduziu nas tunas e barreiras se quebraram e muito bem quebradas foram, pois começa-se a ir um pouco mais longe na exigência e na qualidade dos espectáculos dados mas nunca deixando de lado as raízes do fenómeno, a caricatura, a sátira estudantil, a essência das nossas Tunas. Foi uma época que ajudou imenso ao quebrar de “tabus”, de verdades quase absolutas e que muito ajudou ao nosso crescimento cultural. Mas os românticos do fenómeno previram já aí que algo estava errado neste contexto, pois a procura incessante da qualidade estava a “matar” a essência tunante daqueles tempos dos “gloriosos malucos das guitarras voadoras” (voadoras porque muita viola voou pelas janelas das residências universitárias femininas....) porque não se soube ser capaz de equilibrar as vertentes em questão.

Aliás, equilíbrio é palavra que hoje não existe nas tunas portuguesas mas já lá iremos. Foi a época onde muita coisa nova surgiu e que muito contribuiu para o todo. Mas continuou-se a ver nascer tunas a granel e acompanhados de braço dado pelos respectivos certames (competitivos, claro está...) num crescimento descontrolado e acima de tudo, desprovido de bom senso no sentido de prever o futuro. Mas o romantismo cada vez desaparecia, “asfixiado” pela procura cada vez maior de inovar e inovar. Já na altura alguns – poucos – diziam “isto vai acabar mal...”Hoje e após muita água ter passado por baixo da ponte, sente-se uma total banalização de uma forma de cultura própria, um total descontrole da situação e pior que tudo, vemos coisas que alguns nunca julgaram ser possível ver-se, ao mesmo tempo em que se assiste a qualidade musical, sem dúvida mas que comporta um custo demasiadamente alto, que é a “travestização” das tunas enquanto tal em coisas mais aproximadas com orquestras, peças musicais da Broadway e afins, fazendo com que se esteja numa espécie de “vale tudo” desde que com qualidade.

São pandeiretas que tudo fazem menos marcar o ritmo, são tunas que sobem a palco vestidas de tudo menos com o respectivo traje, são autênticas peças musicadas com produções cénicas dignas de Hollywood e tudo isto assumido como sendo a regra quando deveria ser a excepção. Depois surge a apologia da qualidade per si e que se lixe estarmos trajados ou não, entre outras afrontas directas às nossas raízes.

Permitam-me um desabafo, eu continuo a preferir o produto genuíno a um pretenso produto de contrafacção de qualidade porque a genuínidade não é sinónimo de falta de qualidade, aliás, o difícil para uma Tuna é ser-se Tuna e ter qualidade, é poder estar num certame e deitarem-se todos ás 9 da matina e no dia seguinte tocarem bem e agradarem ao público pagante. Essa é a real dificuldade e ao mesmo tempo, desafio, de uma Tuna digna desse nome.

Agora, já não há Serenatas e em vez disso há arranjos de músicas ligeiras românticas que falam de tudo menos dos “amores de estudante”, por exemplo, antes tocava-se com os instrumentos que cabem no conceito de Tuna e agora faz-se peças musicadas com instrumentos dignos de um trio de jazz, antes cantava-se à cantina, agora canta-se a qualquer coisa que apareça pela frente desprovida de qualquer razão tunante porque simplesmente, dá prémios.....imagine-se!No ultimo FITUP, ganhou a Tuna Universitária de Jaen e um dos temas que interpretou foi nem mais nem menos “Clavelitos” num bonito arranjo “acappela” que conquistou tudo e todos. Os Espanhois – alguns – começam a chegar “lá” até porque têm séculos de avanço nestas matérias. Jaen regressou com este tema à raiz, às suas raízes, às nossas raízes e não ficou mal por isso, muito pelo contrário como se viu. Haja coragem por cá de assumir que temos a aprender com os bons exemplos e muitas vezes aquilo que parece bom não o é porque pura e simplesmente não é uma Tuna a faze-lo, é outra coisa qualquer que usurpa os nossos costumes, bom nome e Tradição para proveito próprio.

A César o que é de César e à mulher deste não basta sê-lo, há que parece-lo também. Saibamos distinguir o trigo do joio e não é por se ser mais palhaço no palco que se é mais Tuno, pois cá fora, fora dos palcos, só se vêm os mesmos do costume.....porque será?????

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