A Aventura da "Música de Tuna"

Deixando de lado os Direitos de Autor - que para eles há quem se ocupe por mim e de forma competente, diligente e atenta... - vou tomar a liberdade de transcrever um texto - certo que o seu autor não me cobrará direitos... - que foi lido no III ENT em Viseu pelo seu autor, Dr. Eduardo Coelho, ilustre Tuno do Burgo do Porto, ex-Magister Tvnae da Tuna Universitária do Porto e actual componente da Tuna Veterana do Porto.

Pela sua perspicácia, frontalidade e rigor científico, fica a transcrição do mesmo texto, que seguramente, colocará todos os Tunos deste país - aqueles que se interessam pela temática, seguramente - em pleno processo Socrático: conhece-te a ti mesmo e só depois os outros.


"Caros confrades; ilustres convidados; minhas senhoras e meus senhores:

O tema proposto para esta mesa redonda é, sem dúvida, ambicioso – bem à medida, portanto, do sonho e do sentir académicos; bem à medida, portanto, do sonho de amor do estudante em geral e do tuno em particular.No entanto, se a dimensão do tema assusta, não menos serve de incentivo a que se procure dar-lhe resposta: na verdade, quanto mais alta fica a janela, maior é a vontade de a escalar…

Como mandam as boas regras da lógica, comecemos pelo princípio:EXISTE OU NÃO A “MÚSICA DE TUNA?”

Depende da acepção em que tomarmos a expressão “música de tuna”.Se tomarmos esta expressão no sentido de “música própria para tunas” ou “música mais adequada para tunas”, à semelhança de outras expressões como “música de baile” (que será a música mais próprias para bailes) ou “música de casamento” (que será a música mais adequada para casamentos), então a minha resposta é muito clara e frontal: não existem músicas que sejam mais adequadas ou mais próprias para as tunas.

Toda a música é - ou pode ser - apropriada para uma tuna, ou para as tunas em geral. Reconhecer que haveria “música de tuna” neste sentido seria o mesmo que admitir que ainda teríamos de andar a interpretar temas do século XIV ou XV dentro de regras bem definidas, o que me parece manifestamente inadequado.Mas que não baste a minha palavra ou a minha opinião: a própria história das tunas até agora é a prova viva de que não há um estilo musical adequado ou próprio de e para tunas.

Nenhuma interpreta temas que venham dessa mítica noite dos tempos tunais. A ser assim, estaríamos todos, sem excepção de nacionalidade, a cometer um crime de lesa-tuna, uma vez que estilos musicais como a marcha, o tango, a valsa são hoje uniformemente aceites pelas tunas, com maior ou menor peso de uns e outros. Trata-se de formas musicais que são comparativamente recentes, em termos históricos. Teríamos de admitir, por força da lógica, que tais formas teriam de ser banidas, uma vez que representariam uma clara violação de uma suposta intenção original: isto é, não andaríamos a tocar “música de tuna”, segundo os cânones dos tunos primitivos.

A não ser que queiramos admitir que aqueles foram os criadores destes géneros e que a população futrica se limitou a copiá‑los… Penso que ninguém de boa-fé pretenderá que as coisas são assim. Não parece, pois, provado, que tenha existido alguma vez “música que é mais apropriada para as tunas”. A prática das próprias tunas assim o demonstra. Mas sobre isto falaremos mais adiante.

Contudo, não é esta a única acepção em que a expressão pode ser entendida.Podemos, por exemplo, entendê-la como “música cuja temática é a tuna”. Nesta acepção, existe, sem dúvida, e de forma muito mais abundante e expressiva em Portugal do que em qualquer outro país do mundo.Em Espanha, esta expressão tem um sentido muito específico: “músicas que foram sendo popularizadas pelas tunas, independentemente de serem ou não originais”. Aí se incluem temas como, por exemplo, “Fonseca”, “Morena de mí Copla”, “Compostellana”, “Clavelitos”, “Estudiantina Portuguesa”, etc.

Há alguns anos atrás, e enquanto organizador do FITU, recebi curricula de tunas nos quais, para além do historial da tuna, se apresentava uma lista dos temas que sabiam interpretar: algumas ultrapassavam a centena e dividiam as músicas por secções, sendo uma delas a de “música de tuna”, onde se encontravam listados os temas que referi, além de outros. Tuna que se prezasse tinha de saber tocar obrigatoriamente esses temas, podendo acrescentar outros ao seu repertório. O prémio da “tuna mais original” era atribuído não à tuna que conseguisse apresentar o maior número de composições originais, mas à que apresentasse temas que, de uma certa forma, fugissem àquilo a que se poderia chamar, sem desprimor, as “melodias de sempre”.

Daqui decorrem duas conclusões preliminares:a de que a originalidade de composição não era, em Espanha, um factor valorizado ou imprescindível, mas também não era desprezado;segunda, e pelos exemplos citados, a de que, uma vez interpretado por uma tuna, um tema, original ou não, passava, por esse simples facto, a ser considerado como uma espécie de “património comum” das tunas; assim, não era raro ouvir tunas de Barcelona interpretarem a “Compostellana” ou tunas de Mérida interpretarem “Calles sin Rumbo”.Ou seja, se a originalidade de composição não era desprezada, também não era incentivada a todo o custo nem constitui um factor de valorização especial.

Estou em parte, e sem querer, a responder à última questão proposta a este painel… Mas retomo o discurso.Ora, se analisarmos a chamada “música de tuna” — no sentido que lhe dão em Espanha —, descobriremos facilmente que, na sua esmagadora maioria, não estamos perante músicas originais. Por outras palavras, não são músicas de composição original de e pelas tunas. Mesmo as que referem a palavra “tuna” o fazem por adaptação de outras palavras, como “luna”, por exemplo. Recorde-se, a este propósito — e só para citar um exemplo recente — a adaptação feita pela Tuna de Medecina de Múrcia do pasodoble “Luna de España” para “Tuna de España”; e poderíamos percorrer todo o espectro de músicas ditas “de tuna” para verificarmos isto mesmo: são, na sua esmagadora maioria, temas que, em cada época, estão na moda e que são adaptados pelas tunas — quer em termos rítmicos quer em termos de letra — à situação e à vivência específica das tunas.Ora este conceito tem virtudes e defeitos. Mais defeitos que virtudes, em minha opinião.

Não há dúvida de que a existência de um corpus musical mais ou menos estável proporciona uma série de balizas que é fácil de seguir e que orientam aqueles que querem formar uma nova tuna. O caminho é “por ali” e, pelo menos num primeiro momento, não há que desviar.Ora, ninguém pode negar que isto é uma prática produtiva e facilitadora, na justa medida em que a “papa”, por assim dizer, “está feita”. Pega‑se na receita e está pronta a servir.Outra vantagem — de valor duvidoso, todavia — é a de que qualquer tuno pode facilmente integrar‑se numa outra tuna, que não a sua, uma vez que dominará, em princípio, o corpus musical comum. Hoje tocará com esta, amanhã com aquela, sem problemas de maior: um ritmo ligeiramente diferente; um ou outro verso diferente; mais acorde, menos acorde, dá sempre certo.

No entanto, esta facilidade toda levou à cristalização no tempo e à estagnação das tunas em Espanha: há uns anos atrás, quem tinha ouvido uma, já tinha ouvido todas; mais coisa, menos coisa, já se sabia que iriam tocar este ou aquele tema, com poucas variações - salvo a excepção de, em determinado ano, esta ou aquela música estarem mais ou menos na moda, para, no ano seguinte, darem lugar a outras: “baralha e torna a dar” ou “vira o disco e toca o mesmo”.Para além de factores de ordem social e política vividos em fins da década de 1980 e inícios da de 1990 em Espanha, esta cristalização levou ao desaparecimento, ou quase, de muitas tunas. Levou, pelo menos, a uma perda de fulgor, de entusiasmo.

Deu‑se, particularmente, uma inversão daquilo que me parece ser uma característica essencial: a capacidade de evolução da tuna com os tempos, de se adaptar às novas sensibilidades musicais e estéticas. Deixando de o fazer, a tuna deixou de dar resposta a um anseio fundamental da faixa etária que deveria, justamente, alimentá‑la: a juventude e a sua eterna vontade de mudança.De onde vinha, então, a originalidade?Ao contrário do que se possa pensar, este prémio sempre foi um costume nos “certamenes” do país vizinho. A originalidade que se premiava era a dos arranjos dos standards de tuna. Premiava-se a forma original de interpretar temas gastos e estafados: ou seja, a evolução na continuidade…No entanto, poder‑se‑á entender esta expressão numa outra acepção que, aparentemente, é a anterior:dadas as actividades das tunas, alguns estilos musicais estão mais de acordo com essas actividades do que outras.

Assim, há “música de tuna” no sentido em que há, de facto, estilos/formas que se adaptam mais às actividades das tunas do que outros.De facto, assim parece ser. Dir‑me‑ão:as tunas fazem “pasacalles” (ou arruadas, para usar uma palavra bem portuguesa). Haverá algo mais apropriado do que uma boa marchinha em 2/4? As tunas fazem serenatas. Haverá algo mais apropriado do que uma valsinha?E eu concordo: de facto, poucas coisas mais apropriadas haverá para uma arruada do que a marcha, e poucas mais convenientes para o balanço do que a valsa. São factos indesmentíveis.

E são esses factos que justificam que, precisamente, na sua esmagadora maioria, os temas que compõem a dita “música de tuna” sejam marchas, pasodobles e valsas.Mas, se é verdade que são muito apropriadas, não são, porém, as únicas soluções.Pessoalmente, não vejo nenhuma razão pela qual tenham de ser forçosamente marchinhas e valsas as formas que dão melhor resposta a essas duas necessidades (por assim dizer) das tunas. Os ritmos em 2/2 dão resposta a ambas as situações, sem grande esforço. Se a justificação que me dão é a da maior adequação, pessoalmente, não vejo em quê. Ou, para dizer de outra forma, não entendo por que não podem ser outras as formas musicais a dar resposta a essas necessidades.

Dir‑me‑ão ainda:os temas que integram a chamada “música de tuna” em Espanha — originiais ou versões — versam temáticas específicas da serenata, por exemplo, ou da vida andarilha da tuna. São, portanto, os mais adequados.A isso objecto que, de facto, esses temas fazem tanto uma coisa como outra.

Mas... uma vez mais pergunto: e só esses podem fazê‑lo? E será que não há temas de rock, por exemplo, que celebrem o amor ou a vida noctívaga? Só para citar dois exemplos de temas em 2/2 que o fazem: “Bairro do Oriente”, de Rui Veloso e “Roadhouse Blues” dos “The Doors”. Se a questão é, então, a da temática, estes dois servem tão bem como outros quaisquer. Por que razão não podem ser considerados “música de tuna” — no sentido em que estamos a tratar?- celebram o amor;- prestam-se a desfile,- fazem a apologia da vida noctívaga e andarilha…Que impede, então, que sejam adoptados pelas tunas?Resta ainda uma questão a abordar, do ponto de vista do alinhamento instrumental:

O pasodoble e a valsa “casam” melhor com a instrumentação “tradicional” das tunas. Assim, neste sentido, e porque os temas atrás listados são marchas e valsas, são “mais adequados” à instrumentação das tunas: são, portanto, “música de tuna”.

Bom... esta posição é tão pouco defensável que não merece contraditório. Está por provar que o rock não possa ser interpretado com felicidade por instrumentos acústicos de plectro…Mas podemos então perguntar, numa espécie de enigma da galinha e do ovo: será que os pasodobles e as valsas foram adoptados por causa dos instrumentos, ou foi por causa dos estilos musicais que os instrumentos foram adoptados?

Assim se vê que:pelo lado da estrutura musical, não há formas/estilos que sejam mais próprios para tunas;pelo lado da função da tuna (arruadas, serenatas), se há temas que podem ser mais apropriados, nada obriga a que sejam necessariamente em valsa ou marcha; não são, por isso, mais próprios para tuna;pelo lado do alinhamento instrumental, também não se percebe a razão pela qual aqueles que são classicamente apontados como “música de tuna” sejam mais próprios. Mais fáceis, talvez. Mais próprios, não.

Gostaria de ressalvar, apelando ainda para a vossa paciência, que, pessoalmente, não considero que as tunas de âmbito universitário tenham uma função específica, muito menos a de que a tuna serve para fazer arruadas ou serenatas. Enquanto tuno, fiz muitas de ambas. Não porque considerasse que essa era uma “obrigação moral”, por assim dizer, mas pelo puro gozo (e eventual proveito…) que me deram. Registo apenas que essas são duas “actividades” mais ou menos consensuais. Nada mais.Resta analisar do ponto de vista das origens.Não interessa aqui dissecar quais as origens das tunas. Aventarei várias hipóteses de génese do fenómeno e tentarei ver se, por aí, é possível chegar a um conceito de “música de tuna”.

Aproveito para debater outro dos grandes temas desta mesa: Originais ou versões?Aceitemos a hipótese segundo a qual as tunas tiveram a sua origem nos goliardos italianos.Que pretendiam esses senhores? Garantir a sua subsistência, uma vez que tinham abandonado a vida eclesiástica: voltar para casa estava fora de questão. Voltar ao convento ou seminário não fazia sentido. Teriam de viver, pois, de esmola.Resta recordar que muitos dos que seguiam a vida eclesiástica na idade média ou eram segundos e terceiros filhos de nobres e que esperavam obter uma colocação numa paróquia rendosa, ou eram filhos das classes mais humildes que os ofereciam para o serviço da santa madre igreja. Uns e outros sem esperança, pois, de regresso à casa paterna.

Para sacarem a esmola ou o prato de sopa serviam-se dos rudimentos de música e retórica que teriam aprendido no convento ou seminário. Para tanto, manda a lógica que tentassem agradar ao auditório. É mais grato ao auditório ouvir o que conhece do que o que desconhece.Mandam as boas regras da rádio que a cada grupo de três músicas, uma seja um êxito do momento; outra, um clássico, e poder-se-á então arriscar uma música nova.

É sabido que as pessoas mudam de estação se ouvirem duas músicas desconhecidas seguidas.Se isto é assim no século XXI, com razão podemos depreender que também o fosse em tempos mais antigos.Mas – objectarão – não se compare a difusão em massa actual com a falta dela no século XI ou XII. Como é que as pessoas saberiam se esta ou aquela canção são ou não originais?Exactamente por isso mesmo: nada prova que as canções interpretadas pelos bandos de goliardos fossem originais, pelo que a questão de criar quando se pode obter mais facilmente o mesmo resultado — e se calhar com vantagem — é, se não outra coisa, pelo menos uma perda de tempo e esforço.

Mais: se eram grupos itinerantes, a tendência é utilizar estratégias que já deram provas dos seus resultados. É sabido que “em equipa que ganha, não se mexe”.Parece-me que, se nada prova esta tese, nada prova a tese contrária: a de que as pessoas prefeririam ouvir inéditos. Não fica, então, provado, por esta via, a questão muito defendida por muitos de que na origem as tunas só tocavam originais. Muito papalvos seriam os nossos avozinhos…

Passemos a outra tese: a de que os Goliardos são demasiado afastados no tempo e de que, afinal, a tuna é um fenómeno endémico da Península; em particular, de Espanha. Aqui, duas subteses se perfilam:A dos “sopistas”, que eram estudantes que tinham por hábito ir engraxar os ricaços a suas casas e acabavam por ficar para jantar, recitando por lá umas versalhadas ou tocando umas músicas. Parece que sim, que este costume era verdadeiro e que os ricos não só não se importavam como até consideravam uma espécie de investimento.

Lá diz o D. Quixote que alguns destes miseráveis chegaram a ocupar os mais altos postos da nação e nunca se sabia se se estava a alimentar um futuro secretário ou ministro régio...A lógica anterior parece poder aplicar-se, com maioria de razão, a este segundo caso. Talvez alguns destes fossem poetas de algum valor e capacidade de improvisação, pelo que poderiam dedicar algum madrigal ou soneto à dona da casa ou a alguma filha casadoira…

Contudo, nada fica provado a respeito da preferência por originais face a cópias/versões…A segunda subtese é a de que os tunos seriam originalmente não uma classe dentro dos estudantes, mas uma subclasse dentro dos mendigos que pululavam por toda a Espanha no chamado Século de Ouro espanhol. Esses tunos seriam grupos de trabalhadores sazonais da faina do atum do mediterrâneo que teriam de arranjar alguma subsistência durante os 8 meses em que a faina não era possível.

Da palavra atum derivaria o nome tuna e tuno ou tunante. Este modo de vida errante teria sido adoptado pelos escolares no caminho de e para casa, de e para as aulas, pelo que estes estudantes passaram a ser designados também por tunos.Tunos passaram a ser também - segundo esta teses - todos os que, como estes, tinham, de vez em quando, de fazer um giro pelas aldeias vizinhas para recolherem alguma esmola porque os livros já estavam no prego: “en el Monte de Piedad”, como diz a “Fonseca”.

Ora, este carácter sazonal e espontâneo da tuna primitiva, a dar razão a esta tese, menos ainda favoreceria o aparecimento de originais. Seria muito mais fácil pegar em temas já conhecidos de todos os camaradas e improvisar uma trupe de músicos do que andar agora a compor e a ensaiar originais. Por esta via, também não fica provado que os originais estivessem na essência das tunas. Parece-me até que perante objectivos tão claros e práticos seriam, se não desnecessários, até contraproducentes.Nem precisaria de ir tão longe para o demonstrar. Já todos passamos pela experiência de nos pedirem para tocar este ou aquele tema. Já todos passamos pela experiência de dizer “Pá, quem sabe, acompanha: é em dó e fá e tal e coisa. Damos duas voltas ao refrão e toca a andar. Fulano, toca tu viola que eu vou para o contrabaixo”. Ai não, se a gorjeta for choruda ou se os olhos da menina ficarem a brilhar!

Não fica, assim, provado que as composições originais de raiz tivessem sido preferíveis às adaptações de letras de temas conhecidos, com alusões à vida de tuno ou de situações cómicas. Parece-me que muito pelo contrário.Afinal: o que é a música de tuna? Qual é a música mais apropriada para tunas? É aquela que melhor serve os objectivos da tuna em cada momento. E isto não se compadece com estilos ou formas musicais, mas sim com a eficácia para o efeito pretendido.

Não há um estilo mais próprio ou menos próprio. Há soluções mais ou menos eficazes, que terão de ser equacionadas entre diferentes parâmetros: actividade, objectivo, elenco instrumental.Parece-me que, sem querer, acabei por dar resposta a uma outra questão: O que se pode/deve ou não executar? Depende, mais uma vez, dessas três variáveis. Pode tocar-se aquilo que melhor se adequa ao objectivo da tuna em cada momento…Eh, lá! Mas as tunas evoluíram… Os tempos são outros…

Já não é a pura subsistência que motiva o aparecimento das tunas, senhor orador. As tunas, agora, são agrupamentos estáveis, já não são tão esporádicas nem têm um carácter sazonal. Há tempo para criar e ensaiar…Obrigado, amável ouvinte, por mo ter recordado. Fico feliz por constatar que esteve atento. Mas então… por isso mesmo: em que se apoiam os que pretendem que as tunas, na origem, era só originais e tal e coisa… Originais é que é.

As tunas têm é de compor originais.?Bom. É uma posição, respeitável, mas, infelizmente, sem apoio na lógica nem na tradição.Mas então, senhor orador, os originais devem ser banidos?Claro que não, e temos aqui na mesa dois excelentes compositores, ambos míticos. Não devemos banir os originais. Pelo contrário, devemos acarinhá-los. Mas não há nenhuma razão para que, no contexto de tuna, puro e duro, se afirme que as tunas que só apresentam originais dispõem de uma certa “superioridade moral” face àquelas que só apresentam versões.

Não há qualquer razão para que, numa situação de concurso, a originalidade dos temas seja um factor de desempate, por assim dizer. Em bom rigor, para uma tuna, o esforço de “montar” uma versão é equivalente ao de “montar” um original.Se se premiasse uma tuna pelo simples facto de apresentar apenas temas originais, esse facto acabaria, a longo prazo, por se tornar um factor de desvantagem para essa própria tuna: enquanto uma determinada tuna tem o "seu" compositor, tudo maravilha: grandes originais, grandes arranjos para esses originais; uma festa. Mas um dia o compositor sai. E a tuna em questão não consegue arranjar outro compositor como aquele, nem sequer um pálido seguidor.

Continua a viver dos originais até se fartar deles e fartar o auditório. Sem soluções, volta a pedir ao mesmo compositor que componha temas, ao que o "nosso" compositor acede de bom grado. Volta a tuna a apresentar grandes originais com grandes arranjos.Mas espere aí, caro amigo ouvinte: estaríamos a premiar a tuna ou o compositor? O mérito dos originais é da tuna ou do compositor? Se estamos a apreciar a capacidade de interpretação da tuna, tanto faz ser de originais como de versões.

Vou até mesmo mais longe: é mais fácil apreciar quando há um termo de comparação do que quando o tema apresentado não o tem. A exigência é maior… Ao contrário do que pretendem os defensores da originalidade a todo o preço, é mais arriscado apresentar uma versão do que um original, até porque as comparações são inevitáveis: “Eh!, pá, gosto mais da versão dos Xutos” “Eh!, pá, os Sabandeños tocam isto muito melhor”, e por aí adiante.Que a originalidade tem um mérito, tem, mas é puramente individual.

Que a criação deve ser acarinhada e louvada, quando o mereça, é um facto. Mas não há na apresentação de originais outro mérito que não aquele que caiba individualmente ao seu compositor.

Quais as fontes legítimas e quais os limites?A questão deve ter, para mim, a resposta seguinte: as fontes legítimas são a tradição musical da própria latinidade, hispânica e americana, e, como pano de fundo, a tradição musical nacional de cada país. Não recuso aqui o recurso a outras tradições musicais. Para já, parece que a música anglo-saxónica não tem muita aceitação. Pessoalmente, não vejo motivos pelos quais não possa vir a ser utilizada, muito embora ponha algumas reservas. Os limites terão de ser impostos pelo bom senso.

Em última análise, serão as limitações instrumentais da tuna a impor esse limite.E quais os caminhos de futuro? Originais, versões, ou outras soluções?Não há solução intermédia. Em minha opinião, a solução é a da qualidade musical, independentemente da interpretação de originais ou de versões. Há versões que são uma lástima e originais que são verdadeiras pérolas.

Quem tiver bons compositores, que aproveite os bons originais. Quem os não tiver, que faça o melhor que puder e souber. Mas uma coisa não é preferível à outra. É sempre preferível um bom original a uma má versão, sendo que o contrário é igualmente verdadeiro: uma boa versão é sempre preferível a um mau original.Mas o que é bom? O que é mau? São questões a que cada tuna terá de responder.

Termino agradecendo a paciência dos que ainda estão acordados.

A todos, um forte abraço e BOA MÚSICA!

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