A Aventura da "Calçadeira Tunante"

Eu sabia. Lá "quebrei" a minha "regra de ouro" para este ano e resolvi ir para a barafunda sujeitar-me às "claques organizadas tunantes" escondidinhas com nicks de "miudas fans" e pronto, lá fui presenteado com os mimos do costume. Nada de novo, afinal, quem diz e sempre disse o que realmente pensa sujeita-se sempre a este tipo de circunstâncias neste mundo global e mediatico que é a Internet. Adiante....

Este pitoresco mas esperado - diga-se - episódio de carácter desportivo/tunante digamos assim, levanta uma série de questões a enumerar desde logo:


1º) A questão do precedente: É um grave, altamente lesivo para o fenómeno tunante e arrogantemente apresentado precedente o que assistimos nesta ocasião. Não é aceitável de todo ou mesmo em parte que se aceite de ânimo leve ou mesmo pesado uma situação deste tipo num fenómeno exclusivamente tradicional.

Com este epísodio são enxovalhados (mas pelo menos assumidamente, justiça seja feita, embora tarde e a más horas, refira-se) os mais básicos preceitos e traços genuínos do fenómeno Tunante e mesmo tradicional estudantil no seu todo.
Se na parte meramente tradicional deve a questão ser tratada por quem de direito, já na parte exclusivamente tunante é algo que se refere a todos os Tunos e Tunas, repito, Tunas que se comportam como tal, numa análise transversal a todo o fenómeno e não meramente localizado numa tradição estética local.

Se localmente quem de direito não age (ao que se sabe nunca agiu) então resta ao fenómeno Tunante no geral o assumir das suas próprias responsabilidades, sob pena de não sendo a solução é então também ele o problema.

Quando se abrem precedentes a uma Tradição, o resultado é este a que assistimos hoje.
Concluí-se portanto, que não se podem admitir no fenómeno Tunante precedentes de invenção disfarçada de tradição com dois quartos de mês. Que sirva de lição.


2º) A questão da prepotência: O Modus Operandi é por demais conhecido; Uma prepotência disfarçada de "academismo inovador", sustentada num "misticismo terceiro mundista" suportado por alguns outros agrupamentos incluíndo feministas (faz todo o sentido aliás) que insistem em branquear a realidade.

Trata-se apenas e tão só de um grupo musical e não de uma Tuna porque nunca o foi, pois nunca a isso se propôs. A prepotência de hoje resulta essencialmente num brutal desprezo pela Tradição Tunante e que nunca foi assumido de forma clara - até a este episódio pelo menos, justiça seja feita. Curioso é que o combustivel que faz andar esta prepotência é "paradoxalmente" uma tradição, o Festival competitivo, provando cabalmente a fragilidade do argumento "inovação" (traduzo: invenção), para lá de provar a falta de carácter e seriedade.

Se assim não fosse, das duas uma, ou a respeitavam tout court (a Tradição) ou então não se envolviam num meio Tradicional por excelência. Mas envolvem-se. E com a conivência de terceiros. O que nos leva ao 3º ponto.


3º) A questão da Legitimação: Muito se fala sobre a legitimação de um dado grupo num determinado meio. Quem é Tuna e quem não é, o que consideramos Tuna ou não Tuna e assim sucessivamente. Aliás, esta questão faz lembrar o que se passava com os Grupos Folclóricos nos anos Oitenta do Século XX quando havia uma Federação Nacional de Folclore que reconhecia uns e não outros e por aí adiante.

Basicamente resulta quase pacífico para a generalidade das pessoas do meio tunante que basta que alguém reconheça um determinado grupo como tal está esse grupo automaticamente reconhecido como par entre iguais. Ora, não só não me parece que assim seja como aliás, é uma generalização arrogante que toma a opinião de um como sendo a de todos (levando a uma série de equivocos desde logo e com resultados mais do que à vista hoje).

A legitimação em Tunas tem regras claras e também elas assentes na Tradição Tunante a começar desde logo pelo apadrinhamento entre Tunas, entre outras formas de legitimação paralelas e subsequentes. Mas não será menos verdade que no meio tunante português tão dado a invenções absolutamente idiotas e desprovidas de qualquer sentido, também na questão da legitimação temos precedentes graves, a começar pela quantidade enorme de Tunas que nunca foram apadrinhadas seja por quem seja (entenda-se Tunas).

Como não há mecanismos tradicionais de legitimação (ou melhor, há, mas pouco as exercem de facto), encontraram-se formas sucedâneas (mais facilitistas, portanto) para "resolver" a questão, começando pelo convite a esse grupo para um festival de Tunas.

Não seria assim tão grave desde que uma Tuna convide outra desde que esta o seja realmente, para um festival de Tunas. O problema é que este mecanismo também serve para levar a um festival de tunas algo que não é, nunca foi nem será uma Tuna. Aliás, no caso em apreço, a confusão é propositada, induzida, proporcionada para de forma clara baralhar as pessoas. Como não há quem possa pôr cobro à mesma de forma imediata, o erro mantem-se indefinidamente, bastando para isso que alguém que organize festivais de Tunas convide algo que seja tudo menos uma Tuna.

Concluí-se com total propriedade que terminadas as visitas a festivais de Tunas de grupos que não Tunas fica reposta a verdade, a justiça e acima de tudo, o pudor e a Tradição Tunante. O que nos leva ao ponto 4º.

4º) A Questão da "Festivalite" : O Festival de Tunas está em Portugal absolutamente deturpado na sua concepção - já fiz alusão a isso neste blog - precisamente pela procura obsessiva e exclusiva do prémio, do reconhecimento por parte não somente do público mas essencialmente do reconhecimento pelas outras Tunas, num jogo de espelhos extremamente perigoso para o todo do fenómeno, porque o desvia da rua, da serenata, da boémia, da solidariedade, etc, cegando os intervenientes principais relativamente à sua própria natureza de Tuna.

Esta cegueira não só "cega" intervenientes como promotores dos eventos, na procura incessável do "melhor cartaz" musical (que não raras vezes não coincide com o melhor cartaz tunante) para, e na mesmíssima lógica do confronto musicado, mostrar a sua mais valia, pujança, etc etc (e certamente arte de bem receber, manutenção de uma tradição que é o seu festival anual e por aí fora). Ora, são duas faces iguais da mesma moeda competitiva, onde apenas roda o promotor que, nessa condição, não entra na contenda competitiva por dentro mas sim por fora, procurando fazer o "melhor festival", superar o da "tuna x" e ir mais além. Não misturemos por favor a procura natural do melhor para o nosso evento com o atrás dito.

Ora, este é o terreno mais que propício para que os agrupamentos que não Tunas se movam, bastando para isso que se imiscuam no mesmo meio através de convites de Tunas para os seus eventos e por força de uma qualidade musical que porventura possa esse grupo ter (não a pondo em causa tãopouco, o que nada muda no essencial). Se assim não fosse, então já alguém se teria lembrado de trazer ao seu festival grupos de cordofones canários por exemplo, bastando para isso "travesti-los" de Tunos espanhoís, nada de mais simples. Ora, se isso nunca aconteceu, será porque seguramente esses grupos de cordofones canários nunca quiseram imiscuir-se sequer num contexto que não lhes pertence. Naturalmente.

Concluí-se que e neste cenário actual, é tão culpado quem"rouba a sacristia" como quem está de atalaia "à porta da igreja". Ou seja, quem convida para os seus certames grupos desta natureza e inserindo-os num contexto que a eles não lhes pertence de todo está a prestar um péssimo serviço ao fenómeno Tunante no seu todo. Mais afirmo, está a descredibilizar o seu próprio evento. Assim, afirmo que quem convida estes agrupamentos das duas uma ou muda o contexto (deixando de ser festival de tunas e passando a chamar-se outra coisa qualquer) ou então está a promover a contrafacção e consequentemente, a prejudicar a Tradição Tunante no seu todo.

Apelo firmemente às Tunas académicas e/ou Universitárias que organizam Festivais de Tunas para que se retratem neste ponto e de forma inequívoca, caso oposto, são também elas o problema e não a solução. Mais coerência por favor. Descalçem, pois, esta bota as organizações dos Festivais, s.f.f; A figura da exibição extra-competição (como se faz aliás frequentemente e até com Tunas como sendo e no caso femininas, de veteranos, grupos de fado, etc) serve para alguma coisa, por exemplo. Isto claro, partindo do principio que um agrupamento não tunante diga ele mesmo que se coloca fora de uma competição que não lhe pertence por natureza. Mas isso seria pedir demais, reconheço.


Quanto ao resto, é pseudo marketing para "inglês" ver que não me convence com "calçadeiras tunantes" sequer. Nem mais nem menos. Pessoalmente prefiro Sparco ou Bering mas para andar de mota e SÓ. Não que seja "bota de elástico" mas pronto....

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