A Aventura da Tuna espanhola durante o Franquismo


Embora num contexto que não o nosso – mas que o vivemos nesse espaço temporal com o Estado Novo – fica aqui uma tradução livre de um artigo espanhol da autoria do meu amigo Rafael Asencio, sobre a Tuna na época do Franquismo.
Reflitam e tenhamos, no fim da sua leitura, a exacta medida do valor “liberdade” e saibamos ser merecedores da Tuna nos dias de hoje porque o passado nem sempre foi fácil e a Tuna a tudo sobreviveu. Que não sejamos nós a hipoteca-la......

“A Tuna na Espanha Franquista

A contenda civil afectou a normal evolução das tunas e estudantinas anteriores ao conflito bélico, no entanto, e após uns anos de silêncio, voltaram a constituir-se novos agrupamentos à imagem e semelhança das extintas, num 1º momento somente académicas e posteriormente carentes dessa mesma natureza.

Na Espanha da ditadura (1939/1975) o Sindicato Espanhol Universitário , S.E.U. (regulado por decreto da chefatura do Estado de 21 de Novembro de 1937, que promulgou os seus estatutos) será encarregue de regulamentar as actividades dos diversos grupos escolares, dotando-os de infraestruturas, assim como de uma organização que sirva os interesses e missões encomendadas aos mesmos. Juntamente com os Corais, grupos desportivos, secção feminina e T.E.U. (teatro universitário) cria-se a Tuna como melhor meio de angariar fundos para as diferentes obras de cariz social que, a partir do sindicato, se promoviam a favor dos estudantes mais necessitados, como a “ajuda universitária”, “bolsa de livro” e “lugar universitário”.

A Tuna em si representava um colectivo potencialmente perigoso aos olhos da ditadura de Franco que, como todas as ditaduras, impôs um duro controle relativamente ao direito de associação e reunião, sobretudo se tivermos em conta as suas bases, ou seja, estar integrada por estudantes (eventualmente subversivos) e exercer o seu domínio quando o dia caí e a noite surge...

Deram conta muito tarde desta circunstancia as hierarquias do regime e quando o quiseram fazer já a Tuna gozava das simpatias dos cidadãos. Os que ainda eram meninos quando a guerra civil começou e, por tal, desconheciam a tradição, viam na Tuna uma curiosa novidade, em contrapartida, aos mais velhos, trazia recordações dos tempos de paz. O fenómeno agudizou-se com a proliferação inusitada de agrupamentos juntamente com a vontade que tinham cada vez mais de difundir a sua arte para lá da fronteira dos Pirinéus......para fugirem à guerra.

Constituiu a primeira medida de controle uma Circular da Direcção Geral de Segurança de 10 de março de 1955 (BOE 18 Março 1955 referência Arazandi 420) que regulava o desfile dos grupos musicais estudantis nestes termos:

“1- A partir desta data, para que possam actuar e desfilar na via pública os grupos musicais de estudantes conhecidas por Tunas será requisito indispensável a autorização escrita da Direcção Geral de Segurança que unicamente a concederá após informação do Sindicato Espanhol Universitário. Anexo ao dito documento, que deverá estar na posse em qualquer momento do chefe da Tuna, irá a relação nominal dos componentes da mesma, com moradas respectivas e faculdades onde cursem os seus estudos.

2- Os agentes da autoridade exigirão, quando assim o considerem oportuno, a exibição da referida permissão, denunciando á autoridade governadora correspondente as infracções ao exposto anteriormente, para a sua devida sanção.

A circular adiantava um regulamento mais amplo que tocaria, agora sim, a própria organização e funcionamento das tunas, a Ordem de 12 de Novembro de 1955 núm. 195 (BOE 7 Dezembro 1955, referência Aranzadi 1672. Boletim de movimento núm. 642 de 1 de Dezembro).

Diz a norma nos seus dois primeiros artigos uma linha de subordinação dupla. De um lado “ não poderão existir mais tunas que as dependentes do Sindicato Espanhol Universitário, correspondendo inclusivamente ao chefe do S.E.U. a sua criação, organização e supressão. Para o seu funcionamento dependerão do chefe de Departamento de Actividades culturais (artº 1)” e a todos os cursos será apresentados para aprovação da Chefia Nacional através do Departamento Nacional de Actividades Culturais, o programa a desenvolver pelas Tunas Universitárias (art 13º).

A contingência de que há Tunos contrários ao sistema procura-se controlar por dentro do próprio grupo, exigindo como requisito de admissão que o candidato, além de ser universitário maior de 17 anos e menor de 27 e com suficientes conhecimentos musicais, careça de “nota desfavorável no expediente sindical” (art. 3º). Igual função tem o art.4º segundo o qual “ o chefe da Tuna será designado pelo chefe do S.E.U. e pertencerá á 1ª linha ou a organização de enquadramento político equivalente. A Tuna poderá ter um director musical que dependerá do chefe da mesma” e o art. 5º que faz recair a gestão económica da tuna na administração do Sindicato, proibindo qualquer contrato publicitário comercial, assim como colectas públicas mesmo que para fins benéficos.

Como se não bastasse, incide-se na necessidade de evitar dentro do possivel a formação de Tunas de Faculdade ou Escola Especial, salvo em casos que circunstâncias especiais o aconselhem, devendo-se solicitar ao Serviço Nacional de Tunas a autorização respectiva (art 8º).

Novas permissões somam-se às instituídas pela Circular da Direcção Geral de Segurança, com data de 10 de Março de 1955. Em 1º um consentimento expresso por escrito do chefe do Departamento de Actividades do S.E.U. para todo o tipo de actuações e outro, também escrito e expresso, da Chefia Nacional, para as viagens ao estrangeiro.

Trata esta regulamentação outros temas que aparentemente parecem ser menores mas que pouco a pouco se revelam maiores, quando normalizam certos complementos do traje de Tuno, que identificam o seu proprietário, ou as insígnias que obrigatoriamente terão de usar na bandeira da Tuna.

Mais explicitas são, por ultimo, as disposições 10,11 e 12 que prevêm uma completa bateria de sanções que correspondem às infracções:

Art.10º) As sanções a infracções da presente regulamentação compreendem desde a suspensão de toda a actividade durante um determinado período de tempo até á dissolução definitiva da tuna. Em caso de faltas colectivas que afectem toda a Tuna, as sanções serão propostas pela chefia do S.E.U. a esta Chefia Nacional.

Art.11º) Em caso de infracções individuais de alguns elementos ou pequenos grupos da Tuna, as sanções serão impostas pelo chefe do S.E.U. por proposta do Chefe da Tuna., compreendendo desde a expulsão até á formação de expediente sindical. Em todos os casos será comunicada à Chefia Nacional e ás autoridades académicas competentes.

Art. 12º) As sanções não só se imporão nos casos que recolhe esta regulamentação, mas também em todas aquelas faltas de tipo moral e político que a juízo do Chefe do Sindicato Espanhol Universitário possam prejudicar a Tuna e o Sindicato.

Pode ser estranho neste contexto pois pese todas estas normas, a ordem de 12 de Novembro de 1955 tolerava que as Tunas levassem a cabo as suas digressões, pois estava na mente do “Caudillo” utilizar o rico folclore espanhol como meio de propaganda do regime, que nesses anos sofria de um claro isolamento do resto das nações civilizadas. Foi esse involuntário tributo que as Tunas tiveram de pagar para alcançar os seus sonhos, embora se deva considerar que a própria dinâmica das Tunas, o seu espírito dificilmente controlável, foi abrindo as portas muito antes das transformações políticas.”

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