A Aventura da desclassificação e da não atribuição.

Não estava de todo previsto por mim colocar este ano mais uma qualquer "Aventura", até porque a ultima fez o meu balanço do ano que agora finda e bastaria esse só para sairmos de 2007 em beleza quanto a mim.

Mas de facto e em abono da coerência deste blog, abro agora uma excepção para comentar algo que não se dirigindo a ninguém nem a nada em absoluto, aborda antes de forma genérica uma situação concreta, a desclassificação num certame e ou a não atribuição de prémio num certame. Porque é que elas existem, porque se aplicam as mesmas, porque razão elas estão previstas em alguns regulamentos de certames, qual a lógica ou lógicas por detrás das mesmas.

Há várias lógicas, razões para se proceder a desclassificações e/ou não-atribuições de prémios. Antes de mais, dizer que uma coisa será desclassificar e outra será não atribuir algo; são situações embora parecidas e que na prática resultam no mesmo final, são elas distintas porque a desclassificação é uma exclusão liminar e a não-atribuição é um considerando que indica haver algo que não atingiu determinado objectivo previamente estipulado ou com regras especificas para serem cumpridas. A desclassificação presume até penalização, a não atribuição não, pode implicar sim o não cumprimento de premissas para a atribuição desta ou daquela distinção.

Há uns anos num celébre certame - XVIII edição do mesmo - não foi atribuído o 2º lugar da classificação geral, antes o 3º e o 1º e então, a polémica gerou-se. Principalmente porque para muitos não faz sentido não completar um escalonamento lógico: se há 1º, então há 2º e 3º. Se há 3º e este é atribuido porque razão não atribuir o 2º lugar e assim sucessivamente. A lógica do cortar a meta, digamos assim, aqui, parece coerente: mesmo que o 1º ganhe com dois dias de avanço uma prova de atletismo, o 2º aparecerá na meta dois dias depois e não deixa de ser o 2º por isso. Parece óbvio que assim seja. Mas acontece que em avaliação de Tunas, de uma cultura, de uma Arte até, parece dispiciente que a lógica "desportiva" neste sentido impere se assim for o caso em apreciação. Mais ainda despiciente quando está previsto antes que assim possa ocorrer.

Nesse célebre certame o Jurado teve, já noutra edição, a vigésima, até o bom senso de explicar qual a sua função e o porquê da atribuição dos prémios em disputa (e referir que tratando-se do evento que se trata, pelo seu prestígio, grandeza e responsabilidade é o mesmo desejado por todas, logo, presume-se que todas de acordo com os seus critérios avaliativos). E eu confesso que a explicação quanto a mim colheu toda a lógica tratando-se de avaliar Tunas e no contexto específico das regras de avaliação daquele certame - note-se que nem todos os eventos se pautam neste apartado pelas mesmas lógicas avaliativas como todos sabem; se uns se estão "nas tintas" para determinados aspectos outros eventos há que valorizam outros aspectos completamente distintos e outros há que nem uma coisa e outra, vamos convir. E haver regras é credivel, aceitável e acima de tudo, sensato quando do conhecimento prévio de todas as intervenientes. Se está escrito que se avaliará Y, X ou K, então já se sabe ao que se vai. Alegar desconhecimento não presume a não aplicação de Y, X ou K. Não se pode alegar DEPOIS das coisas acontecerem aquilo que não se alegou ANTES das coisas ocorrerem: isso é moralmente suspeito e eticamente reprovável. Já para não falar de caras alegres antes e as mesmas depois cabisbaixas.

Essa não atribuição então do 2º lugar na décima oitava edição do evento procurou acima de tudo marcar uma diferença clara entre o que foi a vencedora e as restantes participantes, sendo que assim sendo, a franqueza e frontalidade do Jurado não pode ser contestada sequer pois o mesmo evento prevê a não atribuição de prémios - também o fez p.ex. quanto ao Estandarte e não posso precisar se nessa ou noutra edição, confesso, dizendo claramente que de todos nem um existiu que cumprisse com a finalidade explicita no regulamento do certame ou então nem um Estandarte houve sequer - antes bandeiras e afins - logo, não atribuiu o prémio porque ou não cumpriram com o estipulado para esse prémio ou então porque ele pura e simplesmente não surgiu em cena. Recentemente fiz parte de um Jurado que precisamente no apartado de Estandarte e de acordo com os critérios avaliativos do mesmo apenas ponderou avaliar duas tunas de cinco a concurso porque 3 delas nem sequer estandarte levaram a palco; logo, o universo avaliativo em coerência e no caso resumiu-se a duas tunas. Levou a estatueta uma dessas duas, obviamente, por muito bonita que tivesse sido a performance das bandeiras (que não estavam em avaliação, logo, não contam nem descontam) das restantes 3 tunas que não levaram estandarte. Era isso que nos pedia a organização, foi isso que nós avaliamos. Mais, se nem essas duas tivessem levado Estandarte, logo, nenhuma tuna teria levado Estandarte, logo, o prémio Melhor Estandarte não era atribuído, de acordo com o Regulamento. Just like that.

E isto leva-nos a outro considerando. Aquilo que o público vê e avalia não é, queira-se ou não, o que o Jurado vê e avalia. A visão do público não é a mesma do Jurado nem pode ser de resto: O Jurado tem de ser frio, objectivo e concreto para assim e juntamente com os itens avaliativos requeridos poder desempenhar o seu papel na máxima isenção e rigor. Quem já compôs um Jurado sabe que até pela sua composição humana - várias pessoas de várias sensibilidades mesmo que adaptadas e conhecedoras sejam do fenómeno - a relatividade existe. Por isso mesmo é que a sua missão não pode ser emotiva por si só, antes mais técnica, especifica, concreta, racional.

O público, esse, avalia emotivamente e despojado dos critérios, atenção, conhecimentos até - para não falar já de despojado de isenção - logo, a avaliação do público pode ser muito mais falaciosa e subjectiva do que a avaliação do Jurado, caso oposto num certame não seria necessário haver Jurado, bastaria o público para atribuir prémios.
Se há um Jurado num certame de Tunas isso ocorre porque que há coisas, pontos, regras, itens, critérios, etc, que devidamente harmonizados levam a uma avaliação objectiva, clara, justa e acima de tudo em favor do que pretende a organização do evento, pois se um Jurado é necessário tal acontece porque o evento assim o requer. Se um Jurado não concordar com esses itens avaliativos, então deve recusar compôr o mesmo, tal como se uma Tuna não concorda com esses critérios deve recusar liminarmente e simpaticamente o convite, algo absolutamente coerente diga-se. A prática diz-nos sim outra coisa; vai-se e depois de as coisas acontecerem é que se critica, coloca em causa, em questão. Nunca vi sim ANTES do certame alguém se pronunciar sobre esses critérios, itens avaliativos com a mesma coerência e efusividade que o faz depois. É pena, até porque pode pôr em causa aquilo que proclama antes ("o que interessa é participar, os prémios não interessam para nada e blá blá blá"). Depois é que são elas e "o gato fica sempre com o rabo de fora" pela força da incoerência entre palavras e actos. Continua, portanto, a ser pena.

É evidente que o Jurado não é infalivel nem pode ser quando de pessoas de trata a avaliar outras e no caso, Tunas. Pode falhar, evidentemente e por vezes falha. Mas quando se critica um Jurado DEPOIS das coisas acontecerem quando ANTES elas foram claras, objectivas e publicitadas, soa a tudo menos a falta de fiabilidade do Jurado, antes sim a "ressabianço" do presumivel lesado, há que convir. Se repararem a clausula que existe nos regulamentos de vários certames que nos diz "das decisões do Jurado não cabe recurso" existe precisamente porque se admite antes que quem participa se irá sujeitar ao que aceitou previamente. O que parece é que muitos certames colocam regras e poucos as aplicam de facto, criando assim um sentimento de nacional porreirismo latente; quando alguém o aplica, Aqui D´El Rei que isto e aquilo, numa inversão clara da lógica das coisas.

Conto agora uma pequena história - e a este proposito - ocorrida há uns valentes anos atrás em Espanha e num certame só com tunas espanholas. O regulamento do mesmo dizia a dado passo "cada Tuna a concurso não pode tocar mais que cinco temas" e não tinha esse regulamento qualquer ponto a referir a não possibilidade de recurso face às decisões do Jurado, logo, seria possivel haver recursos às mesmas. Determinada Tuna leu ANTES estes pontos e provavelmente com atenção. Acto contínuo, na sua actuação faz o seguinte: "cola" musicalmente com passagens perfeitas nada mais nada menos que cinco temas que, culminando em apenas UM - pois não houve qualquer paragem entre elas - possibilitou então a essa Tuna estar em palco quase uma hora, pois o "tema" composto por cinco distintos mas "colados" e só esse durou perto de 25 minutos somando ainda mais quatro temas que tocaram então com inico e final mais "paleio" pelo meio, estando em palco qualquer coisa como uma hora, mais coisa menos coisa. O regulamento não falava em tempo de actuação.
O Jurado pretendia desclassifica-los por excesso de tempo o que não ocorreu pois a Tuna em questão alegou o cumprimento cabal do ponto do regulamento que dizia que cada Tuna a concurso não poderia tocar mais que cinco temas e foi isso que fizeram, alegando que não havendo limite de tempo mas antes de temas (cinco) a mesma Tuna então tinha cumprido com o regulamento pois tecnicamente foram "apenas" cinco temas que interpretaram. Não foram obviamente desclassificados até porque o regulamento omisso permitiu o recurso da Tuna em questão.
Estão agora Vªs Excelências a perceber a importância das regras e preferencialmente com lógica e coerência?

Se houver antes contestação por exemplo, quanto ao tempo atribuido para a apresentação em palco, então ela deve ser feita ANTES de a ele se subir. Por isso é que das decisões do Jurado não há recurso: o recurso aqui não produz efeitos porque houve ANTES a possibilidade de contestar. E as regras quem as estabelece é a organização e não as participantes. Seria algo de absurdo até que assim fosse pois assim haveriam tantas regras quantas tunas a concurso e muito provavelmente feitas à medida de cada uma das participantes, claro estaria. Absurdo e inédito, já para não dizer surreal. Há que convir também que muitas das criticas atribuidas por vezes aos Jurados não lhe são a estes dirigidas mas antes e sim à organização - sendo que paga sempre a factura o Jurado... - precisamente porque o Jurado apenas e tão só dá cumprimento ao que a Organização requer, logo, em rigor seria a esta ultima que deveriam recaír grande parte das "reclamações" que vão havendo no final, claro está.

Devo dizer que entendo aqueles que sofrem directa ou indirectamente uma não atribuição de um determinado prémio, tenho que entender obviamente. Já me ocorreu como participante. Mas aceito tranquilamente que isso ocorra desde que previamente previsto que tal pode ocorrer; eu aceitei, logo, não posso contestar depois algo a que eu anuí antes. Para isso não aceitava participar. Se aceitei, tenho de me sujeitar às regras que eu mesmo declarei que iria cumprir. Não me parece assim sendo que qualquer critica caiba a um Jurado que apenas cumpre e no seu entender com o previamente estipulado. Por muito que nos custe, é assim. O que uns entendem por "flexibilidade" na avaliação das Tunas outros chamam-lhe "falta de rigor", outros "balda" e outros ainda "má vontade" ou "roubo de sacristia". Por isso mesmo é que é aconselhável haver regras e fazê-las cumprir.

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