A Aventura do Traje de Tuna...

Encontrei a dado momento das minhas pesquisas este texto abaixo que condensa de uma forma mais ou menos simpática para o leitor um pouco da evolução do Traje que as Tunas envergaram e envergam, quer em Espanha quer por cá.

O blog "Guitarra de Coimbra" para lá de essencial na abordagem ao Fado da Lusa Atenas contêm alguns textos de enorme relevância também para o fenómeno Tunante. Deixo então aqui o citado texto que a meu ver é uma excelente e rápida passagem para que se entenda com mais clareza algumas coisas essenciais e, por outro lado, mostra ainda que de forma indirecta o ridículo com que alguns se cobrem actualmente....

A bold ficam as passagens que entendo pessoalmente serem as mais relevantes.


" (...) Na passagem de setecentos para oitocentos, muitos tunos errantes e académicos em viagens a caminho de suas casas já não vestiam o austero uniforme clássico mas antes os “trajes de gentes”, compostos por camisa branca, casaca de abas, meias altas, calções e sapatos pretos de fivela (“hebilla”).

Na sequência das ocupações napoleónicas e das revoluções liberais, o governo de Espanha decretou em 1834 a abolição do Trajo Académico discente, sancionando uma situação de abandono que se arrastava desde finais do século XVIII.

Na Universidade de Cervera, Barcelona, a iniciativa abolicionista seria firmada pelo punho do reitor D. José Hermosilla, que através de edital de 08 de Outubro de 1835 declarava abolido o porte obrigatório do Habito Talar.

Abolido oficialmente em 1834 o antigo traje estudantil espanhol, por décadas as tunas espanholas fizeram actuações sem qualquer trajo distintivo. Na segunda metade do século XIX fomentou-se o uso de fantasias nas tunas carnavalescas, como se pode observar numa fotografia da Estudantina de Santiago de Compostela captada em 1877, um ano após a sua apresentação no Carnaval de 21 de Fevereiro de 1876 [16].

A sorte das fantasias carnavalescas tunantes seria jogada no Carnaval de 1878, quando foi organizada uma tuna, logo baptizada de Estudantina Espanhola, que actuou em Espanha e no dia 06 de Março de 1878 realizou espectáculos em Paris no Jardim das Tulherias. O fato carnavalesco adoptado pelos tunos era constituído por um traje eclético da primeira metade do século XVII, remetendo com alguma imprecisão para meias calças, sapatos de laço, calções presos abaixo do joelho, gibão liso, camisa com colarinho e punhos de folhos, capa fidalga e bicórnio de finais de setecentos.

A revista mundana “La Illustración Española y Americana”, de 15 de Março de 1878, dedicou uma áspera reportagem fotográfica à Estudantina Espanhola, mas a repercussão foi tal que rapidamente aquilo que começara por ser um efémero trajo carnavalesco se viu transformado em virtual “trajo académico dos tunos espanhóis”.

A moda dos fitilhos multicolores nas capas e instrumentos alastrou às universidades espanholas e a Portugal (ex: Córdova, foto de 1891) e aos países da América Latina (ex: Valparaíso, Chile, foto de 1891). Na sua visita a Portugal em 1888, a Estudantina Compostelana apadrinhou a Tuna da Universidade de Coimbra, cujos elementos adoptaram de imediato fitilhos no braço dos cordodones e no ombro da batina escolar.

E a moda não tardou a popularizar-se nas emergentes tunas dos liceus portugueses ao longo da década de 1890, com os Liceus de Viseu, Évora ou Porto a consagrarem o porte do laçarote de pontas verdes no braço direito da batina.

Porém, o “traje académico de tuno”, sofreria diversas transformações ao longo do século XX.

Durante a Guerra Civil de 1936-1939 a maior parte das tunas abandonou o porte do bicórnio.

Um normativo publicado no “Boletín Oficial del Estado”, de 07 de Dezembro de 1955, normalizou o trajo dos tunos em todo o território do reino, impondo o uso de um laço da cor científica no braço esquerdo. Foi também nesta altura que se procedeu à reciclagem da antiga beca salmantina. Os tunos passaram a usar becas da cor científica, dobradas em V sobre o peito, mas com as pontas muito encurtadas pela linha da cintura, e admitindo emblemas bordados e crachás metálicos.

A última grande transformação ocorreria em Salamanca no ano de 1973, data em que o trajo oitocentista das tunas de carnaval foi substituído pelo trajo fidalgo do Século do Ouro: meias calças, sapato de chinelo, calções de bolbos e entretalhos, com o forro da cor científica, jibão de veludo com ombros tufados e golpeados, capa nobre e beca colorida pregada nos ombros [17].

Das tunas masculinas, as becas reinventadas na década de 1950 passariam às tunas femininas, não deixando mesmo de influenciar a movida tunante vivida na América Latina e no Portugal dos anos 1980-1990.

Relativamente a Portugal, influências espanholas mais explícitas parecem detectar-se nas tunas da Universidade do Minho (Braga/Guimarães), mas talvez se possam admitir de forma menos visível na Infantuna de Viseu [18], no Real Tunel (Viseu), e nas tunas ligadas à Universidade do Algarve (Faro).



[16] Nota histórica da Tuna Universitaria Compostelana, http://www.usc.es/tuna/.

[17] Descrição em Roberto Martínez del Rio, “Estudiantes de Salamanca”, Salamanca, Ediciones USAL, 2001, pp. 71-75.

[18] Informações sobre a origem desta tuna e trajo adoptado em João Paulo Sousa, “10 anos de Infantuna. Contributo para a memória de um fenómeno”, Viseu, Palimage Editores, 2002. Trata-se de uma obra pioneira na abordagem do fenómeno tunante académico português vivido após a Revolução de 1974.

Em Outubro de 2006 o referido autor promoveu em Viseu um encontro que reuniu especialistas portugueses e espanhóis. Cf. ainda "Tuna Académica. INFANTUNA", http://www.estv.ipv/infantuna/-3k, e "IV Encontro Nacional de Tunos. Viseu, 13, 14 e 15 de Outubro 2006", http://www.iv-encontronacionaldetunos.com/.

Há notas sobre o traje, cores e insígnias dos tunos da UMinho em "Afonsina", Tuna de Engenharia da UM", http://www.geocities.com/afonsina/, bem como em "Azeituna. Tuna de Ciências da Universidade do Minho", http://www.azeituna.pt-3k/. Relativamente ao traje discente adoptado na Universidade do Algarve, existem informes no sites "Tuna Feminina da Universidade do Algarve/Traje Académico", http://www.ualg.pt/estudantes/tunas/fferventis/, e em "Tuna Académica da Universidade do Algarve/Traje", http://www.ualg.pt/estudantes/tunas/versus-2k.

Sobre o REAL TUNEL Académico de Viseu, sua fundação (1991) e criação do trajo renascentista (1997), com boina, gibão de ombros golpeados, calções e faixas distintivas (azuis, amarelas, vermelhas), veja-se o site http://www.realtunel.com/bi/traje/htm.
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Comentários

J.Pierre Silva disse…
Um bom apontamento, sem dúvida.
Também já tinha lido o dito artigo, guardando uma cópia, contudo foi oportuno teres feito nova exposição, de modo a não deixar cair no esquecimento.

Obviamente que, no que toca ao traje da U.M., tive oportunidade de levantar algumas questões que, quanto a mim, desmontam o argumento que está por detrás da sua justificação histórica.
Há aqui nesta matéria variadas questões e após cruzamento de informação disponivel, percebe-se o seguinte:

Os trajes das Tunas do Minho são iguais ao da Academia Minhota. Bom, não será absoltumante assim, é preciso dizer que não são completamente iguais: O da TUM tem um bico sobre as costas caído (vermelho), a azeituna tem um "minete" (em paródia ao bico da TUM...) que é uma faixa azul clara sobre o peito do lado esquerdo e onde tem o simbolo da Azeituna. A Gatuna, Augustuna e ainda as tunas da U.M de Guimarães - Afonsina e Tunóbebes - tb elas têm alterações ao traje Minhoto. Traje esse retirado supostamente de uns azulejos que ainda hoje estão patentes nas paredes da Reitoria da U.M. no Largo do Paço, datados do Século XVII e que a U.M. decidiu recuperar em inicios dos anos 90, daí a mudança de traje.

De acordo com o Código de Praxe da U.M. revisto em 20/11/2000 é esse o Traje Minhoto que todos conhecemos.

Acontece é que antes da fundaçãoa da U.Minho - Foi fundada em 1973 e iniciou a sua actividade académica em 1975/76 - já existia quer ensino Superior - Universidade Católica com curso de Filosofia - quer Tradições Estudantis, como atestam as existentes no Liceu nacional Sá de Miranda em Braga, nomeadamente as festividades do "Enterro da Gata" que nasceram neste Liceu muito antes até de qualqur instituição de Ensino Superior em Braga, e que a U.M. recuperou.

Quanto ao Liceu Sá de Miranda: "Também neste liceu havia de certa forma, uma imitação do que se passava na Unversidade de Coimbra e nas escolas Superiores de Lisboa e Porto. Havia então as academias liceais, os trajes académicos, grupos musicais e teatrais, entre outros. Em 1873, foi solicitado pelos estudantes, o uso de capa, batina e gorro à maneira de coimbra. Tal solicitação foi cedida pelo Governo a 2 de Abril de 1873.
No inicio de cada ano tinham lugar as praxes aos novos alunos do liceu. O ritual mais conhecido era o beijar da macaca que consistia na imposição de os caloiros de beijar uma moca.
Havia Tunas ( a referenciada Tuna do Liceu Sá de Miranda de que foi seu regente o Maestro Armindo Maia) grupos teatrais, clubes literários que se ocupavam mais da organização de festas e os grupos de teatro e de musica faziam espectáculos e digressões por várias cidades. (fim citação)

Outra citação curiosa: " Uma característica deste liceu mesmo depois da implantação do Estado Novo foi o Enterro da Gata. Este consistia no enterro de uma gata, que servia para exorcizar o medo das reprovações nos exames e tinha uma componente de crítica social aquando dos discursos finais e da leitura do testamento da gata. O primeiro Enterro da Gata consta do ano de 1889." (fim de citação)

Ora, Curioso será observar que a Associação de Estudantes da U.M. foi em idos de noventas recuperar o Enterro da Gata mas já não manteve o mesmo traje usado pelos estudantes do Liceu Sá de Miranda, que era Capa e Batina.

Em Braga existe Universidade Católica - Filosofia - há muito mais tempo que a U.Minho existe e os seus estudantes SEMPRE trajaram e ainda hoje trajam Capa e Batina, o que configura numa mesma academia, dois trajes de estudante. Houve elementos fundadores da Tuna Universitária do Minho - e que eu conheço e me confidenciaram tal - que chegaram a trajar, nos 1ºs tempos da Universidade do Minho, Capa e Batina, ou seja, trajaram dois trajes distintos ao longo do seu percurso académico e na mesma Universidade.

Fica a nota histórica.

Abraços!
Mauro disse…
Boas amigo!

Excelente apontamento, no entanto não consegui identificar as ditas influências no traje da Universidade do Algarve.

Em jeito de actualização informo que ambos os sites já não estão disponiveis, mas o da Versus Tuna está agora em www.versustuna.com

Relativamente ao traje da UALg pode ser encontrado uma pequena resenha histórica com relativamente algum rigor em: http://www.aaualg.pt/ie/tradicao.asp?id=24&submenu=5&bactiva=activa

No entanto não se devem considerar nem o regulamento de traje nem de praxe existentes neste site por algumas questões e falta de rigor.

Abraço
Caro Mauro;

Fica o teu precioso contributo que de resto, ajuda ainda mais á matéria em questão, de forma a não se cometerem erros crassos que poderão ter repercussões futuras. Se tu afirmas isso e comprovas, então é o que vale seguramente, pois és da Universidade do Algarve e certamente estás mais perto da fonte.

Forte abraço!