A Aventura das Tunas de Liceu



Falar sobre as Tunas de Liceu ainda é hoje uma matéria revestida de algumas confusões, ilusões e essencialmente, de falta de contextualização das mesmas no panorama nacional e referente às épocas onde as mesmas surgiram e se desenvolveram.


São inevitavelmente fenómenos de mimetismo face ao ensino Universitário (a foto ilustra uma Praxe de Liceu nos anos de 1936/37 na Guarda), tomando a Praxe Coimbrã como exemplo, desde o estético aos usos e costumes que então os Liceus detinham e que foram reproduções adaptadas no tempo e no espaço da Tradição Estudantil Universitária nacional de então, balizada algumas vezes por contextos socio-politicos locais e nacionais bem específicos.


Abordemos algumas Tunas Liceais - hoje praticamente inexistentes - e seus costumes, sem perder de vista o introíto acima em altura alguma, sob pena de se descaracterizar a caracterização (passo a redundância) das mesmas: São todas as Tunas de Liceu repetições dos usos e costumes das Tradições Universitárias, adaptadas caso a caso, época a época e contexto a contexto.



Liceu Sá de Miranda- Braga.


Em 1873, foi solicitado pelos estudantes, o uso de Capa, Batina e Gorro à maneira de Coimbra. Tal solicitação foi cedida pelo Governo a 2 de Abril de 1873.


No inicio de cada ano tinham lugar as praxes aos novos alunos do liceu. O ritual mais conhecido era o "beijar da macaca" que consistia na imposição aos caloiros em beijar uma moca. Havia tunas, grupos teatrais, clubes literários que se ocupavam mais da organização de festas e os grupos de teatro e de música faziam espectáculos e digressões por várias cidades.


A comemoração do 1º de Dezembro tornou-se numa das festas mais importantes pelo menos nos primeiros anos de existência do liceu. Esta cerimónia consistia num desfile de estudantes do liceu pela cidade, uma peça de teatro realizada por estes e um baile na noite anterior. Após o programa oficial, pela noite fora, aconteciam ceias organizadas pelos estudantes acompanhadas por música e havia lugar para um conjunto de partidas feitas nos diversos locais da cidade.


Uma característica deste liceu mesmo depois da implantação do Estado Novo foi o "Enterro da Gata". Este consistia no enterro de uma gata, que servia para exorcizar o medo das reprovações nos exames e tinha uma componente de crítica social aquando dos discursos finais e da leitura do testamento da gata. O primeiro Enterro da Gata consta do ano de 1889.



Liceu Gonçalo Velho- Viana do Castelo.


Desde o seu ínicio, nasceu no Liceu de Viana do Castelo, a ideia de que se estava na presença de uma academia estudantil. O traje estudantil, os órgãos estudantis, os grupos culturais, como a Tuna, a Filarmónica ou o grupo de Teatro e algum comportamento boémio, fazem em tudo lembrar o que se passava naquela altura na Universidade de Coimbra.


Havia mesmo uma grande confraternização entre os estudantes liceais e os estudantes universitários. Nos liceus, tal como nas universidades, havia praxe para marcar a entrada dos novos alunos. Neste liceu, a maior festa, acontecia no 1º de Dezembro. Esta era organizada pela direcção académica que tinha como parte central um sarau teatral e musical que decorria no Teatro Sá de Miranda.


É ainda de referir que, até 1930 a direcção liceal não se intrometeu na organização desta festa, à qual assistia. A partir de 1930, este sarau passou a ser feito na Associação Escolar, que tinha sido contruída sob direcção do reitor. Em 1937, foi constituída a Mocidade Portuguesa no liceu, tendo assim, a organização do espectáculo passado para o controlo desta organização.



Liceu Mouzinho da Silveira - Portalegre.


O associativismo no liceu assumiu várias formas ao longo da história do liceu. A mais antiga era a Sociedade Filantrópica Académica Portalegrense e tinha fins de solidariedade. Havia também jornais escolares, dos quais se destacam, "O Académico", "A Juventude", "Alô!Daqui LMS", entre outros.


Em relação às comemorações, havia o 1º de Dezembro e a sessão solene de abertura das aulas, onde eram distribuídos prémios aos melhores alunos. Na década de 60, começaram a haver os bailes de finalistas que ocorriam no Carnaval e a festa de encerramento do ano lectivo, que incluiam exposição de trabalhos, manifestações desportivas, actuação do Orfeão e peças de teatro. Há também referências a saraus, representações teatrais, palestras e conferências. (Pinheiro, 1999; Oliveira, 1981)




Liceu Diogo de Gouveia - Liceu Nacional de Beja.


Por volta do ano 1873 foi aprovado o uso de Capa e Batina nos actos escolares e formou-se também a Tuna Académica e a Associação Académica de Beja. A Tuna teve papel destacado nas festas e saraus escolares, nomeadamente na festa de 4 de Março.




Liceu Nacional Nuno Alvares - Castelo Branco.


Em consequência da Reforma de Jaime Moniz, o liceu recupera o seu prestígio, começando a ter uma maior procura por parte dos alunos. Após a extinção do Colégio de S. Fiel, o número de alunos do liceu aumentou consideravelmente. As tranformações afectaram também o convívio e a diversão. As bandas passaram a animar as festas, as solenidades e os coretos de domingo.


Surgiram ainda as récitas académicas e a Tuna. Havia também a comemoração do 1º de Dezembro com um sarau literário e musical. Destes rituais, faziam parte o uso de Capa e Batina e as praxes dos caloiros. Estas constavam em jogos e brincadeiras que se seguiam de um jantar.


Apareceram os jornais académicos, "O Cri-Cri" e "O Átomo". O primeiro tinha um carácter literário e o segundo incidia na vida académica local. Em 1913/14, surgiu o "Baptismo dos Caloiros" que se realizava no dia 1 de Novembro. Este foi um período de grande dinamismo no liceu. A escolha de Nuno Álvares para patrono aconteceu em 1918, numa reunião do Conselho Escolar, pois este era considerado um grande patriota. Durante os anos de 1917 até 1922, o liceu viu os efeitos da guerra, da fome e da pneumónica. Apesar disto, os alunos continuaram a seguir a tradição principalmente no uso de Capa e Batina.



Liceu Bocage - Setubal .


A partir de 1900, a situação do liceu estava consolidada, e no segundo período, foram criados a Caixa Escolar de Socorros a Estudantes Pobres, a Associação Académica do Liceu Bocage, a Tuna Académica, a Caixa Escolar do Liceu Nacional de Setúbal, a Sociedade de Antigos Alunos do Liceu de Setúbal, a Associação Escolar do Liceu Bocage, o Nucleo de Acção Social Rainha D. Isabel e os Orfeões. As festas e comemorações de eventos tiveram grande importância na ligação da família e da sociedade ao Liceu.


Foram feitas festas de Natal, da Primavera, da abertura do ano lectivo, comemoração da Restauração da Independência. Comemoraram-se também centenários de figuras da cultura nacional. No dia 6 de Fevereiro de 1949, foi realizada uma festa pela inauguração do novo edifício. Houve sessões de poesia, bailado e actuações do órfeão e de uma orquestra da Câmara.



Liceu Afonso de Albuquerque - Guarda.


O dia 1 de Dezembro era a festa mais importante da Academia da Guarda. Este liceu, tal como outros liceus tinha uma Tuna. Em relação aos prémios escolares, é importante referir que o liceu da Guarda promoveu várias distinções para premiar os alunos mais aplicados. Eram também atribuídas bolsas ao melhor aluno do liceu. Para além do 1º de Dezembro, comemorava-se o 10 de Junho e o Dia da Raça.




Um outro acontecimento importante eram as praxes académicas. Com capa e batina percorriam a rua com os caloiros, fazendo serenatas às colegas e sujeitando os caloiros a castigos e brincadeiras. É de referenciar que era dada muita importância a este momento e ao convivío que gerava.



Liceu de Évora.


O liceu ficou marcado por alguns acontecimentos importantes que fizeram o próprio clima do liceu. Regras, festas, associações estudantis, entre outras. O primeiro traço de uma associação estudantil foi a Associação Académica Filantrópica Eborense, que foi fundada em 1890. Os seus espectáculos revertiam principalmente em favor de estudantes pobres, apoiando-os. Esta acaba por se extinguir, em 1910, porque os alunos que dela faziam parte foram acabando os seus estudos e saindo do liceu, e não houve ninguém a suceder-lhes na Associação Académica Filantrópica Eborense.


Depois desta associação, surgiu uma nova que se denominava de Associação da Tuna Académica. Estes faziam espectáculos musicais e com o dinheiro ganho suportavam as despesas das visitas de estudo que faziam. Em 1912/13, surgiu a Associação Orfeónica. Esta tinha mais ou menos as mesmas funções que a Tuna Académica, mas esta era mais organizada. Apesar de tudo, a Tuna Académica tornou-se a mais importante associação estudantil, tornando-se uma presença constante nos acontecimentos da cidade. Esta foi também caracterizada pelo clima de sociabilidade estudantil existente nas tunas.

Comentários

J.Pierre Silva disse…
Muiuto bom trabalho de investigação. Pena é não haver datas da criação das respectivas tunas.
Uma coisa me continua a intrigar (bem como a ti, certamente): se as tunas de liceu são cópia do modelo universitário, como é possível que haja indícios de haver, eventualmente, Tunas "Académicas", não exclusivamente universitárias (mas com alunos do liceu) que são, provavelmente, anteriores às universitárias?
Faltam dados, mas sabes tão bem quanto eu que não foi o ano de 1888que deu início à propagação do modelo nos liceus (tendo em conta que, no curto espaço de 1 década e meia, aparecem tunas em todo lado, a nascerem tai scogumelos.

Ainda bem que deste este pontapé de saída; a ver se conseguimos fazer alguma luz sobre o quando do surgimento das Tunas Académicas e sob que modelos - de modo a podermos, também, apontar o quando das tunas estritamente de cariz universitário.

Forte abraço!!!