A Aventura da Evolução histórica da noção Festival..


Desde os remotos tempos de Fecamp, na Normandia, no ano 1000, que a noção de competitividade em Arte, seja musical, declamada ou cantada mudou significativamente. A noção histórica dos Jogos Florais que está no Jurássico da noção dos certames de Tunas é, para lá de remotamente romântica, absolutamente fulcral para o saudável entendimento de facto daquilo que deve ser uma competição em Artes, sejam elas as mais distintas entre si.

Aliás, era - e deveria ter sido sempre - a noção base dessa competição a divulgação per si da natureza, beleza e divulgação dessas mesmas Artes, onde o simples acto de cantar, declamar ou tocar algum instrumento bastava - e bastaria - enquanto função primária de qualquer Arte, ou seja, mostrar pontos de vista estéticos, vivências, estados de alma, culturas e por aí fora. Sem qualquer leitimotiv adendado que porventura, potenciasse a um nivel bélico o entendimento dessa mesma competição - erro crasso de Lesa Tunae em que o certame competitivo se entrincheirou: o importante é o prémio e não o que se faz quando o oposto deveria ser a base de entendimento digamos normal.

O modelo de certame de Tunas que temos em Portugal é - mais uma - exportação espanhola e que surge após a Guerra Civil com o advento dos primeiros certames de Tunas em Espanha patrocinados e controlados pelo Sindicato Espanhol Universitário (organização da Falange Franquista), sendo que às Tunas de cariz universitário de fins do Século XIX, inicios do de XX se desconhecem qualquer tipo de competições entre as mesmas, bastando a sua actividade em si mesma e resumindo o seu maior sucesso ou insucesso na sua perenidade no tempo catalizado pelos aplausos e sucessos granjeados em récitas indoor e digressões efectuadas e por aqui se ficando no que toca ao medir da sua maior ou menor capacidade em alcançar sucesso e perenidade. A divulgação da sua Arte bastava então para conferir a palavra sucesso aos seus actos e omissões.

O próprio modelo espanhol de certame competitivo de Tunas universitárias - ao contrário do que se possa imaginar - evoluíu e transformou-se ao longo dos tempos, fruto quer de vicissitudes de cariz político/social da Espanha do pós Guerra Civil, quer da própria evolução da Tuna então como forma quer de afirmação de um resgate cultural muito próprio, quer do contexto que impulsionou então o ressurgimento das Tunas em Espanha - e relembro que durante a Guerra Civil Espanhola naturalmente as Tunas praticamente desapareceram fruto do conflito bélico.

A gestão e essencialmente controlo por dentro exercido então pelo S.E.U. quanto às Tunas era deveras avassalador em vários aspectos referentes às mesmas, que ia desde por exemplo a existência autorizada de apenas uma Tuna por Distrito Universitário - modelo de organização territorial universitário da Espanha de então - passando pelo controlo rigido de todo e cada uma dos componentes de cada Tuna - o cartão de Tuno era obrigatório quando o mesmo saía de Tuna - passando inclusivamente pelo modelo de organização dos certames, que à época, era algo de absolutamente inédito com regras especificas quer quanto à participação, instrumentos e reportório apresentado e até votação e desclassificações (e quanto a este apartado mais sairá a público aquando da publicação da obra de autor do Cosagape).

Ao contrário do que se possa supôr, o certame do tempo do S.E.U. era algo absolutamente surreal - se visto aos olhos do que é um certame hoje - com regras espartanas e absolutamente radicais, embora com alguns dados que pessoalmente classifico de importantes porque defensores da Tradição Tunante, pecando apenas por imposição do S.E.U e não por vontade própria das intervenientes. Até o Estandarte de cada Tuna deveria ser composto por determinados simbolos- o do S.E.U. nomeadamente - e sob regras completamente rígidas.

Após a queda de Franco e da Ditadura, a noção de certame mutou-se (questiono se evoluiu e face aos dados de que disponho e ao cenário de hoje) para algo parecido com aquilo que hoje todos conhecemos como certame competitivo, embora numa evolução mais lenta onde não haviam muitos certames (anos 70 e 80) de carácter períodico, embora surgissem nestas décadas os certames provinciais, nacionais e de circuito - tendo alguns vingado até à actualidade - para lá dos de carácter internacional.

Tudo isto serve para dizer que o ressurgimento Tunante em Portugal de fins dos anos 80 inícios de 90 importou de forma clara, em jeito de copy paste, o modelo vigente na década de 70 e 80 do Século XX em Espanha e no que se concerne ao modelo de certame competitivo de Tunas tal qual o conhecemos hoje.

Desiludam-se pois aqueles que acham que o certame competitivo foi invenção portuguesa (negativo), que nasceu nos anos 90 em Espanha (negativo outra vez), que foi sempre o mesmo e/ou com o mesmo formato ao longo dos tempos (mais do que negativo) e que finalmente a noção de que a competição tunante sempre existiu desde que há mais que uma Tuna em simultâneo (mais uma "bola à trave"...). A noção de certame competitivo nasceu nos anos 40 em Espanha, sob forte influência politica - e politizados foram todos os seus intervenientes - com uma moldura organizativa que em nada tem a ver com o modelo actual e evoluíu à medida da própria dinâmica histórica, social e cultural Espanhola, tendo sido importada pela Tuna portuguesa quando esta ressurgiu nos fins da década de 80, inícios de 90 do Século XX aquando do "boom" tunante, e que serviu como potenciador do mesmo.

Para terem uma noção do que digo, os certames organizados no pós Guerra Civil Espanhola e até ao advento da Democracia (1975) não tinham sequer..... público a assistir. E por aqui me fico....

Comentários

Eduardo disse…
Caríssimo:

mais uma prelecção de Mestre.

A título de adenda, é importante ter em conta o papel absolutamente determinante desempenhado pelo «Objectivo 92» começado a implementar em 1982 (uma década antes...) como preparação para dois grandes acontecimentos em Espanha: a Exposição Universal de Sevilha e os Jogos Olímpicos de Barcelona. Estas duas iniciativas, precedidas pelo Mundial de Futebol do célebre «Naranjito» catapultaram a Espanha definitivamente para o cenário internacional.

Importantíssimo foi apoio dado pela TVE a TUDO o que fosse intrinsecamente espanhol, com a promoção de concursos nacionais de tudo e mais alguma coisa - bandas, cantores de flamenco, rondallas, grupos folclóricos e «como no» tunas!

O programa «Gente Jóven» foi uma autêntica montra de talentos a todos os níveis. Basta dizer que os domingos de manhã eram preenchidos com a transmissão em directo de competições em TODAS as modalidades desportivas de todos os escalões etários. Foi uma iniciativa sem precedentes e sem continuidade. Assisti a esse programa quase todos os domingos, apesar de ainda não haver tv por cabo, muito menos por satélite: é que, inteligentemente, o Governo espanhol aumentou a potência dos retransmissores da TVE de forma a também cobrir Portugal, afogando-nos de ondas hertzianas...

Os Festivais de Tunas dos anos 80/90 muito devem a esse impulso. Inclusivamente o próprio formato, que não os objectivos. Isto explica, em parte, a ferocidade na competição - que ainda hoje, infelizmente, se faz sentir.

Não haja dúvidas, ainda por outro lado, que a qualidade musical subiu exponencialmente e que o fenómeno gozou de níveis de popularidade sem precedentes, repercutindo-se pela década seguinte, vindo a morrer com o segundo Governo de Felipe González e o primeiro do PP de Espanha, altura em que o Governo Central começou a cortar os subsídios para a cultura - e bem, no caso das tunas, já que o que fazia era alimentar a continuidade dos mesmos tunos, sufocando a renovação dos «quadros» (para ir de encontro à linguagem do franchising...).

Naturalmente que este comentário não se dirige a ti, mas pretende ser apenas uma adenda ou um subsídio a algo que, porventura, não ficou suficientemente explícito no teu fantástico artigo.

O costumeiro abraço!

Eduardo
J.Pierre Silva disse…
Nem mais.
Importa desmistificar certas "verdades" e perceber que a Tuna, em muitos apartados, se recheou de artificialismos eles próprios potenciadores de "castelos de arreia".
Caro Conquistador...e eu a querer evitar o esticar a corda e apareces tu e...lá caí parte do véu! Não, não quis ir mais longe de facto mas pronto, adendaste e muito bem! O que vale é que ainda há muito mais por contar!

Abraços!!!!!!!