A Aventura da Credibilidade versus Espontaneidade

Da nossa credibilidade e espontaneidade. Ou seja, o que fazemos todos nós para nos credibilizar e como a nossa espontaneidade auxilia ou pelo oposto prejudica a procura dessa tal credibilidade.


Vou tentar não pregar seca mas procurando dissecar o essencial desta dualidade.


Enquanto cultura estudantil e tradicional todos sabemos que a Tuna em sentido geral não merece por parte da sociedade civil uma visão minimamente séria, fruto precisamente do seu carácter sui generis, tradicional, boémio e portanto amador. Ou seja, fruto da sua jovial espontaneidade ao fim e ao cabo. A cultura tunante nem sequer é apercebida como tal pela esmagadora maioria dos "futricas", restando uma ínfima parte de entendidos - ou porque por ela passaram ou porque a ela estão ligados de algum modo em particular - que reconhecem à Tuna Universitária a sua condição de cultura estudantil per sí, ou seja, sem qualquer diferença face a outras culturas existentes, tradicões, formas de estar, etc. Dizer como exemplo que qualquer miúdo do liceu reconhece o Hip Hop como sendo uma cultura - urbana no caso - mas dificilmente reconhecerá esse estatuto à Tuna Universitária, por exemplo. Todos os que na Tuna militamos e nela vivemos sentimos a tremenda dificuldade em explicar o que somos, fazemos e reproduzimos a um comum mortal, levando regra geral da parte deste último o postal cantado " ahhh, a Mulher Gorda para mim não me convém..sei, sei, são uma malta porreira, pá!." , o que convenhamos, será tudo menos ilustrador do que somos enquanto cultura. Pior, nem a esse patamar somos elevados, somos basicamente uns "gajos fixes que tocam umas cenas com pandeiretas e assim...". Mais, quando alguns pretendem credibilização com poucos milhares de discos vendidos dá vontade de rir assistir a uma humilde entrevista dada pelos U2 que venderam 145 milhões de discos em toda a sua carreira (ok, ok, esta "tuna" Irlandesa já anda nestas coisas há bué, yá...). E por aí fora, e por aí fora...


Porque será que as coisas são assim? Seguramente fruto da espontaneidade genética da Tuna Universitária - e largamente difundida historicamente por uns e olimpicamente deturpada por outros... - que leva a que a mesma se "ponha a jeito" - para o seu não reconhecimento cultural de facto, ou seja, uma espécie de filho de um Deus Cultural menor ou quiçá, nem isso. Muito dirão - onde naturalmente me inclúo - que sem espontaneidade não existe Tuna Universitária enquanto tal. Parece-me líquido. Já me parece altamente pertinente perceber onde é que essa espontaneidade termina e começa por sua vez a credibilidade e vice-versa. É que a noção de espontaneidade é como a virtude, é uma coisa que está ali no meio e que serve para tudo e mais alguma coisa. Serve a espontaneidade para por exemplo, coisas tão diametralmente opostas como será fazer-se uma Serenata nocturna ou para organizar um qualquer evento tunante. Com resultados obviamente também eles diametralmente opostos. Isto para dizer que se a espontaneidade de uma Seranata credibiliza a Tuna em sentido abstracto, já a mesma espontaneidade prejudica a Tuna quando "usada" para "organizar" espontaneamente um evento tunante - com maus resultados óbvios para a credibilidade de todos.


As Tunas na sua organização interna - e com reflexos da mesma ou falta dela no seio de uma comunidade - não devem ser apenas geridas na exclusiva base da sua credibilidade, deixando de lado o sentir espontaneo tão próprio da Tuna. Mas uma Tuna que queira procurar credibilizar-se e credibilizar a cultura onde se insere não pode ser gerida internamente como se se tratasse de uma casa de "meninas" onde a espontaneidade é a única "regra" existente para lá da "Madame" e da tabela com o preçário. Se se procura a credibilidade da Tuna em sentido abstracto é fulcral a gestão da credibilidade 1º do seu grupo para depois essa credibilidade se espelhar necessáriamente na credibilidade de todos, de uma cultura. Quando uma Tuna não tem, nunca teve ou teve e perdeu essa gestão da credibilidade, então estamos necessáriamente no âmbito da livre e total espontaneidade, com tudo o que isso significa de bom e mau. E aqui preocupa-me sobremaneira o lado negativo dessa espontaneidade, porque a mesma pode e deve coexistir em paz com a credibilidade.


A credibilidade da Tuna em sentido abstracto, na sociedade de hoje, não se resume a tocar e a cantar muito bem mas antes a uma série de factores que precisamente aliam de forma inteligente e perspicaz as noções de credibilidade e espontaneidade Tunante, marcando claramente fronteiras e demarcando necessariamente o que é ser-se credivel e o que é ser-se espontaneo. Muita coisa passa para fora como espontanea e que disso nada tem. Muita coisa passa para fora como sendo credivel quando de todo o é. E aqui é necessário referir o lastimável serviço que o certame competitivo que assenta na capa da "espontaneidade" - quando apenas é um lamentável granel sem qualquer nexo, regras e logo, sem crédito algum - presta precisamente à falta de credibilidade da Tuna em sentido lato. Quando se vêm "coisas" como as que ultimamente se têm visto, vamos convir que é uma facada à nossa credibilidade porque quem as promove, faz, organiza e pratica anda refugiado de "espontaneidade em espontaneidade" dizendo a celebérrima e néscia frase batida "o que interessa é conviver e participar e blá blá blá". Esta frase é precisamente uma das maiores facadas que se vão dando à credibilidade da Tuna em sentido geral porque raramente é dita com a credibilidade de todos como pano de fundo mas antes sim quase sempre é proferida para "limpar" moralmente as asneiras que se vão cometendo.


Tunas ditas "crediveis" a portarem-se como miudos espontaneamente sós, Tunas ditas "espontaneas" que são do mais frio e calculista que se possa imaginar, Tunas ditas "crediveis" para fora e que por dentro são caixas de Pandora perfeitamente desregradas, Tunas que usam e abusam da sua "espontaneidade" para fazerem tudo e mais alguma coisa que oscilam entre o que de facto é espontaneo e o desrespeito, desonra, descrédito. Deles e nosso. Quem diz que uma Tuna se resume exclusivamente a música não é Tuno, é músico; altamente credivel mas nada espontaneo portanto. Quem diz que uma Tuna se resume a borga não é Tuno, é borgista; altamente espontaneo mas pouco credivel. Para credibilizar a Tuna Universitária tem de se ser genuínamente espontaneo e usar isso para ser correctamente credivel.


É a credibilidade de todos que me preocupa neste particular, porque a nossa espontaneidade sempre existiu, falta é a credibilidade. É que assim, pelo andar da carruagem, vamos continuar por muitos e longos anos a ser vistos como o que cada um quiser ver-nos menos pelo que de facto somos e devemos ser: uma cultura. Cada vez mais me parece que poucos estão preocupados em dar à sociedade a real imagem da Tuna, antes a falsa, a convenientemente umbiguista, a porreira, a demasiado "espontanea" que, por tal, de espontaneo nada tem.


Desculpem-me esta espontanea seca....

Comentários

Sir Giga disse…
Nem tudo é mau. Senão lê este artigo de opinião do Dr. José António Neves, de 30 de Março de 2007. Há ainda quem:

1 - Faça por dignificar o movimento tunante.
2 - Reconheça o valor cultural e musical das tunas.

Nem tudo é mau...mas infelizmente há coisas péssimas. Fique este artigo como pequena consolação:

"SECÇÃO: Opinião

Um “ Compasso”…

Neste último fim-de-semana no Teatro Municipal de Vila Real, realizou-se pela sexta vez consecutiva, mais uma Festa Ibérica de Tunas.
Este evento, cuja responsabilidade de organização coube, como já é habitual, à TransmonTuna, Tuna Universitária de Trás os Montes e Alto Douro, que trouxe até esta cidade mais de três centenas de jovens universitários provenientes de diferentes partes do país, e da vizinha Espanha, para mais um grandioso espectáculo, onde para além da música, não faltou a alegria, a cor, a amizade, a sátira e a irreverência de uma juventude que continua, apesar das agruras por que se pauta a nossa vida social e económica, a ser a verdadeira essência, e o orgulho, de ser português.
Nesta Festa participaram a Tuna de Medicina de Coimbra, a Tuna do Magistério de Ávila, Afonsina – Tuna de Eng. da Universidade do Minho, Hinoportuna – Tuna do I. P. de Viana do Castelo, TAUE – Tuna Académica da Universidade de Évora, Desertuna – Tuna Académica da Universidade da Beira Interior, Estudantina Académica do Instituto Superior de Engenharia de Lisboa, a Tuna Feminina do ISCAP e a TransmomTuna. Este grande evento da Música Académica quis ultrapassar o espaço do Teatro e ir de encontro aos vila-realenses, objectivo esse, conseguido na sua plenitude, já que durante dois dias, os Tunos desenvolveram uma série de actividades, que passaram não só pelos roteiros gastronómicos obrigatórios, mas também pela animação e convívio de rua.
Mas, sem dúvida, os grandes momentos deste evento ocorreram nos dois dias de concertos, no Teatro de Vila Real, onde mais de mil pessoas puderam ouvir do melhor que se faz a nível nacional, no que toca a este género musical. Assistiram-se a verdadeiros momentos musicais, ao mais alto nível técnico, dignos dos melhores profissionais, levando mesmo, em alguns casos, a esquecer que estávamos perante grupos de jovens universitários, que fazem desta arte sublime, a música, uma forma de ocupação dos tempos livres.
Uma palavra muito especial para o trabalho excepcional que a TransmonTuna, enquanto Tuna e enquanto Associação Cultural e Recreativa, tem vindo a desenvolver no sentido de divulgar a cidade e o verdadeiro espírito académico da nossa região, quer a nível nacional, quer mesmo a nível internacional, tão comodamente “ esquecida “ quer pela comunidade docente, quer discente da UTAD."