A Aventura das Motivações....

Há uma equação aparentemente fácil de descodificar quando falamos de tunas universitárias; digo aparentemente fácil pois à partida tudo o indica como o sendo, tranquilamente se explica a mesma equação. Mas de facto, temo não ser rigorosamente assim: Com tanta coisa hoje disponível ao mais comum dos universitários, em tempos tão “fáceis” no acesso a esse tudo, que os move a fazer parte de uma tuna e porque fazem, alguns, parte então de uma tuna?

A aparência da facilidade resume tudo a uma “forma de estar” divertida e passageira na linha temporal entre a adolescência e a maioridade, a juventude portanto. O “nacional-porreirismo” que serve de guarda-chuva a uma forma de estar e viver a vida universitária desta maneira, quiçá, dirão alguns – como se outras não existissem diria eu até secundando por Jacques de la Palice na óbvia constatação. Poder-se-ia pensar que outras formas de passar pela mocidade louca, ingénua e generosa pura e simplesmente não existem, isto visto da tal forma simplista. Afinal, umas guitarradas entre amigos não são logo, de imediato, tout court, uma tuna; até pode vir a ser uma tuna mas não é condição sine qua non para sê-lo, vamos convir. Será então que hoje as motivações que movem alguém a fazer parte de uma tuna são as mesmas de antes, de há 20 anos, mais coisa menos coisa? Temo bem que não sejam, o que responde desde logo à tal aparentemente fácil equação acima: afinal, não é assim tão simples…

A motivação de quem começou nestas andanças, sujeito a impropérios na via pública do género “fascistas!” e outros “mimos” não é seguramente, sequer, a mesma motivação daqueles que estiveram, por exemplo no “boom”, um ano para a frente um ano para trás. Quando tudo é novidade, a motivação é distinta de quando tudo é saturante e satura pela massificação, como é óbvio. O gozo da novidade é também na medida do risco da mesma; por oposição, o gozo do “mais que batido” só pode ter contornos distintos até por ser bem mais “quentinho” e silenciosamente tolerante – o que não significa anuir ou concordar com essa silenciosa tolerância, note-se. Antes o tuno português descia à rua e era respeitado; hoje no limite simpático é ignorado. Hoje, em Espanha a maioria das pessoas silenciosamente “toleram” tunas – regra geral, quando não mandam bocas do género “Tuno vete al siglo XVII” – quando antes as aplaudiam entusiasticamente; curiosamente, em Portugal parece que se caminha para ¾ do que sucede no lado de lá da fronteira. Pergunta-se então porque razão mais profunda isso ocorre, hoje? É que entre o tuno chamado então de “fascista!” do rebentar das águas no parto do “boom” até ao tuno “cambada de bebedolas!” de hoje (!?) muita coisa ocorreu, muita coisa foi feita, boa e também má, vamos todos convir. Seremos todos então “bebedolas” e não passa daí?

Resulta esta reflexão de um “rewind” a um conhecido fórum online, onde se podem constatar precisamente essas crases, onde se pode verificar que o tal intervalo a que aludo teve muita lenha para queimar – e queimou-nos, a todos – por força de uma brutal e insípida violência desgovernada na suposta (des)evolução tida até hoje, onde por um lado se constata uma profunda ignorância da esmagadora maioria sobre o que realmente andava a fazer e, por outro, uma tremenda evolução quer na quantidade de grupos quer na qualidade de uns poucos que apenas são, no todo, claras excepções neste capítulo. Mas quando falo em qualidade raramente anda a mesma casada no que toca às várias vertentes exigidas na qualidade pretensa de uma tuna: não só a musical mas também a restante e aqui a falta ainda é maior, como é bom de verificar. À luz da nossa diversidade, tão patente quer nos trajes como mas posturas e por aí fora, demos à luz mutações de mutações, onde apenas e numa só coisa coincidimos – quando coincidimos: somos todos tunas. Coisa tão “tuga” e aqui há, goste-se ou não, um imenso oceano a separar a tuna portuguesa da espanhola.

Não se veja esta ultima afirmação – ou melhor, constatação – pelo lado mais negativo, ao contrário, pelo lado positivo deve ser vista a mesma: afinal, a uniformização de um único conceito no caso espanhol não será, visto com a devida distância e desapaixonadamente, um mal, antes pelo oposto. Já no nosso caso a pretensa democracia patente nos “vários-conceitos-de-tuna-onde-o-meu-conceito-vale-mais-que-o-teu” tem os resultados práticos hoje perfeitamente visíveis, não se percebendo com tal a tremenda arrogância que encerra uma postura perfeitamente isolada e isolacionista da parte de cada uma e um, que levará – já leva – inevitavelmente à tão conhecida e elevada já a desporto nacional, “bandalheira”.


Não se veja nos exemplos dos outros uma profissão de fé tuneril, nada disso, que também têm os seus “je ne sais quoi” de “diz-que-disse”, atenção. Mas de facto, como o caso português não há paralelo em qualquer latitude ou longitude do planeta tunante, não há, é um facto. Um tuno espanhol facilmente se baralha por completo quando cá vem a um certame, por exemplo, e a páginas tantas já não sabe quem é quem e muito menos o quê. Em 2006 um dos intervenientes no tal fórum acima disse, a páginas tantas que “as tunas espanholas nem deviam existir, que aquilo é uma cópia das portuguesas e que não têm a tradição que nós temos…” (citei). Há 4 anos atrás, conclui-se, ainda havia quem dissesse e achasse (e ainda deve haver) por cá tal barbaridade – e não me “lixem” que não é por falta de informação hoje em dia – que apenas revela um tremendo fosso, uma tremenda “branca”, um tremendo e assustador Cabo Bojador para muitos ainda dobrarem nas suas mentes, pelo menos. Porque entre o tuno “fascista!” e o tuno “bebedolas!” de hoje (!?) muitos disseram, pensaram e fizeram como o moço acima acha, pensa e disse, saltando olimpicamente de uma vez só, qual Naíde Gomes, uma série de escadas sem ter a noção de que o importante era paulatinamente calcar cada degrau.

Colhemos, pois, o que semeamos. Urge explicar-se com toda a calma e inteligência possíveis – e não adianta bater em quem sabe só porque sabe, pois se sabe fez por isso, quis aprender, sentou-se na carteira, não inventou, calou-se e ouviu, amochou… - o porquê de se ter, necessariamente, de percorrer um caminho por oposição a um constante saltar de etapas sem qualquer critério excepto um (ganhar, nem que seja a feijões!) onde o sobejamente conhecido “meu-conceito-de-tuna-e-daqui-não-saío!” é, talvez, a maior das arrogâncias que subsidia inequivocamente a actual óbvia constatação: Nem tudo por cá chamado de tuna o é e muito menos ainda se comporta como tal. Hoje pode-se afirmar que entre as ditas de tunas temos orquestras, murgas e comparsas carnavalescas, rondallas estudantis, velocistas de 100 metros barreiras, clãs das Highland´s e afins (tudo conceitos respeitáveis e altamente recomendáveis até mas que não tuna) quase a lembrar outros tempos e outros lugares; afinal, a História repete-se apenas com uma – enorme – excepção: todos querem chamar-se e passar-se por tunas, vá lá saber-se porquê (eu sei mas não digo até porque acima já o disse….); Tanto talento se perde para os teatros universitários, para os desportos universitários, para os grupos de escanções amadores universitários e por aí fora….

A actual barbárie desonestamente intelectual assente em pedestais narcisistas construídos no imediato em qualquer vão de escada ou mesa de tasca é completamente oposta à noção tuneril por excelência e tradição, de partilha, respeito, de caminho a percorrer. Vamos pagar a factura mais dia menos ano. Diria mais, já estamos a pagar e disso muitos nem se dão conta sequer….

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