A Aventura da "Norte-Coreanização" Tuneril

Veio à memória os meus tempos de estudante. Certo Professor comentava, então, no meu 2º ano de Universidade, um almoço a que assistiu com todo o séquito, à época, da Reitoria, composta então por ilustres personagens oriundas do Estado Novo, portanto, do tempo da outra senhora , em plenos anos 90 de liberalização do acesso ao ensino superior. Esse Professor, um jovem face aos restantes comensais, comentou em plena aula esse inusitado almoço, onde os ditos cujos dignatários de outros tempos não só se sentaram à mesa por ordem de importância e face aos cargos que detinham nos tempos de Salazar, como - e pasme-se - ainda discutiam acaloradamente os temas preementes dessa época, como se em plenos anos noventa isso fizesse algum sentido, sequer. Um must de anacronismo puro e duro, portanto, narrado com espanto pelo Professor e escutado com maior espanto por todos nós, alunos dele, então.

Se este anacronismo saudosista de pessoas com 70 ou mais anos, então, se acaba até por entender - e bem vistas as coisas... - embora pejado de ridiculo e caricato, mais grave é assistir-se, no mundo tuneril nacional, hoje, a autênticas posturas Norte-Coreanas a inundar mentes tão jovens, isolando-se da mais concreta e objectiva realidade e vivendo tempos que nem são deles, nem são claramente os de hoje. Autênticas "ilhas" na má interpretação da realidade actual, que ainda por cima saltam olimpicamente as barreiras da história de facto, muito por total ignorância sobre esta cultura que nos une, até. A somar a este anacronismo oportunista pincelado de ignorância sobre o que de facto, foi e é o mundo tuneril nacional, temos hoje comportamentos que atestam, a um micro-nivel como é bom de ver, essa ânsia em defender - de quê? - um certo estado de situação que não é, de todo, o de hoje.

Mais confortável se torna essa "norte-coreanização" quando assente em pressupostos de outras eras, tal qual os ditos dignatários do Antigo Regime ao dito cujo almoço. Completamente desfasados da realidade actual e com a adenda de, hoje, alguns acharem que vivem da forma certa, no tempo e lugar certos e que todos os restantes estão mal, quando se passa precisamente o oposto, pois é isso que os tempos de hoje nos mostram de formas extremamente interessantes e até inesperadas - ou não - em alguns casos. Usa-se o passado como uma "golden-share" e não como uma honra a respeitar, montam-se glórias passadas como se fossem eles a terem-nas conquistado quando chegaram aqui ontem, isolam-se nas suas fronteiras "norte-coreanas" com um rigor espartano temendo tudo o que seja exterior e olhando esse exterior como um "perigo" sem se darem, sequer, ao trabalho de tentar perceber e saber o que se passa "lá fora", no mundo real - aliás, o "mundo real" é o deles...

O problema destes anacronismos mentais é que resulta sempre num isolamento dos próprios, como facilmente se percebe. O que sobra é incomensuravelnente maior e mais vasto do que o pequeno mundo em que vivem e que eles dizem ser "o certo". Os "Grandes Lideres" vivem isolados dentro das suas fronteiras mentais e amplificam sempre a sua voz à minima passagem de uma traineira pelas bordas das suas águas territoriais, como se os pobres e esforçados pescadores se importassem com o que os "Kim Il Sung´s" pensam ou deixam de pensar, preocupados que estão com as suas vidinhas de humildes pescadores, preocupados antes com a real life. Nessa alucinação isolacionista por vezes acabam por passar em mar alto não traineiras mas antes Porta-Aviões, que apenas vão a caminho de outro lugar, simplesmente, estão-se nas tintas para os "Grandes Líderes", isolando-os ainda mais.

Nos tempos tuneris de hoje é claro, cada vez mais claro, que ainda existem mentalidades "norte-coreanas" que nem sequer ousam dar-se ao pequeno trabalho de serem medianamente lúcidos face à realidade. Ainda há muitos, curiosamente, jovens de hoje, que se sentam à mesa com os "ministros" de então e discutem acaloradamente episódios de outros tempos que não viveram, estados de situação que não sentiram porque não eram nascidos sequer, até, status quos que já deixaram de existir ainda antes de terem sido caloiros, que fará Tunos. Uma imensamente pequena "Norte-Coreanização" que apenas isola os mesmos, nada mais nada menos que isso. Respeitar o passado nada tem a ver com viver no mesmo nos dias de hoje. Nada.

Aliás, bastaria estudar o mesmo e quanto a Tunas, que facilmente se percebe a perenidade das coisas, força naturalmente da extrema capacidade adaptativa que a Tuna teve ao longo da história, sobrevivendo a Reis, Raínhas, Ditadores, Revoluções, Golpes de Estado e Sistemas politicos distintos, entre outras situações. Se a Tuna sobreviveu a tudo isso, como é possivel haver, hoje, gente jovem mais "parada" no tempo e no espaço que os comensais acima citados???

É que há uma grande, enorme diferença entre saudosismo e saudade....

Comentários

Eduardo disse…
Os que deixaram há pouco de fumar são sempre os mais violentos e virulentos anti-tabagistas...

Aquele abraço!
O problema ainda é maior quando nunca fumaram, não sabem o que isso é e sabem lá o que é um cigarro...

Abraços!
J.Pierre Silva disse…
Agora que finalmente percebi a mensagem (confesso que tive de fazer batota e telefonar ao aventuras), obviamente que subscrevo.
A tecla do "orgulhosamente sós" não pode ser apanágio de quem tem uma enorme históriá legada e é referência.
Paulo Santarém disse…
Conveniente analogia que o autor aqui nos descreve.

Realmente assistimos, nos dias de hoje, a uma crescente "elevação nos bicos dos pés" de algumas tunas (ou de um ou outro elemento que inevitavelmente arrasta consigo o grupo) em relação ao resto do mundo (entenda-se as outras tunas...), este orgulho desmedido na nossa "silhueta" apenas tem o condão de nos afastar, dos outros mas também do caminho que deveria ser o seguido.
Pois se são dados passos cada vez mais concretos na aproximação entre tunas, quer seja por exemplo através do PT, das sucessivas edições dos ENT, passando pelo não menos importante contributo de blog's como este e outros do género, nada justifica este novo paradigma crescente do termo "orgulhosamente sós", este estado de ilusão em que alguns vivem e que poderá conduzir irremediavelmente ao isolamento da tuna.
A história de uma tuna so por si não é o garante do que quer que seja, o património de uma tuna não é apenas musical, o maior património é sim o património humano da tuna, o caracter (ou a falta dele) dos seus elementos, isto é de facto a base do ADN de uma grande tuna...
Para finalizar faço minhas as palavras que o autor referiu num outro espaço (notas e melodias) que também se revelam bem pertinentes para este tema, "temos que olhar para os sinais dos tempos, interpreta-los e descodifica-los com humildade mas também inteligência"

- caro amigo concluimos assim que ainda não é o tempo de passar para a 2ª fila ou ir para a plateia pois ainda há trabalho a fazer... -

Um grande abraço
Paulo Santarém - Bruna, Tuna Universitária da Figueira da Foz
Caro Paulo, obrigado pelas tuas gentis palavras.

Concordo com o que dizes, quase na íntegra. E o quase somente porque o teu último parágrafo, pelo menos no que a mim me toca, começa a ser cada vez impossivel de cumprir....

Abraços!