A Aventura da (Des)evolução Tuneril do último Quarto de Século

Uma vez mais, devemos procurar as causas a montante para tentar, repito, tentar explicar parte da questão; a construção que fomos edificando ao longo destes últimos 25 anos grosso modo é resultado directo das acções, omissões, posturas e orgulhos que todos nós, então, tivemos. Nem sequer interessa agora discutir as razões para. Mas devemos procurar na base o que realmente acaba por explicar o cenário actual. É nisso que a História interessa, daí a pertinência do conhecimento generalizado da mesma.

Então, nos finais de 80, inícios de 90, os certames eram coisa rara, desde logo; note-se como prova de tal as edições que alguns certames têm e deduz-se a abrir que poucos eram os existentes então nesses tempos. Contudo, mesmo com o cenário de então – onde os encontros, saraus culturais, serenatas, etc etc eram seguramente 70 % da actividade das tunas de então – a Tuna vingou, cresceu, multiplicou-se, progrediu, disseminou-se.

Perguntarão então Vªs Exªs mas então que os – nos – movia, então? Outros tempos e contextos até sócio-politico-económicos: A liberalização do Ensino Superior, uma taxa de natalidade que 20 anos antes atingira números históricos, batendo certo com o final do ensino secundário e entrada no Superior, a afirmação cada vez maior da Mulher, contexto económico que possibilitava aos pais de então – privados muitos deles de terem ingressado na Universidade por força da Guerra Colonial, emigração e poucos recursos económicos – colocarem os seus filhos na Universidade, fosse ela estatal, privada ou concordatal, projectando nos filhos a juventude que lhes fora negada. A somar, o renascer das Tradições Académicas que se afastavam do estigma politizado dos anos 60 e 70 e, a somar a tudo isso, o modelo – único – de tuna que conheciam, o da tuna espanhola, que entrara pelas casas dos portugueses graças ao “Gente Joven”.

Deste cocktail Molotov altamente explosivo surgiu a tuna portuguesa, em nada a ver com o modelo de tuna que antes existira na Universidade portuguesa da transição do Século XIX para o de XX, ou seja, 80 anos antes mais década menos década. Tudo isto bem misturado deu naquilo que conhecemos por tuna portuguesa contemporânea, se quiserem assim chamar-lhe.Daí em diante, foi um salto maior que as pernas:

Tunas que serviram de tropa de choque da Praxe e das Tradições, como sendo uma espécie de prolongamento dos Cortejos; As Universidades/Faculdades/institutos delas se serviram como outdoor´s de promoção aos seus próprios serviços, cativando alunos novos até por força de terem dentro de portas uma Tuna (ou duas ou três, por vezes), apoiando-as em todas as actividades que exerciam e pretendiam levar a cabo. Uma espécie de marketeer´s encartados de promoção das suas imagens institucionais.

Por outro lado, nesses tempos, a novidade tinha como aliada a permissividade e até alguma libertinagem, desculpando-se à malta das tunas tudo e mais alguma coisa porque era irreverente, engraçada e até animava um país que tinha vindo de um longo período sisudo e carrancudo de seriedade imposta unilateralmente. A malta das tunas era fixe, como o era o Soares, pois então! Era a malta da PGA que agora se vingava fortemente, em suma, e os pais, Reitores e afins até achavam graça e, pasme-se, até incentivavam. Arrumou-se os ZX Spectrum e descobriu-se os bandolins, cavaquinhos e pandeiretas. Até o Governo, então, ajudou à festa, abrindo Universidades por todos os lados – hoje, sintomaticamente, fecha-as…

A juventude portuguesa de então descobriu algo muito mais interessante que as “jotas” políticas e vai daí, resolveu aproveitar todo este idílico cenário montado, em perfeita conjugação cósmica de factores, para poder fazer algo que não fazia desde as Lutas Estudantis de outros tempos, até mesmo desde a Federação Ibérica: Viver a e na Universidade – hoje, passa-se e de raspão pela Universidade e não se vive a mesma.

E é aqui neste ponto que se explica o que se passou daí em diante: Se uns têm certame, nós também tínhamos de ter, se uns ganham prémios porque razões mais absurdas não poderiam os outros ganhar? E assim sucessivamente. Esse viver na e a Universidade potenciou uma vivência única, memorável, especial até que obviamente careceu de espírito autocrítico. Foi-se caminhando sem saber porque razão se escolhia este ou aquele atalho; simplesmente porque se aqueles foram por ali, nós também tínhamos de ir. Simples. Não carece de mais delongas, até. Daí a se perder o tal lado de vivência na Universidade e passar a um estádio de mais especialidade técnica foi um ápice.

Os tempos começaram a mudar, as Universidades já não são as mesmas, agora o Estado já não quer saber dessa “onda” para rigorosamente nada, a sociedade civil saturou-se do que se fez e vai fazendo, numa repetição calendarizada de praticamente tudo e sem novidade alguma. A malta de hoje é bem menos do que aquela de antes, hoje há menos tempo para dispensar nestas coisas e por fim, antes eram cursos de 5 anos e agora são de 3. Deixou de estar na moda. E perdeu-se com isto tudo uma oportunidade soberana para deixar uma marca positiva da tuna enquanto cultura única, caindo-se numa resignação festivaleira e repetitiva que apenas serve aos seus intervenientes, desligando assim a tuna do restante tecido social de forma, direi, quase irreparável.

O mal está feito, estamos pois, hoje, todos – quase todos… - “preocupados” em ganhar ao vizinho do lado e não em cativar a sociedade civil para o que realmente fazemos. Antes a Tuna organizava-se socialmente em função do que era realmente e da imagem que queria projectar para fora; hoje,a tuna organiza-se em torno do festival competitivo, apostando o que tem – e o que não tem….– em ensaiadores pagos a peso de ouro, cordas Thomastik e show´s off. Antes, apostava-se na digressão; hoje, na premiação. Beneficência e romantismo, onde andais!?

Por isso é o festival, hoje, uma espécie de antecâmara da própria sobrevivência da tuna, ou seja, sem ele grosso modo o resto é tão pouco ou quase nada para além de umas tainadas entre os seus elementos. Quem consegue escapar a esta malha é definitivamente herói porque consegue ver na tuna algo mais do que ganhar ou perder.

Por outro lado, se olharmos ao calendário que anualmente se repete, quase que não há eventos que não certames competitivos, o que torna ainda mais difíceis as coisas para aqueles que vivem a tuna de facto.Evidentemente que há excepções. Ainda bem que as há.

Evidentemente que não se pode diabolizar o certame, claro que não, que trouxe a seu tempo muita coisa positiva e inovadora; hoje, de inovador coisa nenhuma trás, o que prova o seu errado entendimento na base. O certame deveria servir – e pese a cópia do modelo espanhol que adoptamos – para incentivar o que de melhor pode uma tuna oferecer. Deveria servir para mostrar progressão de facto, dinamismo, pró-actividade tuneril. Ao invés, o que vamos vendo parecem fotocópias uns dos outros, sinal inequívoco da falência não do certame enquanto tal mas antes do entendimento refém que foi dele feito. Valho-nos alguns que já perceberam a verdadeira e importante função intrínseca de um certame de tunas.

A Escócia só percebeu que poderia ser Escócia quando os clãs se entenderam e deixaram, por isso, de arriar sacholadas uns aos outros. Deixaram de ser um conjunto disperso de clãs para serem um só clã e com isso a Escócia ganhou. Perceberam que só assim poderiam ser respeitados, dando-se desde logo ao respeito. Enquanto andarmos a medir as sacholadas que damos uns aos outros – e não só são dadas como ainda por cima se revezam a dar… – não vamos a lado algum. Haveria que parar com este círculo vicioso que, pasme-se, não aproveita a ninguém e muito menos interessa a quem está de fora do nosso pequeno grande mundo.

Será que o Quim das Iscas se preocupa com que tuna ganhou ou deixou de ganhar o festival de Assenaipas de Cima? O tipo vai para casa a debater o certame com a mesma garra, entusiasmo ou paixão com que debate um FCP/SLB? Chateia a mulher porque ganhou a tuna x e não a y? A vida vai mudar na Segunda-Feira lá na fábrica por causa disso??? O patrão vai aumentar os funcionários porque a tuna da faculdade dele ganhou o certame???

Gosto de festivais, apesar de tudo. Como gosto de encontros, jantares, serenatas e digressões; no gosto, não muda muita coisa. Porque às tantas o faço por gosto, simplesmente. Não é o festival a Al Qaeda das tunas, nada disso. Só o é para algumas mentes que não conseguem perceber uma simples coisa: o festival é apenas UMA das várias manifestações que uma tuna por excelência pode e deve exercer na sua vivência quotidiana. Apenas UMA; não “A” actividade única, supra, ultra, top, pop. Não. Haja certames mas haja também tudo o resto. E isso, meus amigos, só depende…de nós.

Olhem para os espanhóis, aqui mesmo ao lado. Nós, na nossa saloia “aljubarroteirice” nem sequer conseguimos perceber porque raio eles sobreviveram à abolição do Traje, a Reis, a Presidentes da então 1ª e 2ª Repúblicas espanholas, às autonomias, à ETA, a Franco e até sobrevivem ao Zapatero. Lá vão, citando Carlos Tê, “sempre na sua, sempre cheios de speed”. Era este “speed” que tínhamos e que, hoje, só o vemos…em palco.

Comentários

causa nobre disse…
"a novidade tinha como aliada a permissividade e até alguma libertinagem, desculpando-se à malta das tunas tudo e mais alguma coisa porque era irreverente, engraçada e até animava um país que tinha vindo de um longo período sisudo e carrancudo de seriedade imposta unilateralmente. A malta das tunas era fixe, como o era o Soares, pois então! Era a malta da PGA que agora se vingava fortemente, em suma, e os pais, Reitores e afins até achavam graça e, pasme-se, até incentivavam. Arrumou-se os ZX Spectrum e descobriu-se os bandolins, cavaquinhos e pandeiretas. Até o Governo, então, ajudou à festa, abrindo Universidades por todos os lados – hoje, sintomaticamente, fecha-as…".
No teu brilhante ensaio que não é apenas retórico mas empírico, tens neste pequeno excerto a resposta para a mudança do paradigma. Se aliarmos a isto, o facto de termos passado do ZX Spectrum para o bandolim e deste para o IPAD, esta métafora resume "a evolução da espécie". O problema reside no desperdício de 20 anos de tuna, em que tudo foi permitido, hoje há que " reabilitar uma imagem", que não passa pela serenata, pela arruada ou pela festa popular, porque simplesmente quem vê hoje uma tuna nesse contexto não acha fixe! A mudança do paradigma deve-se ao contexto, ao cenário social actual, porque se quem vê não acha fixe, então quem faz não quer passar por não ser fixe. Disto resulta o quê? a criação de feudos, com espectadores á espera do que é fixe, felizmente ainda há bastantes. Mas que espectadores são esses? muitos fazem parte de outras tunas, outros são estudantes da universidade que a tuna representa, outros são groupies, outros são os pais( o meu filho está lá, tenho que ir, que seca , mas tenho que ir), outros amigos( alguns vão por solidariedade). No fim o que resta...?? ok, ok, ainda há quem goste de tunas! Mas esses só vão se a tuna for fixe, e quando é que ela é fixe?, quando toca bem, e a tuna toca bem, muito bem mesmo, onde ?? no festival!! Não digo que não há tunas, que não toquem bem fora desse contexto...mas já não é fixe, para quem vê e para quem toca.
Uma questão final se coloca, tipo quem nasceu 1º, o ovo ou a galinha? Neste caso quem tem culpa?, quem vê mas não acha fixe( por várias razões) ou quem toca e não acha fixe( por várias razões também).
Eu tenho uma resposta mas fica para mim, só acho é quem toca, deveria partir de um pressuposto...a tuna é fixe, em festivais, em serenatas, em festas populares, etc, pode ser que ajude.
P.S nem vou entrar pelo caminho do envelhecimento da tuna e dos seus elementos, a falta de disponibilidade pessoal e profissional que daí advém etc, que embora possa ser um factor importante para o que supra referi, constitui uma excepção e não a regra, já que felizmente ainda há muita juventude por esse país fora.
Abraços
juiz
Meu caro Amigo Juiz, precisamente.

Contudo, não deixa de ser altamente pertinente verificar que, mormente a elevação do tratamento destas questões a uma patamar mais sério e sóbrio, constata-se que, afinal, a esmagadora maioria está "cá" apenas para "curtir" e competir, basicamente. Se atentarmos há uns anos valentes atrás, a massa critica sobre nós mesmos era ainda mais reduzida ou até inexistente, o que comprova, afinal, o caminho seguido, se virmos com particular atenção. Contudo, assiste-se acada vez mais a um claro elevar e para o patamar acima destas questões: começa a "soar" mal a treta da azia festivaleira, começa a pensar-se antes de se escrever disparates, começa, ainda que tenuamente, a existir alguma exigência. Vá, menos mal, que o caminho faz-se caminhando. Noto eu particularmente que o nivel do discurso - ainda que circunscrito a meia duzia, uma dúzia, começa a extender-se paulatinamente, o que por um lado reforça a mudança de atitude e por outro, alguma alergia a "atitudezinhas" que -e não faz assim tanto tempo - se manifestavam ciclicamente e com particular incidência nos pós-certames. Parece-me uma tendência, esta, de elevação do diálogo, de maior resposanbilização comum, o melhor caminho a seguir, pese a maioria continuar a "raspar" na Tuna e dela retirar apenas proveitos, não percebendo que com ela tem igualmente deveres.

Aguardemos, serenamente, para verificar se afinal o mais importante será a Estrada da beira ou se afinal, se vai continuar a discutir a beira da estrada.

Abraços de amizade e Boas Festas!