A Aventura do "mal amado" Pasacalles....

Bem sei não ser uma das manifestações predilectas do tuno português. Muito provavelmente nunca o terá sido, mormente ser uma manifestação por excelência tuneril estudantil no caso dos nossos vizinhos espanhoís, reminiscência directa dos Carnavais - e comparsas carnavalescas onde as estudiantinas e tunas desfilavam então, muitas vezes só mesmo nessa ocasião.

Certo será que se trata de uma tradição genéticamente tuneril, a par da serenata, da beneficiência e do carácter migratório e boémio da tuna. Como certo será, por tal, claro e inequívoco que o desfile ou pasacalles ou arruada ou callejoneada (use-se o termo que se quiser usar, embora prefire o clássico pasacalles) em Portugal praticamente só surge e na tuna nacional após o "boom" dos anos 80/90 do Século XX; antes disso, há relatos históricos por cá, em afamados carnavais, de estudiantinas ou tunas espanholas, a desfilarem em plena via publica, como p.ex. no Carnaval do Porto organizado pelo Clube Fenianos, em finais do Séc.XIX e inícios do de XX, onde constam registos documentados da participação nos desfiles e a concurso da Estudiantina de Salamanca e Córdoba, p.ex. Em 1958 diz-nos o Jornal espanhol "La Vanguardia" que a Tuna Barcelonesa (referindo-se à Tuna Universitária de Barcelona) desfilou, aquando da sua visita à cidade do Porto, pelas ruas da Invicta. E mais relatos documentados existem dessa dinâmica: tunas ou estudiantinas espanholas a desfilarem nas nossas cidades. Já das nossas - poucas que existiam - poucos ou nenhuns relatos existem como prática habitual das nossas tunas. A raíz histórica do pasacalles está, pois -e mais uma vez - no lado tradicional espanhol tuneril; ou seja, é mais uma importação que fizemos, grosso modo, das tradições tuneris espanholas.

Ora, resulta claro duas consequências do acima dito: a 1ª prende-se com a naturalidade com que o pasacalles é encarado pela tuna espanhola e ao longo dos tempos; a tuna espanhola - ao contrário da nossa - vive na, da e para a rua, para a calle; logo, explica-se a facilidade tremenda, para lá da naturalidade, com que fazem o dito cujo desfile, o dito cujo pasacalles. Ainda hoje assim o é, o que, em competição, mostram claramente o acima dito.
A 2ª consequência prende-se com a inversa proporcionalidade e quase anti-naturalidade (?) com que a tuna portuguesa se apresenta aquando do desfile, arruada ou pasacalles; não é a tuna nacional da rua, não vive na mesma nem para a mesma, mormente aquando do "boom" este cenário ter sido mais premente e até efectivo. No entanto, o certame competitivo destruíu o pouco que havia de calle na tuna portuguesa, como hoje se constata. Logo, em competição, a tuna nacional "perde" com espantosa facilidade para a congénere espanhola, na ordem inversa do que se passa em palco, praticamente.

Assim, seria extremamente pertinente, hoje em dia, que os certames investissem de facto no desfile ou pasacalles, numa lógica mais elevada, responsável e organizada - de nada serve ter um pasacalles que percorre ruas desertas de gente, p.ex. ou feito em locais no mínimo caricatos por desadequados à missão final do mesmo; fazer por fazer mais valerá não fazer, ponto. Ou seja, os certames deveriam, até para credibilizar o próprio evento, usar o pasacalles como publicidade directa ao mesmo, levando assim a tuna às pessoas, à rua, às gentes que porventura assim, ficarão mais sensiveis e próximas ao fenómeno - para lá da recriação de um hábito tradicional em si mesmo - quando inserido em eventos: chamariz para público, levando assim a tuna às pessoas e não esperando que as pessoas se aproximem da tuna apenas no teatro. Ao fim e ao cabo, o pasacalles é a democratização da tuna, a partilha da cultura tuneril em todo o seu esplendor, a abertura da tuna à sociedade.

A Festivalitis Aguda aqui tem um papel, mais uma vez, pernicioso e altamente paradoxal: a tuna portuguesa alheia-se quase por completo do pasacalles, praticamente não lhe liga nenhuma, não se prepara previamente para, é-lhe igual ao litro mesmo com prémio respectivo e tudo; Tunas há que, pasme-se, mandam os seus caloiros fazer o dito cujo, ficando as restantes "patentes" a fazer outra coisa qualquer; quase que se assume que, havendo uma qualquer tuna espanhola presente, está o mesmo entregue, portanto, vai daí, nem vale a pena pensar no caso. A Tuna espanhola, por oposição, dá-lhe a mesmíssima importância seja num certame cá, lá ou na República do Kiribati. Sintomático: dá-lhe muita importância, porque sempre lhe deu e não por razão alguma em específico ou de circunstância. Já se começam a ver por cá regulamentos de certames que desclassificam as tunas para os prémios cimeiros quando as mesmas se escusam a desfilar (e muitas vezes também existem questões que se prendem com patrocinadores do evento, que são parte do sustento para que as organizações possam proporcionar mais conforto às tunas convidadas).

O Pasacalles, concluí-se então, deveria ser mais valorizado por cá, quando ele consta pelo menos do programa de actos do certame. A fazer-se que se faça bem feito, direi eu. Mas por parte de todos os intervenientes, sejam eles portugueses, espanhoís ou holandeses. Devem ser bem elaborados, em locais que proporcionem festa e alegria para que vê o desfile mas também para quem o dá. Deve ser o pasacalles a 1ª amostra da qualidade pretensa do que se vai passar mais tarde e não o "frete" porque tem de ser, porque o vereador da cultura pediu ou porque o patrocinador quer ver a sua rua movimentada e assim, potenciar o seu negócio. O pasacalles deve ser a cara do certame. Mas também mostra a cara - e não só... - dos que nele participam. Como? Pela forma como o (não) fazem.....

Comentários

Grande post.

Como sabes, eu gosto muito de fazer pasacalles, mas gosto de os fazer com pés e cabeça.

Em primeiro lugar a tuna deverá ter temas que possam ser cantados a uma, no máximo, duas vozes e com arranjos simples de viola e bandolim e onde as pandeiretas e/ou o bombo possam marcar um ritmo certinho e fácil de seguir.

Em segundo lugar não é dificil de fazer coreografias, se cada um seguir a pessoa à sua frente. Seja numa fila, duas, três ou quatro, se cada pessoa estiver atenta ao que faz a pessoa à sua frente as coreografias saiem naturalmente. Basta que quem comanda o grupo saiba o que está a fazer. Não é dificil... basta estar atento.

Em terceiro lugar onde e como se desenrola o desfile. Aqui as organizações muitas vezes pecam. Além de mandarem as tunas para sítios onde não há ninguém na rua nem às janelas, fazem as tunas desfilar quilometros. Sim, kms! Eu e tu já fizemos isso no passado. E pah!, somos tunos, não somos atletas olimpicos de marcha cantada. Basta pensar assim... em cada cidade há sempre um sitio mais movimentado. Uma rua principal com comércio. Há sempre. Um percurso de 500 mts, vá, 600 mts é suficiente para chamar a atenção. Não é preciso mais. Um desfile nessa rua, tocar tres ou quatro temas chega. Não é preciso dar a volta à cidade.

Se as organizações tiverem em consideração a questão do onde e como se desenrola e as tunas tiverem consciencia de que para fazer um bom pasacalles não precisam de cantar músicas a cinco vozes com tarola e arco no contrabaixo, as tunas portuguesas talvez possam, num médio prazo, fazer frente às suas congéneres espanholas.

Grande abraço!
Um dado espantoso e que recentemente me assolou a mente, ao passar por tão bela e movimentada artéria: Admito estar enganado mas não me recordo, francamente, de certame algum no Porto p.ex. ter proporcionado um pasacalles em plena Rua de Santa Catarina -e com tudo que isso significa e acarreta a variados niveis. Não me recordo, francamente, de tal coisa inserta no programa dos vários certames que ocorriam e ocorrem anualmente no Porto. O que me resulta estranho, por um lado e confirmação do que disse acima, por outro. Por oposição, p.ex. o FITU Bracara Avgvsta sempre apostou fortemente no seu pasacalles como, inclusivé, imagem de marca do próprio certame, levando-o às suas gentes da melhor forma possivel. Lá está, opções que - porventura - também significam mais do que fazer ou não fazer um pasacalles.

Pessoalmente, não sou nem nunca fui grande adepto do pasacalles; mas fi-los e faço-os sem qualquer problema. Pena tenho que, por cá, quando os fazemos, ainda fique no final menos adepto do que era á partida; já quando estou em certame espanhol, gosto, divirto-me e termino o mesmo com melhor impressão do que tinha quando o comecei a fazer. Alguma razão haverá.....

Abraços!
Por acaso, no meu festival que tu bem conheces fazemos sempre um pasacalles. Já o fizemos de dia e de noite (nessa edição até a polícia cortou a rua em frente à Câmara e houve escolta à frente e atrás do trajecto do pasacalles). E tens razão. No Porto também não me recordo já que o meu festival é em Matosinhos ;).

E sim, em Espanha é muito engraçado fazer o pasacalles. Está sempre bem organizado. O porquê? Será que é porque eles sabem o que é efectivamente um pasacalles? Talvez... não sei ;)