A Aventura Revisionista



No meio de tanta virtude que este atractivo meio debita e continua a debitar, por vezes assiste-se a alguns "tiques" que roçam o revisionismo. Ora com boas intenções, ora sem elas - apenas para consumo interno, até.


Verificar lapsos temporais em concreto, uma determinada timeline, é um exercício fácil para quem os viveu na primeira pessoa, sendo certo que, por força de tal, o consumar de um qualquer revisionismo a metro resulta tão erróneo - por não corresponder aos factos reais - quão caricato - verificando-se as reais motivações que a subsidiam.


O revisionismo histórico em tunas é usado em duas circunstâncias, regra geral: Ou para retroactivar algo para proveito próprio ou para ocultação - saltando olimpicamente um determinado tempo concreto.


Há actores do "boom" vivos e bem vivos, hoje, que sabem como as coisas decorreram, então, nessa fantástica e estonteante época. Não eram muitos, então. O circuito - digamos assim - era ele mesmo pequeno; não existiam muitas tunas e menos certames ainda existiam. O que compacta a informação concreta dessa época, mesmo sabendo-se que não se consegue saber tudo porque nem então se estava em todos os sítios ao mesmo tempo. Contudo, não havendo dom da ubiquidade existia contacto próximo - mesmo sem internet, na época - troca de informação constante, mais proximidade porque menos players, melhor informação porque sem demasiado ruído de fundo, eventos no FB, clikbates e afins tão típicos destes tempos de hoje.


Não era, então, difícil saber-se p.ex. no Porto o que acontecia em Lisboa e vice-versa. Porventura até seria mais fácil - que não mais rápido. Mais fiável a comunicação mas menos ligeira a propagar-se. Mas sabia-se, contudo, o essencial do panorama de então. O circuito era pequeno e as amizades criadas faziam o resto. Um simples telefonema resultava, então, num manancial informativo de monta, que servia para gerir depois. Se quiserem e numa comparação académica, os condóminos reuniam várias vezes ao ano em certames distintos mas mais ou menos estáveis no tempo e espaço, potenciando então a informação. Era o outro lado de se viajar bastante mais pelas estradas nacionais do que pela internet - que não existia. Logo, a personalização era maior, mais vincada, eficaz, geradora de cumplicidades que ainda hoje perduram. Parecendo que não, era muito diferente.


Obviamente que tal tinha também coisas menos positivas; contudo, a clarificação era maior - ora sim, ora não. Não se perdia tanto tempo. A malta encontrava-se toda, como era habitual, para o mês que vem, no festival do costume. Uma espécie de via sacra tuneril.


Depois apareceram mais tunas, logo, mais festivais e as coisas começaram lentamente a tomar outro rumo, porque de dimensão maior. Mais gente, mais tunas, maior dispersão geográfica. E foi-se perdendo aqui e ali essa noção do "picar-o-ponto" como todos os anos se fazia. Uns foram-se mais abaixo, nova gente surgiu a fazer coisas boas. E as coisas diluíram-se naturalmente, restando, porém, as amizades então criadas e até hoje. É natural. Onde existiam 5 festivais ao ano onde iam sempre as mesmas 10 tunas mais coisa menos coisa, passaram a existir 30 festivais para 50, 60, 100 tunas, resultado do evoluir do fenómeno. Obviamente que não poderia ser como outrora.


E é aqui que entra a tentação do revisionismo a metro. Alguns "pensam" que "estiveram lá" e não estiveram de todo. Mesmo sendo no início algo pequeno, porque poucos, não estiveram alguns naquela timeline, naquele lapso temporal. Quanto muito surgiram depois dele. E alguns desses reclamam créditos de um tempo que não viveram, porque nem sequer existiam, até. Note-se, não é má vontade, é factual. Eu não vivi a tuna em 1988 ou 1989, só depois. Mas também não apareci em 1994 ou 1995. Nesse intervalo temporal sim, estive lá. Também. E depois continuei.


Resulta pois algo absurdo verificar o tal revisionismo a metro por parte de quem eu - e alguns - sabe(m) como foram as coisas naquele espaço temporal. É o reclamar de um tempo que não lhes pertence, procurando uma retroactividade que não se coloca, tentando capitalizar factos que não lhes cabem, esmiuçando uma suposta parentalidade histórica que resulta grotesca por mera comparação factual.

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